Processo nº 2011-086327
Assunto: INCIDÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA.
SERVIÇOS EXTRAJUDICIAIS - VALENÇA 2 VARA - CLÁUDIO GONÇALVES ALVES
PARECER
O presente feito foi instaurado mediante ofício encaminhado pelo MM. Juízo
da 2ª Vara da Comarca de Valença, relativo ao processo nº
0007918-09.2010.8.19.0064, que retrata a impetração de mandado de
segurança pelos Delegatários dos 1º, 2º e 3º Ofícios de Justiça de Valença
em face da Secretaria
Municipal do referido Município, com a finalidade de obstar a exigência de
alvará de localização e as fiscalizações promovidas pelo ente municipal no
tocante aos recolhimentos de ISSQN sobre serviços notariais e registrais.
Foi proferida decisão, às fls. 159/165, destacando que o entendimento
adotado no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, no que diz respeito à
exigência de alvará para funcionamento dos serviços extrajudiciais, é no
sentido da impossibilidade de se transferir para o Município a incumbência
de fiscalizar as atividades dos Serviços extrajudiciais, a qual compete ao
Poder Judiciário, nos termos do artigo 236, § 1° da Constituição Federal.
E, em segundo lugar, foi esclarecido que a questão relativa à incidência
do ISSQN sobre serviços notariais e registrais foi examinada pelo Supremo
Tribunal Federal, na ADI 3.089-2/DF, sobrevindo decisão no sentido da
constitucionalidade da cobrança.
Diante dos efeitos erga omnes e vinculante da decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal, não há mais espaço para se discutir sobre o
cabimento da tributação.
No entanto, permanece a controvérsia a respeito da base de cálculo do
ISSQN, ou seja, se o imposto deve ser cobrado por meio de valor fixo sobre
a pessoa física do delegatário (na forma do artigo 9°, § 1° do Decreto-lei
406/68) ou se deve incidir sobre a receita dos Cartórios (preço do
serviço).
O SINOREG/RJ peticionou às fls. 169/170, trazendo subsídios em favor da
tese de que os Tabeliães e Registradores são classificados como
profissionais de direito, na forma do artigo 3° da Lei 8.935/94 e que
devem ter o mesmo tratamento fiscal conferido aos profissionais de outras
especialidades (cf. artigo 9°, § 1° do Decreto-lei 406/68).
Como já enfatizado no decisum anterior, a questão relativa à base de
cálculo do ISSQN tem natureza jurisdicional, de modo que a sua solução
ultrapassa os limites do processo administrativo.
O que pode ser colocado nesta instância é que a tese da tributação fixa,
calcada na pessoalidade da prestação do serviço, é a que mais se coaduna
com a responsabilidade atribuída aos Tabeliães e Registradores.
Com efeito, a responsabilidade que pesa sobre o exercício da atividade
notarial e registral, consoante o disposto nos artigos 21 e 22 da Lei
8.935/94, é de natureza pessoal, nas searas cível, penal, trabalhista e
fiscal. Veja-se:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO PELOS DANOS CAUSADOS
PELO TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL NÃO-OFICIALIZADA. PRECEDENTES.
A responsabilidade civil por dano causado a particular por ato de
oficial do Registro de Imóveis é pessoal, não podendo o seu
sucessor, atual titular da serventia, responder pelo ato ilícito praticado
pelo sucedido, antigo titular.
Precedentes. Recurso especial provido."
(STJ, REsp 696.989/PE, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 23/05/2006, DJ 27/11/2006, p. 278)
"PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato
não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade
pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má
prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o
Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido."
(STJ, REsp 545.613/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA,
QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 29/06/2007, p. 630)
"SUCESSÃO TRABALHISTA. TITULAR DE CARTÓRIO. CONTRATO DE EMPREGO EXTINTO.
AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. 1. Os contratos de trabalho executados
em favor da serventia extrajudicial são firmados diretamente com a pessoa
do titular do cartório. 2. Excetuada a continuidade do labor em prol do
novo titular, cumpre a cada titular de cartório responsabilizar-se pelas
obrigações derivantes das respectivas rescisão de contrato de trabalho. 3.
Incontroversa a ausência de prestação de serviços ao novo titular do
cartório, provido mediante aprovação em concurso público, não se
caracteriza sucessão trabalhista, sob pena de a assunção do passivo
trabalhista contraído do antigo titular constituir imenso desestímulo à
participação no certame. 4. Recurso de revista
não conhecido" (TST-RR-54700-38.2004.5.10.0015; Rel. Min. João Oreste
Dalazen; DJ 09/06/2006).
"(...) 2.7. A própria Secretaria da Receita Federal, na SOLUÇÃO DE
CONSULTA 194, de 24 de maio de 2004 afastou qualquer dúvida a respeito da
natureza jurídica dos serviços prestados por NOTÁRIOS e TABELIÕES, de modo
que não podem ser considerados como pessoa jurídica pelo simples fato de
possuir CNPJ: TABELIÃES, NOTÁRIOS E OFICIAIS PÚBLICOS - DISPENSA DE
RETENÇÃO. Não estão obrigadas a efetuar a retenção a que se refere o art.
30 da Lei n.º 10.833, de 29.12.2003 os serventuários da justiça, como
tabeliães, notários e oficiais
públicos, que embora tenham inscrição no CNPJ, não são equiparados a
empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda. 3.5.
Além disso, pelo Imposto de Renda os notários, tabeliães e oficiais de
registro recebem tratamento de pessoa física, sendo tributados como
profissionais liberais ou autônomos. Portanto, os emolumentos cobrados
pelos serviços são equiparados à
remuneração de pessoas físicas pela legislação do Imposto de Renda,
conforme dispõe a Lei 7.713, de 1988, no seu artigo 11:
Art. 11. Os titulares dos serviços notariais e de registro a que se refere
o art. 236 da Constituição da República, desde que mantenham escrituração
das receitas e das despesas, poderão deduzir dos emolumentos recebidos,
para efeito da incidência do imposto:
I - a remuneração paga a terceiros, desde que com vínculo empregatício,
inclusive encargos trabalhistas e previdenciários;
II - os emolumentos pagos a terceiros;
III - as despesas de custeio necessárias à manutenção dos serviços
notariais e de registro."
Em suma, os Tabeliães e Registradores são considerados pessoas físicas
para fins de responsabilidade civil, penal e administrativa; são
considerados empregadores individuais; são considerados pessoas físicas
para fins de incidência do imposto de renda.
Assim, por questão de coerência sistêmica, afigura-se mais razoável a tese
da pessoalidade no exercício das atividades notariais e de registro, no
campo fiscal para efeito de incidência do ISSQN, conduzido à aplicação do
artigo 9°, § 1° do Decreto-lei 406/68.
A propósito:
"Representação por Inconstitucionalidade. Itens 21 e 21.01 do art. 1º da
Lei nº. 6.009/2003 e arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto Regulamentar
769/03 do Município de Petrópolis.
Incidência do ISS sobre serviços de notariais e de registros.
Suposta violação dos arts. 194, §2º e 196, IV, "a" da Constituição
Estadual, em correspondência com o art. 195, VI, "a" da Constituição
Federal. Constitucionalidade já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal
em questão análoga. Incidência exclusiva sobre as pessoas físicas
dos delegatários. Cartórios que não ostentam a qualidade de pessoa
jurídica. ADIN n° 3089-2 DF que declarou constitucional os itens
21 e 21.01 da Lei Complementar nº 116, dispondo sobre a incidência do ISS
sobre os serviços notariais e de registro. Serviços que se caracterizam
como atividades estatais delegadas semelhantes à exploração de serviços
públicos essenciais. Efeito vinculante. Eventual declaração de
inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.01 do art. 1º da Lei nº.
6.009/2003 representaria afronta inconcebível e indireta à decisão
proferida pelo STF, guardião da Constituição. Improcedência do pedido." (TJRJ,
Órgão Especial, Representação n° 2004.007.00004, Rel. Des. Marcus Faver,
julg. 3.12.2008)
"CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DEMANDA VISANDO ANULAÇÃO
DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL.
INDEFERIMENTO. DESACERTO DA DECISÃO. ATIVIDADE DE NOTÁRIOS, REGISTRADORES
E CARTORÁRIOS. ISSQN QUE NÃO PODE SER CALCULADO SOBRE A RECEITA BRUTA.
PROVIMENTO DO RECURSO.
Com o devido respeito ao prolator da decisão, tenho que as razões aduzidas
no recurso são relevantes, segundo os elementos dos autos e presentes os
requisitos ensejadores da tutela de urgência, tais como a prova inequívoca
e a
verossimilhança, bem como o risco de dano, que poderá se tornar
irreversível, caso no futuro seja dado provimento ao pedido.
A atividade dos notários, registradores e cartorários encontram previsão
no texto constitucional, a teor do art. 236 e seus parágrafos da
Constituição da República, sendo exercida em caráter privado, por
delegação do Poder Público, devendo ser tratados, no âmbito do ISSQN, como
pessoas físicas que prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal.
Recurso liminarmente provido. Deferimento da antecipação dos efeitos da
tutela. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário." (TJRJ 16ª CC,
AI 19.282-73/2010, Rel. Des. Lindolpho Morais Marinho, pub 20.5.2010)
Contudo, a questão demanda a sua apreciação em sede jurisdicional, não
cabendo à Corregedoria Geral da Justiça dispor sobre o assunto.
Encaminhe-se o presente expediente à superior apreciação do Exmo.
Desembargador Corregedor-Geral da Justiça.
Rio de Janeiro, 21 de julho de 2011.
Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes
Juiz Auxiliar da CGJ
DECISÃO
Acolho o parecer supra, o qual retrata o entendimento da Corregedoria
Geral da Justiça sobre a matéria, sendo certo que a solução da
controvérsia a respeito da base de cálculo do ISSQN na atividade notarial
e registral depende de seu exame na seara jurisdicional.
Rio de Janeiro, 21 de julho de 2011.
Desembargador ANTONIO
JOSÉ AZEVEDO PINTO
Corregedor-Geral da Justiça |