Por Giselle Souza
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não poderá mais recolher
para seu Fundo Especial os valores acima do teto do funcionalismo público
recebidos pelos interinos de cartórios extrajudiciais no estado. A
proibição decorre de uma decisão da 1ª Vara Federal Cível, que
restabeleceu a remuneração integral para quem trabalha provisoriamente
nessas serventias. A sentença foi proferida em uma ação movida pela
Associação dos Notários e Registradores (Anoreg-RJ).
O recolhimento estava previsto no Ato Normativo Conjunto do Tribunal e da
Corregedoria de Justiça do Rio 24/2013, suspenso nesta sexta-feira (7/11)
em decisão da Corregedoria publicada no Diário da Justiça Eletrônico. O
TJ-RJ editou a orientação com base em uma decisão do Conselho Nacional de
Justiça. Em 2010, o órgão de planejamento e fiscalização do Judiciário
editou a Resolução 80 e declarou vagas as titularidades de mais de 5 mil
cartórios para que fossem preenchidas por meio de concurso público.
O CNJ autorizou a continuidade dos interinos até a conclusão dos
concursos, porém estabeleceu um teto para as remunerações por entender que
esses agentes também devem se submeter às regras da administração pública.
Assim, o Conselho fixou os pagamentos em 90,25% dos subsídios dos
ministros do Supremo Tribunal Federal. Os valores que excederem esse
limite devem ser recolhidos aos cofres públicos.
Série de ações
A determinação do CNJ deu início a uma corrida das associações de notários
e registradores ao Supremo Tribunal Federal. Os casos foram distribuídos
ao ministro Teori Zavascki. “O ministro chegou a conceder liminares para
alguns estados, mas declinou a questão para Justiça Federal”, explicou o
advogado da Anoreg, Gustavo Kloh, sobre o motivo de ter ingressado com a
ação na 1ª Vara da Justiça Federal Cível no Rio.
O processo foi movido contra a União e o estado do Rio de Janeiro. O RJ
deverá devolver os valores recolhidos pelos interinos que receberam acima
do teto, em ações específicas a serem movidas por aqueles que se sentem
prejudicados. O caso foi analisado pelo juiz Raffaele Felice Pirro, que
julgou procedente o pedido, inclusive para condenar o estado do Rio de
Janeiro “a restituir os valores que tenham sido recolhidos aos seus
cofres, com correção monetária e juros de mora contados desde a citação.”
A sentença foi publicada no Diário Oficial no último dia 30 de outubro. Na
decisão, o magistrado destacou que o teto remuneratório do funcionalismo
público foi fixado para os interinos porque o CNJ considerou, com base na
Constituição Federal, que os responsáveis pelos trabalhos de serventias
não regularmente provida são prepostos do Estado que delega as funções.
Direitos e deveres
Mas, na avaliação do juiz federal, a esses profissionais também deve ser
aplicada a Lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios). “Afirmar que a Lei
8.935/1994 não se aplica na totalidade ao caso dos interinos seria
equivocado. Não se aplica a forma de substituição na hipótese de extinção
da delegação, vez que a delegação constitucionalmente aceita prevê como
termo inicial um concurso público que a legitime, mas as demais
disciplinas da lei são aplicáveis, sobretudo no que tange aos deveres e
direitos, já que a atividade que exercem os interinos são as mesmas que
exercem os titulares das delegações, com os mesmos ônus e riscos, salvo
algumas restrições impostas pela resolução no que tange à gestão
administrativa da serventia”, escreveu.
Para Pirro, permitir que o interino arque com todos os deveres e ônus de
um delegado legitimamente investido e, ao mesmo tempo, limitar sua
remuneração, não é a solução mais justa. “A remuneração dos serviços
notarias e registrais guarda relação com a responsabilidade da atividade
desempenhada. Há uma espécie de proporção entre sua responsabilidade e o
risco de atingimento de seu patrimônio pessoal e os lucros que aufere com
os emolumentos cobrados. São duas grandezas compatíveis. Mexer em apenas
um dos fatores da equação ofenderia seu equilíbrio e faria com que o
Estado recebesse o excedente do trabalho do interino sem arcar com os
custos deste trabalho, notadamente o risco de indenizações pelos atos
praticados no ofício. Não é exagero afirmar que estaria sendo legitimada
uma espécie de enriquecimento sem causa pelo Estado.”
Clique aqui para ler a decisão na íntegra.
Giselle Souza é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
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