Ministério Público de MG move ação contra
a Ascobom, que oferece cobertura para carros a preços populares. Meta é
anular contratos e bloquear bens para devolver a clientes
Marinella Castro - Estado de Minas
Sandra Kiefer - Estado de Minas
Publicação: 17/04/2010 07:27 Atualização: 17/04/2010 07:40
Da noite para dia, os mais de 40 mil donos de veículos de Belo Horizonte
que confiaram na Associação do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
(Ascobom) podem passar a rodar sem seguro pelas ruas. Depois de três anos
de investigação, o Ministério Público de Minas Gerais está movendo ação
civil coletiva com pedido de liminar contra a entidade e seus fundadores,
pela venda sem controle da chamada proteção automotiva, uma espécie de
seguro, que vem crescendo em um mercado sem lei. No entendimento do MP, a
operação não é regulamentada – e, por isso, é ilegal. O MP exige que sejam
declarados nulos todos os contratos celebrados entre a Ascobom e os
consumidores e que os bens da entidade se tornem indisponíveis para
devolução dos valores pagos no último mês. A ação vale para todo o
território nacional.
Nos próximos meses, o MP deve mover processo também contra outras
associações que operam irregularmente o mesmo produto, chamado de proteção
automotiva. Em Minas Gerais, já são cerca de 30 entidades que, juntas,
devem somar mais de 100 mil associados. A Ascobom opera no mercado há seis
anos. Em 9 de março de 2008, o Estado de Minas mostrou a atuação de
entidades de classe na venda de seguros como a Ascobom que, na época,
contava com 47 mil associados.
Com as denúncias das 25 investigações contra entidades com atuação similar
à Ascobom, abertas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal em Minas
Gerais, a entidade teria sido esvaziada. Na falta da Ascobom, o Centro
Social de Cabos e Soldados (CSCS), que representa os praças da Polícia
Militar e do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, também teria aderido à
moda de fazer seguro automotivo para os militares. Quem liga para o
telefone da entidade, localizada no Nova Gameleira, Região Oeste da
capital mineira, logo é informado pelo atendimento eletrônico de que o
centro também faz seguro de veículos em todo o estado, um filão e tanto,
já que a corporação tem em seus quadros cerca de 47 mil pessoas. Parentes
de militares também podem aderir.
O seguro é hoje uma das vitrines do Centro Social, fundado em 1986 como um
clube de lazer para os militares. O CSCS é administrado pelo cabo Álvaro
Rodrigues Coelho, eleito com o apoio do ex-deputado federal e hoje
vereador em Belo Horizonte, Cabo Júlio. O ex-deputado federal, denunciado
por envolvimento com a máfia das ambulâncias, já foi diretor comercial da
Ascobom. O Estado de Minas tentou conversar com Cabo Júlio, que se
recupera de doença, mas não obteve retorno.
Para a Ascobom, a investigação do Ministério Público é apenas o início de
um processo . “A ação do MP é apenas opinativa. Vamos nos defender e a
Justiça vai verificar se os indícios de irregularidade apontados existem
ou não”, rebate Domingos Sávio de Mendonça, chefe do departamento jurídico
da associação. Segundo ele, a proteção automotiva oferecida nasceu como
opção para os veículos com mais de cinco anos de uso, excluídos pelo preço
do seguro formal. “No Brasil não há seguro popular”, justifica. O diretor
de comunicação da entidade, Geraldo de Freitas Mourão, garante que vê com
bons olhos a investigação. “Vamos oferecer nossa defesa para o juiz. Se
for preciso, vamos nos adequar. Não há guerra”, diz.
Em 2008, o empresário Romney Alves bateu seu carro importado, um Audi A3.
Até hoje, não conseguiu reaver o prejuízo com o reparo do veículo. Romney
pagava em dia a proteção automotiva da Ascobom, mas a associação se negou
a pagar o reparo e agora o empresário aguarda por uma decisão da Justiça.
“Eles alegaram que meu carro era rebaixado. No entanto, eu nunca neguei
isto. Meu carro foi vistoriado desta forma”, diz.
Segundo o empresário, seus problemas começaram logo na vistoria.
“Registraram que meu carro era nacional sendo que é um modelo importado.
Erraram também outros detalhes, como a descrição da roda”, conta. Como na
proteção automotiva os prejuízos são rateados, os valores das prestações
do empresário variavam em torno de R$ 150. “Na época, eles orçaram em R$
12 mil o reparo do carro. Eu consegui consertá-lo por R$ 6 mil, e é este
valor que tento receber há dois anos”, apontou.
MEMÓRIA
2004
São feitos os primeiros registros da criação de cooperativas de seguros,
que surgem a partir de grupos fechados. Eles recolhiam mensalmente valores
para um fundo entre amigos, cotizando entre si possíveis prejuízos com
roubo de carga, oficina mecânica e perda de pneus.
Novembro de 2007
Sob pressão das companhias de seguros, a Susep denunciou uma lista de 37
entidades por vendas irregulares de seguros ao Ministério Público Federal
e à Polícia Federal. Minas Gerais concentrava 26 entidades
2008
Em Minas Gerais, nove entidades passam a ser investigadas pela Polícia
Federal. Dentre essas, duas se tornaram objeto de ação penal na Justiça
Federal. Seus diretores estão respondendo por crime de operacionalizar
seguros sem autorização do poder público. São elas a Associação de
Transportadores de Cargas do Leste de Minas (Astransleste), de Ipatinga, e
a Associação de Proteção e Benefícios aos Proprietários de Veículos
Automotores (Protecar).
Em dezembro, a Susep conclui os autos de infração e multa contra duas
entidades acusadas de prática ilegal de venda de seguros. Reincidente, a
UPS Serviços Sociedade Brasileira de Gestão e Assistência Ltda., de São
Paulo, é condenada a pagar multa de R$ 7.053 bilhões. por exercício
irregular de atividade sem registro. No mesmo mês, a Susep também multou a
Associação dos Transportadores de Carga Geral, com sede em Maraú, no Rio
Grande do Sul, em R$ 53 milhões.
2009
Em 21 de agosto, a 5ª Vara Cível de São José dos Campos (SP) concede a
primeira decisão contra as falsas seguradoras no país, em caráter de
liminar, envolvendo a Associação de Proteção aos Proprietários de Veículos
Automotores (Approve). A juíza Ana Paula Theodósio de Carvalho determina a
cessação das atividades da entidade, que continua funcionando, mas não
pode mais aceitar novos associados nem cobrar mais nada dos antigos
contratos. Em Minas, a Ascobom responde a processo similar no MP.
2010
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por meio da 14ª Promotoria
de Justiça de Defesa do Consumidor, propõe ação civil coletiva, com pedido
de liminar contra a Ascobom e seus associados/fundadores. A liminar para
todo território nacional, tem objetivo de impedir a comercialização, a
oferta, a publicidade e a cobrança de valores referentes ao chamado
Programa de Proteção Automotiva. É pedida também a fiscalização dos atos
de administração da Associação, a desconsideração de sua personalidade
jurídica, indisponibilidade de seus bens e a de seus associados-fundadores.
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