Nos últimos anos, muito se discutiu sobre a
permanência e funcionalidade do Centro de Atendimento e Distribuição de
Títulos e Documentos de São Paulo, pessoa jurídica responsável por
orientar e dar suporte à instalação e operação de uma central própria para
a recepção e distribuição dos serviços dos Registros de Títulos e
Documentos e Civil de Pessoa Jurídica na Comarca da Capital.
A central foi criada a partir de 09 de outubro de 2001, quando o então
Corregedor Geral Luiz de Macedo, tendo por base o processo C.G. 2.686/01,
a pedido dos titulares de Cartórios de Títulos e Documentos instituiu o
provimento 29, alterando a redação do subitem 7.2. do capítulo XIX das
Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. A partir
daí, todos pedidos de registros foram centralizados e distribuídos de
forma equânime entre as dez serventias de Títulos e Documentos da capital,
a cada qual se garantia ainda um valor mínimo de 10% do montante
capitalizado pela atividade no município.
A sistemática perdurou por aproximadamente dez anos sem qualquer objeção
oficial e pôs fim à concorrência entre as unidades. Somente em 2011, que,
motivado pelo processo 2011/42965, o corregedor geral pôs fim à
distribuição prévia dos registros, sem juízo, entretanto, da distribuição
mantida em consenso unânime dos titulares das delegações (provimento 19).
Contudo, foi facultada a livre escolha do registrador pelo usuário, que
poderia apresentar o título na unidade escolhida, neste caso vedada
obviamente a compensação. O próprio provimento ainda destacava que nas
dependências da central, bem como no respectivo endereço eletrônico
deveriam ser fixadas informações claras sobre a liberdade de escolha e a
possibilidade de apresentação do título diretamente ao registrador. Desde
então, entre idas e vindas, vários provimentos regulamentaram o assunto,
instituindo ou destituindo a centralização obrigatória, em um infindável
set de uma partida de tênis.
Não satisfeita a questão, em 28/9/2011, os registradores de São Paulo
solicitaram ao Conselho Nacional de Justiça o retorno da compensação dos
valores. O CNJ acolheu o pedido e em 14/2/2012 suspendeu parte do
Provimento 19/2011 da CGJ-SP. Desse modo, o então corregedor geral Renato
Nalini editou os provimentos 03 e 04, conferindo nova redação ao subitem
7.2 do capítulo XIX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça
de São Paulo. Segundo o provimento 04, o usuário poderia até escolher o
registrador, desde que apresentasse o título ao distribuidor, sem prejuízo
da obrigatória compensação dos títulos livremente distribuídos.
Em 12/6/2012, a Associação dos Advogados de São Paulo impetrou mandado de
segurança questionando a última decisão do CNJ. Em abril de 2013, o
ministro Ricardo Lewandowsi suspendeu a decisão, prejudicando os
provimentos 03 e 04. Desse modo, o atual corregedor-geral da Justiça de
São Paulo Hamilton Elliot Akel foi obrigado a revogar as normas editadas
por Nalini.
Na época, o presidente da Associação dos Advogados de São Paulo,
Arystóbulo de Oliveira Freitas, defendeu o direito de escolha pelo cidadão
do local de registro do documento, vez que existem “cartórios” mais
eficientes e céleres. De qualquer modo, para quem defende a
descentralização, o argumento é a busca por melhor qualidade no serviço,
diferencial básico e elemento de competitividade entre as unidades. À
maneira de Smith, diríamos que uma mão invisível regularia de maneira
diretamente proporcional a procura em vista da qualidade do serviço
oferecido.
Ademais, sendo a procura regulada pela qualidade do atendimento, nada
impediria, por exemplo, que os RTDs que se dispusessem a manter elevado
quadro de funcionários e notificantes, a utilizar de técnicas hodiernas em
benefício de seu mister ou desenvolver trabalho aliado aos escritórios
advocatícios usufruíssem da preferência pela clientela contentada.
Acrescendo-se ainda em defesa da descentralização o fato de que a
manutenção da central como intermediadora entre cidadão e o “cartório”
apenas atrasaria os serviços prestado e elevaria os custos do serviço,
dada a estrutura bis in idem.
Alguns chegam a responsabilizar a central pela redução no número de
prepostos das serventias, com a perda de contratos que passaram a ser
registrados inclusive em outras cidades, devido à queda na qualidade do
atendimento e interrupção do desenvolvimento tecnológico apresentado pelo
setor anteriormente ao surgimento da central. As más línguas chegam a
apelidá-la “poupa trabalho” referindo-se aos delegatários ineficientes,
que utilizam a central para transferir compulsoriamente parte da atividade
prestada.
Se traçarmos um paralelo com a visão de George Arkelof e sua obra “The
Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism”
poderíamos mencionar aqui a problemática de uma assimetria de informações,
vez que os prestadores do serviço detêm maior informação que os usuários,
cuja preferência acaba subsumida pela uniformização e centralização,
premiando unidades menos eficientes ao igualá-las às mais eficientes.
Trata-se do famoso mercado de limões de Arkelof, que utiliza o termo em
alusão aos carros com defeito no mercado de usados, em uma tradução,
equivaleria ao nosso famoso “abacaxi”1. Haveria um nivelamento do serviço
de má qualidade que obteria o salvo conduto diante de um sistema que
imporia uma igualdade para ofícios qualitativamente distintos.
Por outro lado, para quem defende a posição contrária, como Robson
Alvarenga, titular do 4º Ofício de Títulos e Documentos, a
descentralização completaria o sucateamento do sistema com piora no
atendimento à população, pois a central garante a estabilidade necessária
a um serviço com nível de excelência e independência fundamental à
segurança jurídica do registro. Segurança esta incompatível com a captação
de clientela em uma estrutura descentralizada, dada a possibilidade de
oferecimento de vantagens ilegais. Nessa linha de raciocínio, uma das
grandes preocupações éticas da atividade é evitar a concorrência formal na
medida em que não pode haver captação de “clientela”, o que certamente
ocorre diante da liberdade de opção do usuário.
Argumenta-se que a comunhão das dez unidades de títulos e documentos
facilita a inserção tecnológica a longo prazo de todas as serventias
envolvidas. Segundo o próprio CDT até janeiro de 2014, mais de 13 milhões
de atos registrais já haviam sido praticados, e somente em 2013 o
investimento na área teria superado R$ 1 milhão. Outro argumento favorável
à permanência da unidade se põe em função de clientes do setor financeiro,
como grandes bancos. Trata-se de clientes em potenciais que seriam
priorizados, em detrimento do cidadão comum, pois para satisfazê-los cada
serventia teria de arcar ainda com a contratação de profissionais
especializados no mercado.
Nesse sentido, a centralização também é elogiável, pois, na prática, ao
longo da última década, o CDT moveu esforços para a capacitação dos seus
funcionários, visando a melhoria dos serviços, oferecidos ao cidadão com
celeridade e eficiência, por meio de estrutura apropriada e consistente,
voltada à prontidão do atendimento.
A centralização da recepção e distribuição dos títulos e documentos obra
favoravelmente no que toca à logística para que as informações e
providências ganhem uma uniformidade e a central passe a ser elemento
potencializador do próprio serviço de Títulos e Documentos facilitando
inclusive o controle.
Contra o argumento da elevação dos custos da atividade, os defensores da
Central pregam que os custos do CDT não são repassados aos usuários, vez
que são financiados diretamente pelas serventias agregadas. Nesse
contexto, prioriza-se compromisso dos delegatários com a eficiência,
segurança, transparência e profissionalismo, em detrimento do valor de
arrecadação das serventias.
O art. 12 da lei 8.935/94, na sua interpretação gramatical torna óbvio que
os registros de títulos e documentos independem de prévia distribuição.
Walter Ceneviva ensina que a escolha é livre, desde que no ambito da
rescpectiva comarca, de modo que a legitimidade do funcionamento de cada
serviço fique restrita a um local único, vedando-se sucursais2. Todo o
problema da análise do artigo 12 reside no fato de que a lei 8.935/94
subentende em funcionamento no estado, como o de São Paulo, o ofício de
registro de distribuição, que não se trata de um mero distribuidor, mas
sim uma serventia centralizadora dos atos praticados nos ofícios de
registro, o que jamais foi implementado na maioria dos estados da
federação.
Independentemente do ponto de vista adotado, verdade é que a tecnologia
informacional surge flexibilizando e inovando o serviço o que acaba, de
certo, modo, por eliminar a problemática. Para ilustrar, temos o sistema
adotado pelas CRCs, um gerenciamento de banco de dados alimentado por atos
de competência dos oficiais dos Registros Civis das Pessoas Naturais
interligados com um regimento administrativo próprio. Sem dúvida, a
inclusão digital dos serviços extrajudiciais reflete um avanço
considerável, tendo em vista a enorme redução de custos de transação. Por
meio da virtualidade dos serviços, as despesas e tempo despendidos com o
deslocamento à respectiva Serventia são substituídos pela faculdade do
cidadão requerer e receber em seu endereço certidões instantaneamente
atualizadas, sem ter de percorrer quilômetros de distância ou levar horas
para se deslocar em uma cidade de infraestrutura deficitária. A adesão à
tecnologia informacional é marco a favor do princípio da eficiência do
serviço público, independente de qualquer distribuição ou equalização dos
serviços de títulos e documentos. Aliás, a referida informatização põe em
xeque o próprio ofício de distribuição.
É sabido que a própria LNR confere organização técnica e administrativa
aos serviços notariais e de registro, com preceitos fundados na economia
taylorista, relativos ao ordenamento científico do trabalho com método,
técnica e especialização, por meio de uma definição de tarefas. Nesse
sentido, a inserção tecnológica e interligação dos serviços atende a
problemática em benefício da eficiência.
De fato, o CDT tornou-se ferramenta a favor da celeridade e eficiência dos
serviços de Títulos e Documentos da capital, com o cognome de “poupa
tempo” dos RTDs. Contudo, a tecnologia se põe à favor do final da partida
de “ping pong” em benefício do cidadão usuário. Diante de todo o arrazoado
o centro da discussão deve ser deslocado da existência ou não da central
para o uso adequado da tecnologia como fator central na prestação do
serviço em benefício da cidadania. Existindo ou não a central, a carência
dos registros gira em torno da tecnologia como fator de produção.
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1Akerlof, George A. (1970). “The Market for ‘Lemons’: Quality Uncertainty
and the Market Mechanism”. Quarterly Journal of Economics (The MIT Press)
84 (3): 488–500. doi:10.2307/1879431.
2W. Ceneviva. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 9ª edição.
São Paulo: Saraiva. p. 158.
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Autor da matéria:
Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito
pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral
Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito. |