Sob o pretexto de reorganizar a titularidade
dos cartórios extrajudiciais no interior do Amazonas, a presidente do
Tribunal de Justiça do estado, desembargadora Graça Figueiredo, está
promovendo uma dança das cadeiras entre os escrivães titulares das
serventias.
Para a presidência do tribunal, trata-se simplesmente da transição do
sistema de titularidade que ainda vigora no interior do Amazonas para o
modelo estabelecido pela Constituição de 1988 — que separa a estrutura e o
funcionamento dos cartórios judiciais dos extrajudiciais e determina
regras para provimento por meio de concursos públicos. Para os titulares
dos cartórios, porém, o remanejamento é irregular e está prejudicando o
atendimento à população nos municípios menores.
Embora a Constituição tenha separado o funcionamento e a infraestrutura
das serventias extrajudiciais do Poder Judiciário, no Amazonas, com suas
peculiaridades geográficas e demográficas, a transição nunca foi
implantada de modo integral. Por mais de duas décadas, o que tem vigorado
na região é o sistema de serventias mistas.
Os titulares dos cartórios extrajudiciais afirmam que, em virtude da
enorme dimensão do estado, da densidade demográfica baixa e da ausência de
infraestrutura e mão de obra nos municípios pequenos, cabe às serventias
extrajudiciais custear a operação dos cartórios judiciais. Os escrivães
alegam ainda que longas distâncias, a dificuldade de acesso e um quadro de
alagamentos provocados por enchentes e vazantes constantes fazem do
trabalho em algumas serventias uma “profissão de fé”.
A presidente do TJ-AM, por sua vez, entende que muitas das titularidades
se encontram ainda irregulares e que apenas tem aplicado a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça sobre o
assunto. Mas os escrivães dizem que não há embasamento legal para o que a
desembargadora vem fazendo. E dizem também que a magistrada vem declarando
a vacância até de cartórios já providos e que ela já foi desautorizada
pelo Plenário do tribunal para declarar a vacância.
O Plenário do TJ-AM, em 9 de dezembro de 2014, julgou ilegal, por
unanimidade, uma série de atos da presidente sobre remoções. A magistrada,
porém, editou novos atos desconstituindo a titularidade dos cartórios e
nomeando outros titulares. As remoções até então eram feitas por meio de
procedimentos públicos, permitindo a concorrência pelas vagas e levando em
consideração a viabilidade da separação entre a esfera judicial e
extrajudicial.
Liminares da Justiça Federal suspenderam os atos de Graça Figueiredo. Um
desses casos se refere à liminar concedida pelo juiz Ricardo de Sales, da
1ª Vara Federal de Manaus, sustando o ato que determinou a remoção do
titular do 2º Ofício de Manacapuru, cerca de 100 quilômetro de Manaus,
para a cidade de Boca do Acre, que fica a mil quilômetros da capital. O
titular, Marcelo Lima, chegou a ficar sem selos para trabalhar por esse
motivo. A situação só foi corrigida com a intervenção do corregedor-geral
de Justiça do TJ-AM.
Lima conta que ao menos 16 titulares de cartórios foram prejudicados com
as remoções. “A remoção representa prejuízo financeiro, já que o ato da
presidente, sem direito ao contraditório e ampla defesa, me lotou em uma
comarca de baixíssima densidade, e, portanto, deficitária”, disse. Ele
acrescentou que foi lotado apenas no serviço judicial, sem a titularidade
dos serviços extrajudiciais. “O CNJ já havia declarado a regularidade do
provimento em Manacapuru, o que representa irrefutável atentado à
segurança jurídica”, afirmou.
Ele conta que a presidente do TJ-AM enviou ao CNJ, sem submeter ao
Plenário do tribunal, estudo produzido em fevereiro deste ano que contém
erros e enumera como vagos, por exemplo, cartórios cujos processos de
provimento já transitaram em julgado e mesmo ofícios com provimento
considerados regulares em 2010 pelo CNJ. Procurada pela ConJur desde o dia
6 de julho, a assessoria de imprensa do TJ-AM não se manifestou sobre o
assunto até a publicação desta reportagem.
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