Adequação do Registro de Títulos e Documentos à realidade jurídico-tecnológica

 

Vanuza de Cássia Arruda

Hoje não é possível falar em direito sem ligá-lo à tecnologia. Para um advogado peticionar, ele necessita do seu computador; para dar entrada em um processo é necessário que um sistema utilizado pelos tribunais informe o número que será dado ao processo para que ele seja acompanhado na intranet pelo tribunal e na Internet pelos advogados e pelas partes. Todos os processos judiciais já estão sendo digitalizados e armazenados em mídia, de acordo com a necessidade de otimização dos serviços.

Os mesmos tribunais já realizam todos os seus serviços através da Internet, incluindo aí as audiências que em alguns já são realizadas através de teleconferência.

Se o mundo evoluiu, os cartórios precisam evoluir também. Se a informatização significa segurança, agilidade, eficiência, eles têm que se adequar.

É necessário que o cartório existente na sala da residência do Registrador, com balcão onde o cliente deve esperar pelo atendimento moroso, mau-humorado, manuscrito e desqualificado se transforme em um local de fácil acesso, confortável, informatizado, com funcionários suficientes para um atendimento rápido e eficaz.

Não basta comprar um computador, que em pouco tempo servirá de adereço ou para jogar paciência. É preciso torná-lo parte de uma engrenagem tecnológica de ponta, que auxilie o trabalho do Registrador e seus auxiliares.

Entretanto, não é somente a tecnologia que fará um cartório nos moldes necessários a atender as novas exigências do mercado. Acrescido desse aparato ou mesmo antes disso, o Registrador deve ter bagagem jurídica, estar sempre atualizado em relação ao mundo tecnológico, jurídico, empresarial e social.

O direito é dinâmico, já sabemos. Logo, para caminhar lado a lado com ele ou quiçá à sua frente, o Registrador deve buscar esse conhecimento em cursos, congressos e quaisquer outros meios de informação.

Ele deve estar atento a todas as áreas do direito, uma vez que todas elas têm ligação com o direito registral: temos contato desde o nascimento até o falecimento.

O Registrador recebe a delegação para exploração do seu cartório em caráter privativo, como reza a artigo 2º da Lei nº 6.015/73. Isso significa que ele deverá administrar o cartório para o qual recebeu delegação da mesma forma e com o mesmo zelo de um empresário. Ele terá clientes que deverão ser conquistados; estrutura pessoal e tecnológica qualificada; além de um plus que é a fiscalização e a legislação ás quais estará submetido.

A escrituração prevista na mesma lei, que descreve os parâmetros dos livros, prevista no capítulo II, está, com o avanço da tecnologia, sendo adequada por processos que atendem aos princípios do registro público. No lugar dos livros impressos nas medidas descritas no artigo 3º, temos hoje livros eletrônicos que nos permitem maior agilidade no atendimento, maior segurança por permitir a confecção de cópias de segurança de maneira fácil ao mesmo tempo que anula quaisquer possibilidades de adulteração do registro, eliminando a possibilidade de fazer uso da atribuição do Registrador para fins ilícitos.

Mídias óticas que permitem gravar imagens, sons, filmes têm ampliado sobremaneira as possibilidades de bens a serem registrados nos cartórios de Títulos e Documentos. Hoje, quaisquer bens móveis é passível de registro, basta, para tanto, o cartório estar adequado às novas exigências do mercado.

A lista de títulos registráveis prevista no art. 127 da lei de registros públicos não condiz com a realidade. Tendo o Registrador, nos termos do parágrafo único do mencionado dispositivo, que reza “Caberá ao registro de Títulos e Documentos a realização de quaisquer registros não atribuídos expressamente a outro ofício”, a previsão legal para registrar quaisquer bens móveis, que comumente são o principal alvo para lavagem de dinheiro e sonegação, conclui-se que o cartório de Títulos e Documentos é o único banco de dados mobiliário capaz de alimentar todas as instituições governamentais e financeiras com informações primordiais para que os negócios realizados possam ser fiscalizados e, com isso, se evite uma avalanche de ações judiciais para decidir direitos que, se previamente documentados e registrados, não seriam motivos de pendências judiciais.

O Registrador é imbuído de fé pública, a qual é transmitida em cada registro de documentos públicos ou privados. Sua fé pública garante:

Oponibilidade a terceiros: esse princípio garante que o contrato ou título levado a registro terá validade não só entre os contratantes mas também para quaisquer pessoas que venham a ser afetadas ou queiram questionar a validade ou veracidade do documento;

Publicidade: o ato de registrar é também o ato de tornar público o documento com todas as suas avenças e suas partes. Ninguém poderá alegar omissão ou desconhecimento de um documento registrado, uma vez que qualquer interessado pode solicitar certidão do mesmo no cartório, sem necessidade de pedir autorização às partes nele envolvidas;

Segurança: o documento registrado dá segurança do conteúdo às partes envolvidas e aos terceiros de boa fé;

Autenticidade: o princípio da autenticidade, em se tratando de Títulos e Documentos, diz respeito à data apostada no documento. Esse princípio garante que a data do documento é a da definição do negócio realizado pelas partes. É garantia dada às partes que nenhum documento posterior anulará aquele que se encontra registrado;

Eficácia dos atos na vida civil: todo documento após redigido, assinado pelas partes e levado a registro no cartório competente, tem eficácia nos atos da vida civil das partes e dos terceiros envolvidos no ato.

Todos esses princípios, trabalhados pelo Registrador se transformarão em uma prestação de serviços de alta qualidade e segurança, que nenhum outro órgão público ou empresa pode oferecer ao cidadão.

Trata-se de um seguro de pagamento único, que pode e deve ser inserido na vida de todos.

Aqui começa a introdução da visão do empresário.

O artigo 127,VII da Lei nº 6.015/73 prevê “...VI facultativo, de quaisquer documentos, para sua conservação”.

Se interpretado com uma mentalidade empresarial ele diz: “Todo título que surgir na esfera jurídica sem previsão de registro em outra serventia; toda necessidade de otimização de serviços públicos ou privados que necessite de conferência e guarda de documento independente da finalidade; todo bem móvel que possa ser registrado para evitar evasão de receita deve ser trabalhado pelo Registrador para convencer seu cliente a registra-lo e assumir essa obrigação de conferência; conservação e guarda; de ser fonte eterna de informação a um preço único”.

Como? Trabalhando o cidadão comum que celebra contratos diariamente, os quais não são lidos ou registrados até o surgimento de algum problema. São contratos de adesão a prestação de serviços como água, luz, TV, internet, consórcio, aluguel, telefonia, etc., cuja segurança poderá ser conquistada com o registro. Até mesmo questionamentos eventuais, caso venham a ocorrer, poderão ser realizados mais agilmente através da notificação extrajudicial.

Em maior escala, o público alvo são as empresas e órgão públicos com seus arquivos obrigatórios. Uma vez registrados todos os documentos fiscais, processos e outros títulos, mantidos por obrigação legal, passariam para o cartório a obrigação de manter um arquivo permanente, podendo ter acesso a ele, a qualquer momento, através de certidões, diminuindo custos com guarda, conservação e pessoal habilitado para tal serviço.

Pensando nessa gama de serviços que os Registradores de Títulos e Documentos podem prestar, algumas Corregedorias de Justiça estão baixando normativos para que essas serventias possam recepcionar o novo mercado, que se abre à nossa frente, até que toda legislação federal e estadual se adeqüem, dada a desatualização das leis registrais.

A necessidade de atualização da legislação federal já foi sentida pelo Conselho Nacional de Justiça, que solicitou à ANOREG-BR um estudo e atualização da Lei nº 6.015/73. Esse estudo está sendo desenvolvido por representantes de cada serventia e o projeto se refere a Títulos e Documentos deverá prever o registro de quaisquer bens móveis; obras de arte; título escrito ou falado. Ainda, o uso de livros eletrônicos, a recepção e realização dos atos de notificações através da Internet. Tudo respeitando a territorialidade, que é princípio fundamental e possibilitando a criação de um cadastro nacional de bens móveis. Toda essa adequação à mentalidade empresarial, que deve ser desenvolvida pelo Registrador, deve estar aliada à responsabilidade social.

Essa é uma parte importante do trabalho do registrador. Através de ações conjuntas como a RARES, cartório 24 horas, Programa Educação e Trabalho – Adolescente Aprendiz, exercemos nossa função social, que vai além da atribuição pública que recebemos. Ao nos engajarmos em projetos como esses, mostramos à sociedade que cartório é mais que um local de registro, mais do que filas de atendimento impessoal. Passamos a mensagem de que somos cidadãos e trabalhando em prol da sociedade.

Concluindo, o Registrador tem em mãos condições de trabalhar para que seu cliente saiba que está recebendo a segurança que só o cartório poderá dar ao seu título; a certeza que estará bem orientado quanto à melhor forma de proceder com seu documento; a garantia de que seu desejo está recebendo fé pública e será respeitado.

O Registrador de Títulos e Documentos é profissional de direito, dotado de fé pública, responsabilidade social e visão empresarial. Ou seja, é o melhor prestador de serviços que a sociedade tem à disposição.

A autora: Vanuza de Cássia Arruda é Oficiala do Cartório de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas de Ponte Nova/MG; Professora de Direito Comercial da Fundação Pio Penna.

 

Fonte: IRTDPJMinas - 28/11/2007
 

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