Artigo - Administração Pública, Tributação e Previdência

 

Cid Heraclito de Queiroz*

I - Introdução

Os temas concernentes à Administração Pública, à Tributação e à Previdência já foram objeto de nossas palestras perante este nobre Conselho. Em 1996, abordamos a Reforma Administrativa; em 2001, a Reforma Tributária e, em 2003, a Reforma Previdenciária, todas do Governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2005, na esteira de uma proposta do Deputado Delfim Netto, procuramos indicar os “Caminhos Fiscais para o Déficit Zero”, na expectativa de que o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotasse uma ação inspirada na austeridade fiscal. Ao final de 2006, tratamos da “Tributação e Previdência nas Vésperas de um novo Governo”, ainda com a esperança de que, afinal, seriam efetuadas as necessárias reformas, nessas duas questões fundamentais.

2. Lamentavelmente, nenhum passo firme foi dado no caminho do “déficit zero” e nenhuma reforma foi efetuada no Sistema Tributário, nem, tampouco, na Previdência Social.

3. O Governo tem alcançado resultados meritórios quanto à estabilidade da moeda nacional e do crescimento econômico. Todavia, é necessário ressaltar que a estabilidade se iniciou a partir do Plano Real, em 1994, e que a conjuntura internacional tem sido favorável ao crescimento da economia.

4. Resultados excepcionais vêm sendo obtidos na redução da pobreza, na diminuição das desigualdades sociais e na melhoria da redistribuição da renda nacional. O êxito é devido a três medidas fundamentais: uma, por força do mandamento constitucional (art. 203, inciso V) que prescreve, expressamente, “a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”; outra, representada por um arrojado programa de assistência social, o “bolsa família”, concedida a cerca de 15 milhões de pessoas extremamente pobres, beneficiando cerca de 50 milhões de pessoas, o que, por outro lado, se transformou em imenso capital eleitoral.

5. Assim, o idoso e o deficiente físico estão hoje amparados ou pela aposentadoria ou pensão concedida pela Previdência Social, com o piso no valor de um salário-mínimo, ou pelo benefício mensal da LOAS, também no valor de um salário-mínimo.

6. A terceira medida está representada pelos reajustes reais no valor do salário-mínimo, efetuados nos últimos anos, o que beneficiou não só os trabalhadores em atividade, mas também os aposentados e pensionistas da Previdência Social e os beneficiários da LOAS. Esses reajustes foram muito criticados, porque teriam provocado aumento da despesa com o pagamento de servidores estaduais e municipais. Mesmo assim, nenhum Estado ou Município reduziu os seus quadros.

7. O Economista RICARDO PAES DE CARVALHO, do Ipea, em palestra no Fórum Nacional da Previdência Social, demonstrou que, sem os benefícios da previdência, LOAS e bolsa família, haveria pobreza extrema - renda mensal inferior a 1/4 de salário-mínimo - acima da média nacional, em todas as faixas etárias, exceto na de 40 a 50 anos de idade. Com os referidos benefícios, a pobreza extrema está, hoje, concentrada na faixa de 0 a 17 anos. E sustentou que, com mais R$7,6 bilhões anuais, o Brasil erradicaria toda a pobreza extrema, isto é, a que tem renda inferior a ¼ do salário-mínimo.

8. A dura realidade é que, apesar das medidas antes referidas, o Brasil figura em 10º lugar, na lista dos países mais desiguais, divulgada pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

9.Não se pode negar que muitas melhorias têm sido verificadas na área da assistência médico-hospitalar, desde o governo Fernando Henrique, na gestão do competente Ministro José Serra, mas as deficiências ainda são imensas.  Ao mesmo tempo, nenhum avanço foi registrado nos campos da habitação e da educação, o que a mídia vem divulgando constantemente.

10. Na área da habitação, que é um direito social garantido pela Constituição, continuam necessárias, como há vários anos, cerca de 8 milhões de moradias condignas - em reais condições de habitabilidade -, para abrigar as famílias mais pobres, que hoje se encontram em favelas, barracos, cortiços, palafitas, nas ruas, em loteamentos clandestinos sem água, esgoto ou energia elétrica, bem assim para atender aos casos de coabitação familiar e adensamento excessivo.  Em outras palavras, remanesce, somente nesse setor, um passivo social de R$80 a R$160 bilhões, que são os recursos necessários para a construção de moradias populares, as denominadas “habitações de interesse social”, com infra-estrutura urbana.

11. Como se sabe, a casa própria é a condição principal para a chamada inclusão social, ou seja, a inserção do cidadão e suas famílias na sociedade organizada e no próprio sistema capitalista. Aliás, nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, visando esvaziar o movimento marxista, foi desenvolvida uma política de elevados investimentos na construção e financiamento, até quarenta anos, de habitações, de modo a que todo americano passasse a ser proprietário de um imóvel.

12. No Brasil, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) teve, entre outros méritos, o de criar a aspiração da casa própria, difundida em todas as nossas camadas sociais. O SFH sofreu imensas distorções e, hoje, está praticamente substituído pelo Sistema de Financiamento Imobiliário, voltado para a classe média, e o Sistema de Habitações de Interesse Social (SHIS), voltado para as famílias de baixa renda.

13. Não se dispõe de dados para estimar o passivo social, na área da educação, ou seja, a despesa para erradicar o analfabetismo e proporcionar ensino adequado e qualificado, bem assim instalações escolares condignas, a todas as crianças e adolescentes brasileiros.

14. Foram desenvolvidos, é verdade, muitos esforços para a construção de escolas em todo o País, a matrícula e a freqüência foram estimulados, inclusive pelo programa “bolsa escola”, e tem sido proporcionado o devido transporte escolar.

15. Apesar disso, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), recentemente divulgado, apurou que o Brasil, infelizmente, figura em 52º lugar, no ensino de Ciências, 54º em Matemática e 49º em Leitura.

16. Pelo IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, apurado pelo Pnud, o Brasil ingressou, em 2005, no grupo dos países com “alto índice” de desenvolvimento, porém foi ultrapassado por mais três países, caindo do 67º para o 70º lugar.

17. Em face desse quadro, que os especialistas podem analisar com maior propriedade e riqueza de dados e demonstrativos, revela-se, deveras, decepcionante, a ausência de metas de austeridade fiscal, por parte não só do Governo federal, de forte inclinação social, mas também por parte de vários governos estaduais e municipais, muito embora alguns Governadores, como os de São Paulo (José Serra), Minas Gerais (Aécio Neves), Distrito Federal (José Roberto Arruda), Rio Grande do Sul (Yeda Crusius) e Rio de Janeiro (Sérgio Cabral Filho), estejam envidando apreciáveis esforços para acatar as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal. Municípios, como o Rio de Janeiro e São Paulo, encontram-se, hoje, em situação confortável, graças a medidas eficazes adotadas pelos Prefeitos César Maia e Geraldo Kassab, respectivamente.

II - Administração Pública

a) as reformas administrativas efetuadas no Brasil

18. O tema, é claro, exigiria uma introdução histórica, porque, como adverte VON IHERING, “se só chegarmos a compreender as lições da história, quando já é tarde, a culpa é nossa; não é por causa da história que não as percebemos em tempo, pois ela as ministra sem cessar, de forma clara e inconfundível” (in “A Luta pelo Direito”, 4ª ed., Ed. Rio, pág. 93).

19. “Um exame de panorama histórico, à luz de nossos conhecimentos atuais, mostra – disse, por sua vez, TOYNBEE – que, até agora, a história se repetiu, cerca de vinte vezes ... Mas não estamos condenados a fazer a história repetir-se ... Nosso futuro depende, sobretudo, de nós próprios. Nós não estamos, simplesmente, à mercê de um destino inexorável” (in “Estudos de História Contemporânea”, Cia. Ed. Nacional, S. Paulo, 1976).

20. Os limites deste trabalho não permitem, porém, o exame da história administrativa do Brasil, muito embora o que nos preocupa, tal como registramos em 2003, seja, precisamente, a terrível perspectiva da repetição de erros e de experiências fracassadas no passado.

21. Mesmo assim, é necessário registrar que, no plano federal, o nosso País, a rigor, só conheceu quatro reformas administrativas.

22. A primeira, no alvorecer da República, após a promulgação da Constituição de 1891, foi realizada pela Lei nº 23, de 30/10/1891, que organizou os serviços da administração federal, os quais, até então, seguiam o modelo colonial português.

23. A segunda pode ser visualizada com a criação do Dasp, Departamento Administrativo do Serviço Público, pelo art. 67 da Constituição do Estado Novo (1937), para orientar não só a reorganização de “repartições, departamentos e estabelecimentos públicos”, mas também “condições e processos de trabalho”, e, ainda, reformular a proposta orçamentária do Governo. Ao DASP se deve, basicamente, a introdução do sistema do mérito, no serviço público brasileiro.

24. A terceira concretizou-se, ao final do Governo CASTELO BRANCO através do Decreto-lei nº 200, de 25/2/67, que deu nova organização a toda a Administração federal, elevou, a nível legal, como “princípios fundamentais”, o planejamento, a coordenação, a descentralização, a delegação de competência e o controle e traçou numerosas regras de natureza programática.

25. Merece menção, neste passo, o excelente Programa de Desburocratização, conduzido, no Governo do Presidente JOÃO FIGUEIREDO, pelo Ministro HÉLIO BELTRÃO e depois abandonado.

26. A quarta e última foi desfechada no primeiro dia do Governo COLLOR, conforme a Medida Provisória nº 158, de 15/3/90, transformada na Lei nº 8.028, de 12/4/90, e que reorganizou toda a Administração federal, com o objetivo central de reduzi-la expressivamente. Esse trabalho foi coordenado, com invulgar competência e dedicação, por Carlos Roberto Guimarães Marcial, então procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, e, depois, chefe da Assessoria Jurídica da Presidência da República e Secretário da Receita Federal. A citada lei vem servindo de modelo para todas as modificações efetuadas até a presente data, na organização da Administração pública federal.

27. A referida lei reduziu a doze o número de ministérios (Justiça; Marinha; Exército; Relações Exteriores; Educação; Aeronáutica; Saúde; Economia, Fazenda e Planejamento; Agricultura e Reforma Agrária; Trabalho e Previdência Social; Infra-Estrutura e Ação Social). Três Ministérios – Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio – foram reunidos num só, na linha defendida, em memoráveis artigos, pelo Prof. EUGÊNIO GUDIN. Outros três – Comunicações, Minas e Energia e Transportes - foram reunidos no Ministério da Infra-estrutura.

28. Outro diploma legal (Lei nº 8.029, de 12/4/90) extinguiu diversas empresas estatais, autarquias e fundações, como o IBC, o IAA, o BNCC, o DNOS, a Sudeco, a Sudesul, a Embrafilme, a Siderbrás e a Portobrás. Outro mais criou (Lei nº 8.031, de 12/4/90) o Programa Nacional de Desestatização.

29. E as Leis ns. 8.011/90 e 8.025/90 determinaram a venda de mais de 10.000 imóveis residenciais oficiais, que haviam gerado, no DASP, a maior imobiliária do País. No âmbito do Executivo, o uso de automóvel oficial foi limitado aos Ministros de Estado e Secretários Executivos e aos Presidentes de empresas estatais e autarquias.

30. Infelizmente, esse conjunto de relevantes medidas perdeu-se, em grande parte, pela sucessão dos posteriores acontecimentos.

31. A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, no Governo Fernando Henrique, não representou uma reforma, uma vez que se limitou a modificar o texto da Constituição de 1988 pertinente aos servidores públicos, para suprimir direitos e descaracterizar a essência do cargo público. Daí, inclusive, a deterioração do serviço público, nos últimos anos.

32. A rigor, no campo administrativo, a medida mais relevante, nas últimas décadas, foi a implantação do processamento eletrônico de dados e da internet, o que decorreu mais das imposições do progresso do que de planejamento governamental.

33. Depois disso, surgiu, em Brasília, o telefone celular, cujo uso imoderado, a nosso ver, constitui triste comprovação da ausência de um mínimo de austeridade administrativa. Surgiu, também, o cartão de crédito custeado pelo Tesouro Nacional, medida até hoje nunca explicada. A frota de automóveis oficiais aumentou expressivamente, sobretudo no Legislativo e no Judiciário.

34. Apesar de todas as reformas, tem-se a impressão de que é de hoje a imagem do VISCONDE DO OURO PRETO, em 1879: “imagine-se um maquinismo de rodas concêntricas ou superpostas, a executarem inutilmente o mesmo movimento e ter-se-á a idéia exata do que é a organização das estações oficiais” (in “O Ministério da Fazenda e sua Reforma”, de Francisco Sá Filho, Rio, 1957).

b) a “burocracia” como modelo administrativo

35. A nossa organização administrativa, federal, estadual e municipal, como, de resto, a de quase todas as entidades de classe ou associativas brasileiras, segue o clássico modelo da burocracia (do francês bureaucratie), entendida tal expressão no seu verdadeiro significado, modelo esse considerado como ideal por MAX WEBER. Trata-se de uma organização fundada na hierarquia, que atua segundo regulamentos, normas e padrões expressos, por intermédio dos ocupantes de cargos ou funções, com atribuições definidas. Essa organização funciona independentemente da substituição dos ocupantes dos cargos e funções.

36. Segundo THOMAS BATEMAN e SCOTT SNELL, professores norte-americanos, “uma vantagem da burocracia – sua permanência – pode também ser um problema”, porque “uma vez que uma burocracia é estabelecida, é muito difícil desmantelá-la”. (in “Management building competitive advantage”, Times, 1990, trad. de Celso A. Rimoli, Atlas, 1998, pág. 55)

37. A grande crítica a esse modelo é a de que ele não se coaduna com a rapidez e a flexibilidade das decisões.  Mas não há outro melhor e as deficiências tidas como sendo do modelo são devidas, na realidade, às distorções na sua prática (estruturas gigantescas; muitos chefes; encargos repetitivos; muitos níveis hierárquicos) e à nomeação para os cargos de direção e chefia de pessoas despreparadas ou corruptas. 

c) a Administração “King Kong

38. O certo é que a Administração Pública federal - com esta expressão referimo-nos tão-somente ao Poder Executivo - alcançou o gigantismo e a monstruosidade de um “King Kongcinematográfico. 

39. Na palestra de 2005, apresentamos um quadro comparativo entre as 17 Secretarias e os 62 entes descentralizados do Governo federal dos Estados Unidos, o país mais rico do Mundo, com imensas responsabilidades internas e externas, e os 23 Ministérios e 30 Ministros e 169 entes descentralizados, da Administração federal brasileira, afora as subsidiárias das empresas estatais. 

40. Com base na experiência adquirida na elaboração e revisão de numerosos anteprojetos de leis de organização administrativa, formulamos, naquela oportunidade, uma proposta para reduzir os Ministérios a dezesseis e os Ministros a dezenove, com o que o Presidente poderia ter à sua disposição uma Administração mais ágil, operosa e produtiva.

41. Ao mesmo tempo, essa medida importaria em notável redução da despesa, com a extinção de cargos em comissão, gabinetes, secretarias executivas e técnicas, consultorias jurídicas, assessorias de imprensa, parlamentares e internacionais e centenas de outros órgãos e suas unidades e sub-unidades, a desocupação de áreas imobiliárias, sobretudo as alugadas, a venda ou redistribuição de veículos, máquinas e equipamentos, a redução da concessão de diárias, passagens e ajudas de custo, a redução de contas de energia elétrica, serviços telefônicos e internet, o recolhimento de telefones celulares e cartões de crédito, a redução no consumo de materiais de escritório.

42. Afora isso, ter-se-ia a simplificação do serviço público federal com a redução não só de instâncias administrativas, mas também na produção de relatórios, pareceres, despachos, portarias e outros documentos. Aliás, alguns Governadores adotaram medidas dessa natureza, como os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No Distrito Federal, o número de Secretarias foi expressivamente reduzido pelo Governador José Roberto Arruda, que vem saneando as finanças da capital federal. Essa medida deveria ser imitada por outros governadores.

43. Entretanto, no plano federal, a Administração voltou a crescer e, nos últimos quatro anos, de maneira descontrolada e assustadora. Temos, hoje, 23 ministérios e 6 secretarias especiais, com status de ministério, e 38 ministros. Novas autarquias, sob a forma de agências, fundações e numerosas subsidiárias das empresas estatais foram criadas. Agora, teremos as contraditórias fundações privadas de direito público, uma “espécie hermafrodita”.

44. A quantidade de entidades descentralizadas (empresas públicas, sociedades de economia mista, agências e outras autarquias e fundações públicas) cresceu, de 89, em 2005, para 227, no corrente ano, afora as subsidiárias da Petrobrás (24), da Eletrobrás (7), do Banco do Brasil (11) e da Caixa Econômica Federal (4), num total de 46.

45. Atualmente, os Ministérios são:

Ministérios

1 -  Agricultura, Pecuária e Abastecimento
2 -  Cidades
3 -  Ciência e Tecnologia
4 -  Comunicações
5 -  Cultura
6 -  Defesa
7 -  Desenvolvimento Agrário
8 -  Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
9 -  Desenvolvimento Social e Combate à Fome
10 - Educação
11 - Esporte
12 - Fazenda
13 - Integração Nacional
14 - Justiça
15 - Meio Ambiente
16 - Minas e Energia
17 - Planejamento, Orçamento e Gestão
18 - Previdência Social
19 - Relações Exteriores
20 - Saúde
21 - Trabalho e Emprego
22 - Transportes
23 - Turismo

46. Por sua vez, as secretarias especiais, com status de ministério são:

Secretarias especiais da Presidência da República

1 - de Políticas para as Mulheres
2 - de Aqüicultura e Pesca
3 - dos Direitos Humanos
4 - de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
5 - de Portos
6 - do Conselho de Desenvolvimento Econômico

47. Os secretários especiais têm “prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos de Ministro de Estado (Lei nº 10.683, de 28/5/03, art. 38).

48. Os outros ministros de Estado, os chamados “Ministros da Casa”, são:

Outros ministros

1 - Ministro-Chefe da Casa Civil
2 - Advogado-Geral da União
3 - Ministro de Estado do Controle e da Transparência (titular da Controladoria-Geral da União)
4 - Ministro-Chefe da Secretaria-Geral
5 - Ministro-Chefe de Gabinete de Segurança Institucional
6 - Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais
7 - Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação Social
8 - Presidente do Banco Central do Brasil
9 - Ministro de Estado Extraordinário de Assuntos Estratégicos

49. O cargo de ministro-presidente do Banco Central é uma excrescência. Foi criado para assegurar as prerrogativas de função, perante o Judiciário. E o último cargo acima relacionado foi criado com base legal obscura, tendo por finalidade básica “promover o planejamento nacional de longo prazo”, “discutir as opções estratégicas do País, considerando a situação presente e as possibilidades do futuro” e, ainda, “articular com o governo e a sociedade a formulação da estratégia nacional e das ações de desenvolvimento nacional de longo prazo”. A esse Ministro foram subordinados o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. E o Gabinete do Ministro foi dotado de 49 cargos em comissão.

d) um “prisioneiro” no Palácio do Planalto

50. Para se ter uma idéia do tamanho gigantesco da própria Presidência da República, basta enumerar os diversos órgãos colegiados de sua estrutura:

Órgãos colegiados da Presidência da República

1) Conselho de Governo e suas Câmaras e seus Comitês;
2) Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (com 103 membros), com até nove comissões de trabalho;
3) Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;
4) Conselho Nacional de Política Energética;
5) Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte;
6) Conselho Deliberativo do Sistema de Proteção da Amazônia;
7) Conselho Superior de Cinema;
8) Conselho Nacional de Juventude;
9) Conselho Nacional Anti-Drogas;
10) Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção;
11) Conselho Nacional dos Direitos da Mulher;
12) Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca;
13) Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana;
14) Conselho Nacional de Combate à Discriminação;
15) Conselho Nacional de Promoção do Direito Humano à Alimentação;
16) Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente;
17) Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência;
18) Conselho Nacional dos Direitos do Idoso.

51. Como se deduz da própria denominação, esses conselhos são desnecessários ou, pelo menos, deveriam estar subordinados aos competentes ministros de Estado, que são, como preceitua a Constituição, os auxiliares diretos do presidente (arts. 76 e 87).

52.Um colegiado, deliberativo ou consultivo, pode ser útil por somar informações e idéias dos diversos membros, pela ampla possibilidade de debate sobre os temas em estudo, pelo maior compromisso de todos com a decisão tomada, mas, de modo geral, são lentos para a tomada de decisões, desperdiçam tempo e trabalho, são dominados pelas minorias atuantes, dificultam a guarda de sigilo e, sobretudo, não se ajustam ao individualismo dos brasileiros em geral.

53.Acrescente-se que, nos ministérios e secretarias especiais, funcionam outros 61 (sessenta e um) conselhos, comissões e comitês, afora os que são subordinados às diversas secretarias e outras unidades, bem assim as comissões e grupos de trabalho criados por decretos ou portarias ministeriais. Funcionam, outrossim, 211 órgãos (as antigas repartições). No total, são 272 órgãos, na Administração federal direta. O quadro abaixo é ilustrativo:

PODER EXECUTIVO FEDERAL

Organização Administrativa

 

USA

BRASIL

 

1996

2007

Ministérios/Secretarias Especiais

17

20

29

Ministros

17

20

38

Órgãos (repartições)

121

171

272

Entidades descentralizadas

62

113

227

(autarquias/empresas/fundações)

 

 

 

54. Ensinam os teóricos da Ciência Administrativa que o número de departamentos subordinados ao chefe deve ser tal que ele possa dispensar a cada um suficiente atenção. (Cfr. PFIFFNER e SHERWOOD, in “Administrative Organization”, trad. E. Jacy Monteiro, Bestseller, S.Paulo, pág. 65)

55. Em entrevista ao Globo de 25/11/07, o Presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA declarou que, excetuados os “Ministros da casa” e os Ministros da Fazenda, do Orçamento e das Relações Exteriores, os demais “tem rotina de uma reunião por mês”.

56. Diante desses dados, indicados de modo sintético, é fácil concluir que o Presidente da República é, por assim dizer, prisioneiro, no Palácio do Planalto, de uma estrutura gigantesca, que, em lugar de assessorá-lo para bem governar, na verdade tolhe os seus passos, dificulta as suas ações, burocratiza os seus projetos, toma o seu precioso tempo. “Cercado”, no próprio Palácio, por 15 Ministros e 18 Conselhos, obrigado a reunir-se com os outros 29 Ministros, afora as audiências a autoridades dos outros Poderes, governadores de Estado, embaixadores, empresários etc., o Presidente só se liberta quando viaja. Faz muito bem. Pelo menos, toma contato com a realidade brasileira e a externa.

e) um programa de austeridade e racionalidade administrativa

57. Face ao exposto, impõe-se a adoção de um rigoroso programa de austeridade fiscal e racionalidade administrativa, de modo a propiciar a redução da despesa pública e o aperfeiçoamento do funcionamento da estrutura governamental. Mais do que uma reforma, a Administração Pública Federal necessita de uma reconstrução, uma reengenharia.

58. Um programa de austeridade fiscal e racionalidade administrativa tem de começar pela imediata extinção de ministérios, secretarias especiais, autarquias, fundações, colegiados e outros órgãos e respectivas unidades e subunidades, que se revelem desnecessários. E, ao mesmo tempo, pela extinção das atividades desnecessárias e pelo bloqueio das dotações orçamentárias consignadas a esses órgãos e a tais atividades. A Presidência da República tem de ser desocupada de todas as Secretarias Especiais e Conselhos Nacionais.

59. Tal providência é a mais eficaz e de resultados mais imediatos, na consecução de meta de redução da despesa pública, porque importa na cessação da utilização de dotações orçamentárias, na extinção de cargos em comissão, na redistribuição de funcionários, instalações e equipamentos, na extinção de contratos com empresas prestadoras de serviços e na redução da burocracia (menos processos, ofícios, memorandos etc.)

60. Essa não é, todavia, uma empreitada fácil, em face do que HENRI DÉROCHE chama de “les résistences à la destruction ou loi de persistence”.  Observando, com propriedade, que “il n’est rien dans l’organization sociale de plus solide et de plus stable qu’un service administratif”, DÉROCHE formula a lei da persistência: (a) “tout service bureaucratique est organisé pour fonctionner sans limitation de durée”, ou seja, sob a perspectiva da perenidade (por exemplo, o prazo indeterminado do Incra supõe que a reforma agrária nunca se concluirá);  (b) “tout service bureaucratique oppose des forces actives et des forces d’inertie à sa disparation”, acrescentando o ilustre professor que “la destruction d’un service n’est jamais totale, mais aboutit toujours à un transfert de fonctionnarisation”, “il offre la résistance passive d’une sctruture sociologique stable” e “sous couvert de réforme un service est déclaré supprimé, mais un autre est appelé à prendre sa place.” (inLes Mythes Administratifs”, Paris, 1966, pág.287)

61. Com efeito, sempre que se extingue um órgão ou entidade, o seu elenco de competências é transferido para um outro. Os órgãos extintos permanecem como hibernados em algum lugar e, na primeira oportunidade, ressurgem revitalizados, como a “fênix” das cinzas.

62. Basta lembrar que alguns Ministérios, antes extintos, ressurgiram mais fortes do que nunca. Sudene e Sudam, extintas no governo anterior, já foram restabelecidas no atual governo. A Embrafilme, fonte de imensos prejuízos ao Erário, já ressurgiu, como autarquia especial, sob a denominação de Agência Nacional de Cinemas – Ancine, que ocupou, por inteiro, um prédio do INSS, em frente ao Palácio Capanema, no Rio de Janeiro. Consta que a extinta Telebrás será reativada.

63. O ideal é extinguir o órgão e, se possível, as atividades a ele afetas. Se assim não for, os funcionários seguem, junto com as atividades, para um outro órgão, onde se forma a semente do ressurgimento. Enfim, não é fácil extinguir um órgão sequer, uma simples divisão ou seção.

64. Acima de tudo, o êxito de um programa de austeridade fiscal e racionalidade administrativa depende da vontade política e da determinação do Governo. Depende de o Governo “permanecer firme a todo custo”, conforme a lição de LUDWIG ERHARD, para implantar, na Alemanha, a economia de mercado e realizar o famoso milagre (in “Bem-Estar para Todos”, trad. de Ana de Freitas, Ed. Livros de Portugal, Rio, pág. 30).

II - Tributação

65. O nosso Sistema Tributário compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria. A Constituição prevê, ainda, outras imposições pecuniárias compulsórias: as contribuições sociais (Cofins, CSLL, CPMF, Contribuições ao PIS/Pasep), as contribuições ao FGTS e ao salário-educação, as contribuições de intervenção no domínio econômico, as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e os empréstimos compulsórios.

a) as pré-condições de uma boa reforma

 66. Como destacamos na palestra de 2006, uma verdadeira reforma importaria na reorganização de nosso sistema tributário, com a prévia análise e tomada de decisão política quanto a seis pré-condições:

1ª) estimativa da carga tributária tolerável, em face da capacidade contributiva dos brasileiros, “a capacidade econômica do contribuinte”, na letra da Constituição, art. 145, § 5º, a qual é função do produto interno bruto, da renda “per capita” e da distribuição da renda nacional entre as diversas camadas sociais;

2ª) enumeração dos encargos afetos ao poder público, em função das exigências da sociedade, no que tange à quantidade e à qualidade dos serviços públicos, daí decorrendo o grau de intervenção do Estado na economia e o desenho do tamanho ideal da Administração Pública;

3ª) definição dos encargos próprios da União, dos estados e dos municípios, indispensável para a estimativa dos respectivos custos anuais e a adequada divisão das receitas tributárias entre os três níveis de governo;

4ª) fixação dos objetivos políticos, sociais e econômicos e das prioridades nas ações que visem a redução das desigualdades sociais e regionais, os investimentos públicos nas áreas da educação, saúde, habitação, infra-estrutura etc.;

5ª) adequada utilização do sistema tributário não só como provedor do Tesouro - pourvoyeur du Trésor, segundo a feliz expressão de RENÉ STOURM -, mas também como instrumento de política econômica (indução ao desenvolvimento, aos investimentos, às exportações, à redução de desequilíbrios regionais etc.), de política social (indução à redistribuição da renda, à redução das desigualdades, à construção de habitações, à diminuição do consumo de produtos nocivos à saúde etc.) e de política monetária (redução ou expansão do poder aquisitivo e do crédito); e

6ª) escolha das hipóteses genéricas de incidência (fatos imponíveis; suportes fáticos; fatos geradores) dos tributos e contribuições:

a) o patrimônio: a propriedade de imóveis e veículos, o patrimônio global, os ativos, a grande fortuna; é socialmente justo, porque atinge as chamadas classes “A” e “B”, mas economicamente inadequado, porque pune e desestimula a poupança e o investimento e beneficia o perdulário; afinal, o patrimônio é a renda já tributada e poupada;

b) a produção industrial, mineral e agropecuária: é socialmente injusto, pela incidência indireta sobre os consumidores ricos e pobres, os contribuintes de fato;

c) a prestação de serviços: é economicamente inadequado, por desestimular as atividades profissionais;

d) a circulação de riquezas ou o giro ou o volume dos negócios - “chiffre d´affaires”, para os franceses: importação e exportação, hoje com finalidades econômicas; circulação de mercadorias, economicamente adequado por incidir sobre o valor agregado em cada etapa, mas burocrático; ou circulação de dinheiro, créditos e valores mobiliários, economicamente inadequado por encarecer o crédito e os negócios em geral;

e) a renda (entradas ou ingressos pecuniários ou patrimoniais, inclusive ganhos de capital e mais-valia): é considerado o mais justo e adequado, social e economicamente, porém o mais complexo;

f) o consumo (vendas a varejo/“sales tax”); e

g) as despesas.

67. Parece-nos extremamente interessante para um país em desenvolvimento, como o nosso, a proposta da tributação do consumo ou das despesas da pessoa física, formulada, em 1955, pelo prof. Nicholas Kaldor, da Universidade de Cambridge, no sentido da criação de um imposto tendo como fato gerador a renda consumida, para não “desincentivar a poupança, o trabalho e a aceitação do risco nas atividades produtoras” (in ensaio do prof. Henri Tilbery). Nessa mesma linha, KEYNES havia proposto a criação de um empréstimo compulsório, para financiar as despesas de guerra da Inglaterra (inHow to pay for the War” (Macmillan and co., Limited, London, 1940).  

68. O insigne ROBERTO CAMPOS defendia os impostos de fácil cobrança, arrecadação e fiscalização, como, por exemplo, os antigos impostos sobre telecomunicações e energia elétrica, cobrados nas respectivas contas e recolhidos ao Erário por poucas empresas.

b) as deficiências de nosso sistema tributário

69. O nosso sistema tributário é eficiente para arrecadar expressivas somas de tributos, mas, sob o ângulo técnico, é da pior qualidade. Não possui as qualidades tidas como indispensáveis à boa governabilidade, uma vez que:

a) não é suficiente: não é capaz de produzir a renda adequada aos objetivos governamentais preestabelecidos;

b) não é elástico: não tem capacidade de produzir maior renda, quando necessário, sem a necessidade de emendas constitucionais casuísticas;

c) não é flexível: não possui capacidade de rápida adaptação às conjunturas de crise econômica, calamidades da natureza, comoções intestinas, guerras etc., sem impacto nocivo às contas públicas;

d) não acata plenamente a Constituição: as leis e os regulamentos e, sobretudo, diversos atos do Fisco têm contrariado a Constituição, gerando ondas sucessivas de ações judiciais, que emperram o Judiciário (questões relativas a Cofins, PIS/Pasep, IPI, IR, ICMS, IPTU e a numerosas taxas);

e) não é previsível: não dispõe de regulação estável que permita a exata previsão das incidências tributárias, por largo período, de modo a que pessoas físicas e jurídicas possam planejar as suas atividades e os seus negócios e dispêndios;

f) não é simples: a legislação fiscal é torrencial, não é de fácil compreensão, sobretudo quanto ao cálculo dos tributos; a declaração do IR é complexa; o cálculo e pagamento dos impostos de importação e de transmissão sempre exigem a ajuda de contadores e despachantes; os controles fiscais nunca eliminam a extorsão e a corrupção etc. Segundo o IBPT, o nosso Sistema abrange 74 tributos – impostos, contribuições e taxas e estava regulado e regulamentado, em 2005, por 55.767 artigos, 33.374 parágrafos, 23.497 incisos e 9.956 alíneas (in “Jornal do Brasil” de 20/2/05), ou seja, por 122.594 normas.

g) reveste uma multiplicidade de tributos: o ideal é a pluralidade de tributos – diversos, mas não muitos; nem a utopia da unicidade tributária, defendida, no Século XVIII, pelos fisiocratas - Quesnay, Mirabeau, Du Pont de Nemours, Tourgot -, nem a multiplicidade dos impostos, defendida pioneiramente por Adam Smith, como uma garantia contra as iniqüidades do sistema.  Segundo Leroy Beaulieu, seria “mais ou menos impossível que os erros, inevitáveis na aplicação de cada imposto, pesem todos juntos sobre o mesmo contribuinte”, porquanto uns seriam compensados por outros e haveria dessa maneira “uma espécie de contrapeso que produziria o equilíbrio”;

h) não é módico, mas exagerado, na concessão de benefícios fiscais, desse modo criando privilégios odiosos; o montante das desonerações tributárias em 2007 foi de R$42,5 bilhões;

i) não há aceitabilidade social, isto é, o sistema é composto de tributos que os contribuintes recolhem com insatisfação, com reações generalizadas, como ocorre com o IR, a Cofins, a CPMF e diversas taxas.

70. Vivemos, sem dúvida, na era da globalização. Originada pela expressão “aldeia global”, utilizada por Alvin Tofler, a globalização é uma etapa de um processo contínuo de integração política e econômica iniciado pelos grandes navegadores – Colombo, Cabral, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães etc.  Pelo menos, eles começaram a acelerar o processo, que prosseguiu com a expansão comercial mercantilista (colonização da América, comércio de mercadorias, tráfico de escravos etc.), depois com a Revolução Industrial (colonização européia da África e da Ásia, incremento nos transportes ferroviário e marítimo, investimentos internacionais, adesão aos hábitos e costumes europeus, as Olimpíadas, iniciadas pelo Barão de Coubertin, em 1896), até a fase mais recente, após a Segunda Guerra Mundial, com a economia de mercado e os avanços tecnológicos, sobretudo nos meios de transporte e de comunicação, chegando à utilização da internet, em que vultosos negócios intercontinentais são realizados em instantes, sem que as partes se reúnam pessoalmente.  Agora, surgem, inclusive, as multinacionais brasileiras, expandindo-se pelo exterior.

71. Por conseguinte, na conjuntura atual, a da globalização, um bom sistema tributário nacional precisa guardar compatibilidade com os sistemas adotados por nossos maiores parceiros comerciais e garantir competitividade aos produtos nacionais (desoneração das exportações, tratamento isonômico entre os produtos nacionais e os importados e imposição de direitos compensatórios e sanções contra o dumping e outras práticas de comércio exterior nocivas ao País).

72. A respeito do sistema tributário, a modelar Constituição dos Estados Unidos da América dispõe, tão-somente, na Seção 8 de seu art. 1º: “será de competência do Congresso: lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos.” Todos os tributos são criados e regulados pela lei, sem maiores dificuldades.

73. A melhor reforma do Sistema Tributário Nacional deveria principiar pela sua desconstitucionalização, isto é, a supressão de, pelo menos, 84 dos atuais 191 dispositivos constitucionais sobre tributação, que podem e devem ser objeto de lei complementar. Com esse objetivo, elaboramos um estudo, acompanhado de um anteprojeto de emenda constitucional, que foram divulgados pela “Revista Jurídica Consulex” de 15/9/06.

c) a carga tributária

74. A carga tributária é expressa numa proporção entre a arrecadação tributária e o produto interno bruto (PIB).  Na arrecadação tributária, são incluídos, no Brasil, as contribuições sociais (previdenciárias, Cofins, CSLL, CPMF e Contribuição ao PIS) e as contribuições de intervenção econômica (Cide), mas o PIB não é um dado contábil, apurável com rigor matemático. Não há uma metodologia oficial, sendo considerados os cálculos efetuados pelo IBGE, SRF, FGV, Instituto Brasileiro de Pesquisa Tributárias etc.;

75. A carga tributária atingiu, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional (in “Consolidação das Contas Públicas de 2005”), o patamar recorde de 38,8% do produto interno bruto ou 39,41%, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisas Tributárias – IBPT.  O especialista AMIR KHAIR, utilizando outra metodologia, estima a carga tributária em 34,23% em 2006 e 35,36% em 2007.  Isso contra 13,8% em 1947, no início do cálculo, 21,25% em 1989, após a Carta de 1988, 26,97% em 1994, com o Plano Real, e 32,31%, em 2001. É maior do que a dos Estados Unidos (25,4%), Canadá (33%) e a de todos os países da América Latina. Em onze anos (de 1989 a 2006), praticamente dobrou.

76. A carga tributária exagerada é socialmente injusta. Segundo o Ipea, em face da regressividade de nosso Sistema Tributário, pesa mais sobre as famílias mais pobres.  Ela extrapola a capacidade contributiva das pessoas jurídicas e físicas, desestimula a poupança interna, inibe os investimentos, prejudica a competitividade dos produtos nacionais diante da produção estrangeira, aumenta a inadimplência e a sonegação fiscal (estimada em 30% do PIB); dificulta a redução do desemprego; impede um maior crescimento do mercado interno; entrava o desenvolvimento econômico e social.

77. A carga tributária já pode ser tida, na essência, como inconstitucional, por não respeitar a capacidade econômica dos contribuintes e ter, em face do acréscimo das novas incidências, efeito confiscatório. Essa carga tributária desestimula a atividade econômica.

78. Tal processo, se não for detido, poderá provocar instabilidades políticas e sociais. Afinal, os excessos fiscais estão na raiz do ocaso do feudalismo, da imposição da Magna Carta ao tirânico Rei John Lackland, da queda do absolutismo, da Revolução Francesa, da Independência dos Estados Unidos, da Inconfidência Mineira etc.

d) a arrecadação de tributos e contribuições

79. A Secretaria da Receita Federal vem divulgando os dados da arrecadação, que se eleva mês a mês, o que seria resultado de uma ação eficaz e eficiente.

80. Na realidade, o aumento da arrecadação decorre do aumento da carga tributária e do crescimento econômico do País.

81. A eficiência da arrecadação deve ser medida não pelos montantes arrecadados, mas pelos montantes que deixam de ser recolhidos pelos contribuintes.

82. Ora, a Dívida Ativa da União, que, há 17 anos, era de R$2,8 bilhões, passou hoje a cerca de R$600 bilhões. A Dívida Ativa do INSS é de cerca de R$200 bilhões. O número de execuções fiscais subiu de 45.493, em 1990, para mais de três milhões, nos dias atuais, como indicado no quadro abaixo:

Dívida Ativa da União

1990

2007

Quantidade de inscrições

45.493

3.000.000

Valor global das inscrições/R$

2,8 bilhões

600 bilhões

83. Além disso, a Dívida Ativa não inscrita e que corresponde a processos em andamento é estimada em cerca de R$300 bilhões, sendo R$200 bilhões nas Delegacias da Receita Federal e nos Conselhos de Contribuintes, e R$100 bilhões no INSS, afora a sonegação, que é estimada em R$100 bilhões.

84. Em outras palavras, a receita da União não realizada monta a cerca de R$900 bilhões. Portanto, corresponde a 75% de nossa dívida pública mobiliária (R$1,2 trilhão) e a 34,6% do PIB (R$2,6 trilhões).

85. A responsabilidade por esse quadro impressionante não é da Justiça Federal, que processa as execuções fiscais, nem das Procuradorias da Fazenda Nacional, que apuram a certeza e liquidez e inscrevem e ajuízam a Dívida Ativa, nem, tampouco, da Receita Federal, que lança e cobra os tributos e contribuições. Ela é, basicamente, do Sistema Tributário, da carga tributária, da complexidade da legislação fiscal e das multas e juros de mora escorchantes.

86. As multas voltaram aos patamares anteriores à criação da correção monetária e os juros moratórios não têm qualquer limitação, apesar de uma certa estabilidade da moeda. Metade do valor da Dívida Ativa da União corresponde a multas e juros de mora. Poucas pessoas físicas e jurídicas possuem capacidade financeira e econômica para pagar multas e juros de valor superior ao dos tributos devidos. Isso torna a dívida incobrável. Por isso, leis de anistia fiscal (perdão ou redução de multas e juros) tornam-se indispensáveis.

87. Os procedimentos de cobrança administrativa dos tributos federais têm de ser revistos, notadamente para prever tratamento especial dos contribuintes inadimplentes, evitando o recurso imoderado à cobrança pela via da execução fiscal. A cobrança amigável da Dívida Ativa, instituída com enorme sucesso, na década de 1980, foi suspensa, por algum motivo misterioso. É hora de restaurá-la. E outros procedimentos já foram anteriormente adotados pela Fazenda.

88. Seria oportuna a criação de prêmios à adimplência fiscal, como a redução do valor dos tributos pagos integral ou adiantadamente, ainda que por estimativa.

89. Entretanto, o que se anuncia é a adoção de medidas ainda mais severas contra os contribuintes. Volta, mais uma vez, a voracidade fiscal com a antiga proposta da adoção da penhora de bens dos devedores pela via administrativa, o que seria uma violência inominável, a par de contrariar a garantia estabelecida no art. 5º, inciso LIV, da Constituição: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal”. O processo legal só pode ser o judicial, a execução fiscal, nunca o processo administrativo fiscal, como querem alguns. Trata-se de proposta debatida e recusada por ocasião da elaboração da Lei das Execuções Fiscais.

90. Outras violências seriam: (a) levar os débitos fiscais a protesto; (b) inscrever os devedores no Serasa; (c) efetuar a chamada penhora “on line” de depósitos em contas bancárias, sem considerar, inclusive, que o devedor pode ter outros tributos a pagar.

e) o projeto remanescente de Reforma Tributária constitucional

91. A reforma tributária, em debate há mais de dez anos, limita-se, presentemente, a um projeto - remanescente das propostas iniciais - de mero ajuste, com o objetivo principal de eliminar a “guerra fiscal” entre os governos estaduais, mediante modificações nas disposições constitucionais relativas ao ICMS, um imposto inadequado para um país que adotou a federação como forma de Estado.

92. Muito embora não corporificada num anteprojeto de emenda constitucional, mas apenas numa lista de propostas, a reforma pretendida pelo Governo, resumir-se-ia em três modificações centrais:

1º) substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), estadual, e o Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza (ISS), municipal, por um Imposto sobre Valor Agregado, estadual, com a cobrança no Estado de destino, no caso das operações interestaduais, e com vigência a partir de 2016;

2º) substituir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Cofins, a Contribuição ao PIS/Pasep e a Contribuição de Intervenção Econômica sobre Combustíveis, por um IVA federal, com vigência a partir de 2010; e

3º) fundir o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

93. Diante da forte reação dos grandes Municípios, o Governo propôs a criação de um Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV), do tipo da sales tax norte-americana, com alíquota de 1,5%. No entanto, o próprio Ministério da Fazenda estimou para 21 capitais estaduais, alíquotas maiores, a fim de evitar a perda de receita (3,6% para Vitória, 3,5% para São Paulo e Rio de Janeiro etc.). Nesse caso, o Governo federal teria de aumentar os repasses aos Municípios, os quais, desse modo, ficariam mais dependentes do Governo federal. Diante dessa reação, o Governo teria decidido excluir o ISS do anteprojeto.

94. Recentemente, foi divulgado que o IPI seria excluído do IVA federal, porque, se fosse extinto, perderiam eficácia as isenções concedidas a prazo a diversas indústrias, como as da Zona Franca de Manaus e as do setor da informática.

95. Portanto, não há, ainda, uma posição firme do Governo quanto ao alcance da Reforma e, em face do início de sua aplicação, o futuro Governo – a ser eleito em 2010 - certamente introduzirá novas modificações.

96. O que parece estranho na proposta do Governo é a extinção da Cofins e da CSLL, criadas pela Constituinte de 1988, como declarou publicamente o próprio Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para financiar as despesas com a Seguridade Social, ou seja, a assistência social, a assistência médico-hospitalar e os subsídios concedidos a diversas classes na área da Previdência Social.

97. Em todas as propostas de Reforma Tributária, divulgadas pelo Governo, não há qualquer indicação sobre a nova fonte de custeio da Seguridade Social, que, pela Constituição (art. 165, § 5º), deveria ser objeto de um Orçamento específico, ou seja, o Orçamento da Seguridade Social, com estimativa de receitas e previsão de despesas próprias, separado do Orçamento Fiscal, este com as receitas e despesas do Tesouro Nacional.

98. No projeto inicial de Reforma Tributária, elaborado, por competentes especialistas, no Governo Fernando Henrique, era prevista a criação de um adicional ao IVA, cuja receita seria vinculada ao Orçamento da Seguridade Social.

99. A extinção da Cofins e da CSLL seria benéfica para os contribuintes, mas essa medida não pode ser adotada em prejuízo da Seguridade Social, sob pena de imenso retrocesso nas políticas de redução da pobreza e das desigualdades sociais.

100. Em suma, desvaneceram-se as esperanças da (a) redução da excessiva carga tributária e (b) da desburocratização das obrigações fiscais.

101. No respeitante à tributação, duas conclusões são evidentes:

1ª) a carga tributária e a burocracia fiscal atingiram níveis insuportáveis, que, noutras épocas e noutros países, deram causa a revoluções populares e a golpes de estado;

2ª) a solução do problema fiscal do País, o fantástico déficit reside não só no aperfeiçoamento do Sistema Tributário, mas, sobretudo, no lado da despesa pública, que tem de ser drasticamente reduzida, para possibilitar a redução da carga tributária.

102. Além da redução da despesa, o Governo poderia adotar medidas para elevar as receitas não-tributárias, como as derivadas do processo de desestatização: a concessão de rodovias, ferrovias, portos, linhas de transmissão de energia elétrica etc., a privatização de empresas, como o IRB, a ECT, as geradoras de energia elétrica e outras, e, ainda, a abertura do capital de algumas empresas públicas, como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal, a Casa da Moeda e a Infraero. Também poderia ser promovida a cobrança de mensalidades aos alunos abastados das universidades públicas. Outra medida seria a de identificar os chamados “ativos ocultos”, como as folhas de pagamento do INSS (25 milhões de beneficiários) e do Tesouro Nacional etc. (o Ministro da Previdência, LUIZ MARINHO, teve a oportuna iniciativa de tentar “vender” a folha do INSS a algum banco). O Governador JOSÉ SERRA “vendeu” à Nossa Caixa, por R$ 2,1 bilhões, a folha de pagamento do pessoal do Estado de São Paulo. Outro “ativo oculto” é representado por imóveis desnecessários ao serviço público. Consta que o INSS, por exemplo, possui cerca de 5.500 imóveis nessa situação (in “Jornal do Commercio”, de 23/7/07).

103. Todavia, não são conhecidas ações governamentais no sentido da adoção de tal diretriz.   E tudo isso depende não só de “vontade política”, mas – permitam-nos as metáforas – de uma “vontade de ferro”, de uma “força de Hércules e, também, como diria ERHARD, o mago do milagre alemão, de “nervos de aço” para enfrentar as reações.

104. Resta a esperança de que uma verdadeira Reforma Tributária venha a ser efetuada: pela necessidade da integração do nosso País a seus parceiros no comércio exterior; ou pela constatação das vantagens de redução do “custo Brasil”;  ou para assegurar competitividade a nossos produtos; ou para garantir os empregos de nossos trabalhadores e não o de seus colegas de outros países;   ou para atrair a poupança externa sob a forma de investimentos; ou por exigência do eleitorado esclarecido.

III - Previdência Social

a) a criação do Fórum Nacional da Previdência Social

105. O Presidente da República criou, pelo Decreto nº 6.019, de 22/1/07, o Fórum Nacional da Previdência Social, com a finalidade de:

“I – promover o debate entre os representantes dos trabalhadores, dos aposentados e pensionistas, dos empregadores e do Governo Federal com vistas ao aperfeiçoamento e sustentabilidade dos regimes de previdência social e sua coordenação com as políticas de assistência social;

II – subsidiar a elaboração de proposições legislativas e normas infra-legais pertinentes;

III – submeter ao Ministro de Estado da Previdência Social os resultados e conclusões sobre os temas discutidos no âmbito do FNPS.”

106. Presidido pelo Ministro da Previdência - inicialmente, Nelson Machado e, depois de abril, Luiz Marinho -, o Fórum foi composto de representantes dos seguintes segmentos:

“I - do Governo Federal, representado pelos seguintes órgãos:

a) Ministério da Previdência Social;
b) Casa Civil da Presidência da República;
c) Ministério do Trabalho e Emprego;
d) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
e) Ministério da Fazenda;
f) Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e
g) Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República;

II - dos trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas, representados pelos seguintes órgãos:

a) Central Autônoma de Trabalhadores - CAT;
b) Central Geral dos Trabalhadores - CGT;
c) Central Geral de Trabalhadores do Brasil - CGTB;
d) Central Única dos Trabalhadores - CUT;
e) Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos - Cobap;
f) Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag;
g) Força Sindical - FS;
h) Nova Central Sindical de Trabalhadores - NCST; e
i) Social Democracia Social - SDS;

III - dos empregadores, representados pelos seguintes órgãos:

a) Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA;
b) Confederação Nacional do Comércio - CNC;
c) Confederação Nacional das Instituições Financeiras - CNF;
d) Confederação Nacional da Indústria - CNI; e
e) Confederação Nacional do Transporte - CNT.”

107. Portanto, eram 21 membros titulares e 21 suplentes, mais observadores de diversos órgãos e entidades convidados pelo Ministro e, ainda, de diversos assessores. Surpreendentemente, foi concedido direito de voz e voto a todos, ou seja, a cerca de 60 participantes, circunstância suficiente para dificultar e emperrar os trabalhos. 

b) a fase inicial dos trabalhos do fórum

108. O período inicial, dedicado a palestras, foi muito proveitoso. Os conferencistas eram de alto nível e levaram contribuições substanciais - dados, idéias e propostas – sobre temas da maior relevância para o estudo da questão previdenciária, tais como: transformações demográficas; mercado de trabalho brasileiro; cobertura previdenciária; mulher e previdência; previdência rural; reformas no mundo; dinâmica da população brasileira; comparações internacionais; pobreza e distribuição de renda; financiamento da previdência e projeções.

109. Pela importância dos dados apresentados, foi extremamente substanciosa a palestra do Secretário da Previdência Social, HELMUT SCHWARZER, sob o título “Financiamento da Previdência Social”, com substanciosos cálculos, estatísticas e projeções. O Secretário apresentou um quadro sobre as “renúncias previdenciárias” de 2003 a 2007 e acentuou que tais renúncias significam uma política de redistribuição de renda. Noutra palestra, o Secretário apresentou projeções de longo prazo sobre o Regime Geral da Previdência.

110. Outras palestras de destaques foram as de:

Ricardo Paes de Carvalho, do Ipea (“Previdência, pobreza e desigualdade”): além das conclusões sobre a redução da pobreza, antes citadas, demonstrou que, em 2005, o Brasil figurou, na América Latina, em segundo lugar, na redução da pobreza extrema, bem próximo do México; que, no último lugar, estava a Venezuela, na qual a pobreza extrema cresceu; que a taxa de crescimento anual do PIB per capita dos 10% mais pobres brasileiros, entre 1990 e 2003, foi a  segunda do mundo, logo após a da China; e que, no Brasil, entre 2001 e 2005, a percentagem de pobres decresceu, de 38,6% para 34,1%, e a dos extremamente pobres, de 17,4% para 13,2%.

Simone Wajnman, da UFMG (“Gênero e Previdência Social no Brasil”): abordou as desigualdades no tratamento entre homens e mulheres e acentuou que as mulheres vivem mais, porém trabalham mais, face à função de cuidadoras do lar (dupla jornada), e que a maior esperança de vida das mulheres, em relação aos homens, está sendo reduzida pelos riscos decorrentes da maior participação no mercado de trabalho e pelo aumento do consumo de tabaco. Sustentou que as mulheres idosas têm menor capacidade de trabalho do que homens idosos e, ainda, que as mulheres têm rendimentos e benefícios menores.

Lena Lavinas, da UFRJ (“Garantia de uma renda mínima para reduzir a pobreza e a vulnerabilidade”): demonstrou que os idosos, com 65 anos ou mais, eram, em 2005, mais de 12 milhões, dos quais 90% possuíam cobertura da seguridade social; que as crianças e adolescentes até 15 anos, eram mais de 50, milhões, dos quais 67,8% possuíam cobertura da Seguridade Social; que, entre os 40% mais pobres, apenas 28% ganham mais de um salário-mínimo; que, para 32%, a renda do trabalho é zero; recomendou “a densidade contributiva do sistema”, com uma contribuição anual, com base no piso, para os autônomos, os “sem carteira” e as donas de casa. Observou, com toda a propriedade, que “os países europeus reduzem a pobreza ex ante, assim reduzindo o número de beneficiários dos programas de assistência social”.

Ana Amélia Camarano, do Ipea (“Dinâmica da população brasileira e implicações para a previdência social”): afirmou que, “no caso brasileiro, a informalização tem tido um impacto negativo mais expressivo na equação previdenciária do que a dinâmica demográfica”; que, em 2005, 85,5% dos homens de 40 a 60 anos trabalhavam, mas apenas 45% contribuíam para a previdência social; que ocorreu uma “inserção maciça das mulheres no mercado de trabalho, alterando o seu papel apenas cuidador para cuidador e provedor”, com “mudanças expressivas nos arranjos familiares”, mas, “no entanto, a legislação previdenciária não se alterou”; e sugeriu a criação de uma contribuição sazonal (única ao longo do ano) que seja compatível com o trabalho sazonal”.

111. Também proferiram palestras de rico conteúdo: José Márcio Camargo, da PUC-RIO, Aldaíza Sposati, da PUC-SP, Adolfo Jiménez Fernández, Secretário-Geral da Organização Ibero-Americana de Seguridade Social, Andréas Uhoff, da Cepal, Fábio Bertranou, da OIT (“Reformas da Previdência Social na Argentina e no Chile”), Vinícius Carvalho Pinheiro, da OIT, Clemente Glanz Lúcio, do Dieese, Mauro Eduardo Del Grossi, da UnB, , Peter Spink, da FGV, Heinz-Dietrich Steinmeyer, da Univ. Münster, Artur Henrique da Silva Santos, da CUT, Walter Ariel Ferrari, do Bco. Prev. Social do Uruguai, Guacira César de Oliveira, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), e Carlos Henrique Corseuil, Fábio Giambiagi, Fernando Gaiger da Silveira, Guilherme Delgado, Marcelo Abi-Ramia Caetano e Paulo Tafner, todos do Ipea.

c) a segunda fase do Fórum: debates e formulação de propostas

112. Na segunda fase, o Fórum foi instado a redigir propostas de medidas para a reforma da Previdência. Com esse objetivo, os membros titulares e suplentes, assessores e convidados, foram distribuídos em grupos, sendo o trabalho assistido por um “facilitador de debates”. Os trabalhos passaram a se desenvolver com acentuada lentidão e muitas divergências, algumas delas radicais. Foram organizados, informalmente, três grupos: trabalhadores, empregadores e Governo, mas, mesmo no seio deles, haviam divergências.

113. Na classe dos empregadores, os representantes da Confederação Nacional do Comércio (CNC) desempenharam um papel mais sensível em relação aos pleitos dos trabalhadores.  Por exemplo, defenderam que, em respeito ao direito adquirido, novas regras de aposentadoria só fossem aplicadas aos trabalhadores que ingressassem no mercado de trabalho após a entrada em vigor da nova lei. As outras entidades defenderam regras de transição. A CNC defendeu, pela mesma razão, os casos de acumulação de pensão e aposentadoria, como contrapartida de contribuições efetivas, e a volta ao trabalho do aposentado, que contribui sem contrapartida.

114. Assim, o Fórum concluiu os seus trabalhos sem que fosse obtido o pretendido consenso sobre questões relevantes, como o tempo de contribuição e os limites mínimos de idade para efeito de aposentadoria e o fator previdenciário, de modo a compatibilizar o Regime Geral da Previdência Social com a dinâmica do crescimento econômico, a distribuição da renda nacional e a nova expectativa de vida dos brasileiros. Contudo, ao final dos trabalhos, foi elaborada uma “síntese das atividades desenvolvidas”, com uma lista de numerosos pontos de consenso, arduamente alcançados, e dos pontos em que não houve consenso e declarações, em separado, dos trabalhadores, dos empregadores e do Governo.

115. O insucesso, inobstante os dedicados esforços do Ministro LUIZ MARINHO, que participou de diversos debates, tentando obter compreensão e consenso, pode ser imputado: a) à dimensão exagerada do Fórum, com cerca de 60 participantes com direito a voz e voto; b) à metodologia adotada, mais apropriada para assembléias de integrantes com os mesmos interesses; c) ao radicalismo de algumas posições, tanto dos trabalhadores, como dos empregadores; e d) sobretudo, à falta de uma proposta concreta, por parte do Governo, que orientasse e centralizasse os debates.

116. Contudo, a par da discussão sobre variados aspectos da questão previdenciária, o Fórum veio confirmar, por declarações do Ministro e pela palestra do Secretário HELMUT SCHWARZER, que, praticamente, todo o déficit, até então atribuído ao desequilíbrio entre contribuições e benefícios pagos, resulta dos subsídios ou “renúncias previdenciárias”, isto é, o pagamento a menor, por algumas classes, das contribuições à Previdência, em função de razões sociais ou econômicas, como o setor rural (R$ 28,5 bilhões), as empresas optantes pelo Simples (R$ 4,9 bilhões), os exportadores de produtos primários (R$ 1,85 bilhão), as entidades de benemerência social (R$ 4,19 bilhões) etc. (dados de 2006).

117. Em recente e substancioso artigo – Folha de S.Paulo de 2/12/07, o Ministro da Previdência, LUIZ MARINHO, confirmou esses dados e referiu-se a uma “nova contabilidade” das “renúncias previdenciárias”, enfatizando que, “aplicada a nova contabilidade, o déficit de 2006 foi de R$3,8 bilhões e a projeção para 2007 é de R$ 1,8 bilhão”.  Essa afirmativa encerra, a nosso ver, a imensa exploração sobre o tema “déficit da previdência”, que só se presta a afastar as atenções de todos para o déficit nas contas do Tesouro Nacional, devido aos juros da dívida pública e às despesas com a Administração “King Kong.

118. O Governo chegou a anunciar a expedição de um decreto, para dar o adequado tratamento financeiro e contábil à matéria, mas, como é comum na burocracia estatal, a medida esbarrou em alguma força oculta.

d) o Fundo do Regime Geral da Previdência Social

119. Lamentavelmente, o Fórum, não apoiou a implementação do Fundo Financeiro do Regime Geral da Previdência Social, de que trata o art. 250 da Constituição e o art. 78 da Lei da Responsabilidade Fiscal, a ser gerido com a participação dos próprios trabalhadores, ativos e inativos, dos empregadores e do Governo, à semelhança do que ocorre com o FGTS, hoje um fundo de espetacular sucesso, apresentando um superávit de cerca de R$ 36 bilhões.

120. O Fundo do Regime Geral da Previdência Social recolheria o total das contribuições pagas por empregadores e trabalhadores e receberia do Tesouro (à conta da receita da Cofins e CSLL) o ressarcimento pelos subsídios concedidos.

121. Além de dar maior transparência às contas da Previdência, o Fundo possibilitaria, a exemplo do que ocorre com o FGTS e os Fundos de Previdência Privada, a aplicação de suas disponibilidades no mercado financeiro, gerando novas receitas, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal.

122. Com o Fundo, as receitas da Previdência deixariam de transitar pelo caixa do Tesouro e o pagamento dos benefícios deixaria de ser entendido como despesa da União. E ficaria claro que a receita das contribuições pagas por empregadores e trabalhadores está vinculada, constitucionalmente, a uma destinação específica.  E também ficaria claro que a despesa com o pagamento dos benefícios não constitui despesa do Tesouro Nacional à conta da receita tributária. A despesa corre à conta das contribuições dos empregadores e dos trabalhadores.

123. Nessas condições, ainda ficaria mais claro que são despropositadas as costumeiras comparações da despesa relativa aos benefícios da Previdência Social, em sentido estrito, com o PIB nacional.

124. A participação do poder público resumir-se-ia a assegurar, no interesse da coletividade, a compulsoriedade dos pagamentos, à semelhança do que ocorre com as legítimas contribuições ao FGTS, ao “Sistema S” e às autarquias profissionais (OAB, CRM, Crea etc.) e com os seguros obrigatórios.

e) as medidas necessárias e urgentes

125. Finalizando, o Fórum propiciou um conjunto de propostas para o aperfeiçoamento e a sustentabilidade da Previdência Social.

126. Várias propostas, ainda que justificáveis, não se revelaram oportunas, na atual conjuntura, como, por exemplo, a redução do benefício assistencial ao idoso e ao fisicamente incapaz, hoje equivalente ao piso dos benefícios previdenciários, de modo a não desestimular a contribuição do trabalhador à Previdência Social.  

127. Não se revela urgente a elaboração e remessa, ao Congresso Nacional, de proposta de emenda constitucional, dispondo sobre os limites mínimos de idade e tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria dos trabalhadores que, doravante, ingressarem no mercado de trabalho. Isso porque o fator previdenciário desestimula as aposentadorias precoces.

128. Nessas condições, o Governo dispõe, agora, de uma soma imensa de dados e sugestões para adotar as medidas que se revelam necessárias e urgentes. Elas seriam, em resumo:

1º) a expedição de decreto do Poder Executivo, regulando a contabilidade do Sistema Previdenciário, especialmente quanto à fonte (Cofins e CSLL) dos recursos necessários para compensar as diversas “renúncias previdenciárias”, bem assim a forma e periodicidade (mensal) das transferências para a conta da Previdência (INSS);

2º) a elaboração e remessa, ao Congresso Nacional, de projeto de lei, para implementar o Fundo do Regime Geral da Previdência Social, com: a) gestão tripartite – Governo, trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas e empregadores; b) administração a cargo da Caixa Econômica Federal; c) fiscalização pelo Tribunal de Contas da União e Sistema de Controle Interno; d) aplicação, no mercado financeiro, das disponibilidades de caixa; e) transferência, para o patrimônio do Fundo, de outros bens da União, como previsto na LRF; e, f) cobertura, pelo Tesouro Nacional, com recursos da Cofins e CSLL, do déficit real ou residual da Previdência – cerca de R$1,8 bilhão, no corrente exercício;

3º) aperfeiçoamento da gestão administrativa, notadamente quanto ao controle das licenças para tratamento de saúde, quanto à cobrança da Dívida Ativa, quanto à administração do patrimônio imobiliário e quanto à agilização dos pedidos de benefícios; e

4º) adoção de medidas para reduzir a informalidade, hoje estimada, pelo Ipea, em 51,2% dos trabalhadores do País, que estão excluídos do sistema previdenciário.

129. De qualquer forma, a Previdência Social brasileira, um dos mais avançados instrumentos de amparo social e transferência de renda, em todo o Mundo, merece tratamento atento e racional.

Muito obrigado a todos pela atenção dispensada.

*Cid Heraclito de Queiroz é advogado, Consultor Jurídico da Presidência da Confederação Nacional do Comércio, ex-Procurador Geral da Fazenda Nacional (1979/1991). Palestra proferida na sessão de 11/12/2007 do Conselho Técnico da CNC.

 

Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n.3232 - 30/01/2008
 

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