Teor da decisão que cassou a
liminar e faz retornar o reg. alienação em Santa Catatina.
Agravo de instrumento n. 2007.009862-8, da Comarca da Capital.
Relator: Des. Substituto Jaime Luiz Vicari.
DESPACHO
Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo,
interposto pelo SINDICATO DOS OFICIAIS DO REGISTRO CIVIL, TÍTULOS,
DOCUMENTOS E DE PESSOAS JURÍDICAS E ESCRIVANIA DE PAZ DO ESTADO DE SANTA
CATARINA - SIDEROC, contra decisão do MM. Juiz de Direito da Unidade da
Fazenda Pública da Comarca da Capital.
Naquele Juízo, nos autos da "ação popular", movida por RYCHARDE FARAH contra
o ESTADO DE SANTA CATARINA, PAULO ROBERTO DIAS NEVES, o SECRETÁRIO DE ESTADO
DA SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA DO CIDADÃO, ELTON ALEXANDRE VELTEN FIEL e o
agravante, o i. Magistrado, em 24 de novembro de 2005, deferiu liminar,
suspendendo "os efeitos do Convênio n. 6719/05-9, a fim de que se cumpra o
art. 1361 do CC/02 e a Resolução n. 159/04 do Contran, ou, que não se exija
mais o registro dos contratos de alienação fiduciária, arrendamento
mercantil ou reserva de domínio junto aos cartórios de Títulos e Documentos,
para inscrição destes gravames no Detran" (fls. 26).
Posteriormente, em 07 de fevereiro de 2006, o mesmo e i. Julgador acolheu os
embargos de declaração opostos pelo agravado, "para que no dispositivo da
liminar conste mais o seguinte: 'Expeça-se ofício ao DETRAN/SC e ao SIDEROC
para colacionarem aos autos os documentos solicitados, descritos,
respectivamente, nas letras b.1 e b.2, do item 42, da inicial'" (fls. 102).
Irresignado com a prestação jurisdicional, o Estado de Santa Catarina, com
base no artigo 12, § 1º, da Lei n. 7.347/85 e no artigo 4º da Lei n.
8.437/92, pleiteou a este Tribunal, em 29 de novembro de 2005, a suspensão
da liminar proferida na actio popularis.
O Excelentíssimo Desembargador Anselmo Cerello, à época 1º Vice-Presidente
desta Corte, deferiu provimento liminar, argumentando, verbis: "em tempos de
demandas sociais crescentes, que exigem pronta e eficaz resposta do Poder
Público em face das necessidades prementes mostra-se extremamente
aconselhável a celebração de convênio que reverterá aos cofres estaduais
verba imprescindível à consecução de suas atividades, mormente quando
amparada em decisão judicial exarada pelos Tribunais Superiores" (fls. 98).
Em 09 de dezembro de 2005, o autor da demanda, Rycharde Farah, contrapôs
àquela decisão agravo interno, com base no artigo 4º, §§ 1º e 3º, da Lei n.
8.437/92, tendo este Sodalício, por maioria de votos, em 20 de dezembro de
2006, afastado a preliminar de extinção do processo e acolhido o recurso,
repristinando a decisão do Magistrado a quo.
Depois de o agravante comparecer, espontaneamente, aos autos em 08 de março
de 2007, e ser intimado da decisão liminar em 15 de março deste ano, o i.
Magistrado entendeu suprida a citação, nos termos do artigo 213, § 1º, do
Código Buzaid.
Já o postulante agravou da decisão que suspendeu a eficácia do Convênio n.
6.719/2005-9 em 19 de março de 2007, para sustentar a necessidade de
fundamentação dos provimentos jurisdicionais e a existência de "conteúdo
mínimo da decisão liminar nas demandas populares" (fls. 14).
Feito um resumo da situação fática exposta nos autos e demonstrados os
requisitos de admissibilidade do agravo, o recorrente, também, argüiu a
nulidade da decisão objurgada, por carente de fundamentação, vendo ali
suposta infringência ao artigo 93, inciso IX, da Lex Mater e ao artigo 165
do Código de Processo Civil.
Ressaltou que, embora "a demanda veicule a moralidade pública como causa de
pedir, o que, a juízo de alguns, dispensa a demonstração da lesividade do
ato impugnado, necessário se faz que tal seja considerado e cotejado pelo
prolator da decisão liminar" (fls. 17), requisito este não observado na
hipótese dos autos.
Concluídas outras reflexões, pleiteou a suspensão dos efeitos da decisão
objurgada e, ao final, o provimento do recurso, trazendo à consideração,
inúmeros excertos de jurisprudência, doutrina e a legislação que entendia
aplicáveis ao caso.
É o sucinto relato.
Os requisitos extrínsecos de admissibilidade estão presentes, pois o agravo
é tempestivo, está preparado e veio acompanhado dos documentos a que se
refere o inciso I do artigo 525, do Código Buzaid.
Ab initio, sobrelevo que o pedido de suspensão de liminar n. 2005.038734-7,
ajuizado pelo Estado de Santa Catarina, com base nas Leis 7.347/85 e
8.437/92, é uma medida de contracautela, pela qual se busca o sobrestamento
dos efeitos da decisão contrária a interesse público, todavia não obsta a
eficácia plena deste recurso de agravo, nem vincula o teor do seu
julgamento.
Para a interposição do agravo, na forma instrumental, o legislador passou
a exigir, após a alteração do caput do artigo 522 do Código de Processo
Civil pela Lei n. 11.187/2005, que o recorrente comprove a possibilidade de
vir a sofrer lesão grave e de difícil reparação.
Soa o aludido dispositivo:
"Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez)
dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de
causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de
inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é
recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento".
O exame acerca dessa lesão grave e de difícil reparação, contudo, deve ser
feito com a observância da presença ou não de um segundo requisito, qual
seja, o fumus boni juris, pois, a partir do momento que não se inferir a
verossimilhança das alegações do agravante, restará sedimentada, em cognição
sumária, própria desta fase de exame, o acerto da decisão interlocutória
proferida pelo Magistrado a quo e a parte deverá suportar as conseqüências
advindas do ato judicial recorrido.
Ora, como o próprio agravante aduziu, o sobrestamento do Convênio n.
6.719/2005-9 firmado entre o Estado de Santa Catarina e o Sindicato dos
Oficiais do Registro Civil, Títulos, Documentos e de Pessoas Jurídicas e
Escrivania de Paz deste Estado (SIREDOC) em 18 de maio de 2005 "redundou em
prejuízo financeiro", ao implicar "a imediata suspensão do recolhimento de
emolumentos referente ao pacto, indicados em sua cláusula sexta (folhas 43
dos autos – documento 06)" (fls. 21).
E acrescentou:
"De mais a mais, em agravo ao descompasso financeiro, os cartórios
extrajudiciais fizeram diversos gastos visando implementar o sempre
mencionado convênio, gastos estes que, com a manutenção da decisão agravada,
não poderão mais ser equacionados" [sic] (fls. 21).
A cláusula 6ª, itens I e II, do convênio anexado às fls. 76/80 é bastante
clara ao determinar que "a cobrança dos atos registrais [...] observará a
tabela de emolumentos estabelecida pela Lei Complementar 279, de
27/12/2004", porém "os Cartórios de Títulos e Documentos através do SIREDOC,
recolherão 20% (vinte por cento) dos valores recebidos em cada registro de
contrato de alienação fiduciária, ao Fundo para a Melhoria da Segurança
Pública, enquanto estiver vigente este convênio" (fls. 79).
Vale destacar que somente o Estado de Santa Catarina, no período de julho de
2005 a março de 2006, recolheu, com base nas estipulações do convênio, o
valor de R$ 4.648.334,92 e tinha como previsão, para o ano de 2006, a
arrecadação de R$ 7.071.273,06, quantia esta equivalente a tão só 25% dos
emolumentos cobrados pelos Cartórios de Títulos e Documentos, conforme o
disposto na cláusula 1ª do pacto inserto às fls. 76/80.
Logo, demonstrada a lesão grave e de difícil reparação a que está sujeito o
"Sindicato dos Oficiais do Registro Civil, Títulos, Documentos e de Pessoas
Jurídicas e Escrivania de Paz do Estado de Santa Catarina", ora agravante,
mostra-se prudente a manutenção deste reclamo na sua forma instrumental.
Cabe averiguar, de outra banda, se a fundamentação expendida é relevante e
verossímil, acarretando senão um juízo de certeza, de alta probabilidade de
êxito do provimento final.
Penso, com a devida vênia, que nesse passo, assiste razão ao postulante.
Na hipótese dos autos, o recorrente argüiu, em preliminar, a nulidade da
decisão objurgada, por ausência de fundamentação, conforme o artigo 93,
inciso IX, da Constituição Federal, e de "motivação jurídica idônea, posto
que não versou sobre o nó górdio do pleito liminar da demanda popular, qual
seja, a lesividade do ato hostilizado" (fls. 17).
Ora, as decisões judiciais necessitam de fundamentação para serem válidas e
eficazes, o que não se confunde com prolixidade, bastando sejam claras e
precisas, ao delinear os motivos que ditaram o provimento do Magistrado e
que o levaram a decidir desse ou daquele modo.
O provimento jurisdicional atacado, embora sucinto, não padece de nulidade,
pois o i. Magistrado a quo apontou as razões de fato e de direito que
motivaram sua decisão (fls. 26), mencionando expressamente os requisitos
necessários ao deferimento do mandado liminar.
Dessa forma, não se evidencia qualquer eiva de nulidade no provimento,
porque apenas a ausência absoluta de motivação é que pode autorizar a sanção
postulada.
O e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em acórdão da lavra do e.
Desembargador Trindade dos Santos, determinou, verbis:
"A fundamentação sucinta não corresponde, para os fins jurídicos, à ausência
de fundamentação. Assim, ainda que sucinta a fundamentação de determinado
provimento jurisdicional, não é ele gravado de nulidade por descumprimento
das imposições do art. 93, IX, da Magna Carta, se dela entrevê-se com
clareza as razões geradoras da decisão impugnada" (AI n. 98.005327-7, da
Capital).
Já, quanto à "motivação jurídica idônea", sobrelevo que o exame, ainda que
superficial, da preliminar confunde-se com o mérito do interlocutório
atacado, o que impede, obviamente, a declaração de quaisquer nulidades neste
capítulo do iter recursal.
Ainda assim, ressalto que a doutrina e a jurisprudência mais atualizadas
firmaram o entendimento de que, para a configuração do requisito de
lesividade à propositura da ação popular, bastaria tão-somente a violação ao
princípio da moralidade administrativa, que decorre, muitas vezes, da
própria ilegalidade do ato, condição esta, suficientemente, demonstrada nas
decisões de fls. 26 e 102.
Por outro lado, o desvio de poder da Administração, quando esta obedece,
formalmente, à lei, mas afasta-se do interesse público é há muito tempo tida
como uma espécie de ilegalidade, que enseja o cabimento da ação popular (In:
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2003. p. 108).
O Superior Tribunal de Justiça, em situação análoga, decidiu, verbis:
"PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PRESSUPOSTOS.
ILEGALIDADE.LESIVIDADE.
"1. A ação popular é meio processual constitucional adequado para impor a
obediência ao postulado da moralidade na prática dos atos administrativos.
"2. A moralidade administrativa é valor de natureza absoluta que se insere
nos pressupostos exigidos para a efetivação do regime democrático.
[...]
"4. Ilegalidade do ato administrativo que, por si só, conduz a se ter como
ocorrente profunda lesão patrimonial aos cofres públicos.
[...]
"9. 'O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para
cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a
invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por
se desviar dos princípios que norteiam a administração pública, dispensável
a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao
inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma que abarca não só o
patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o
cultural e histórico' (STF, RE 120.768/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de
13.08.99).
[...]
"11. 'Antes mesmo de promulgada a vigente Carta, o STF orientou-se no
sentido de que para cabimento da ação popular basta a demonstração da
nulidade do ato , dispensada a da lesividade, que se presume (RTJ 118, p. 17
e 129, p. 1.339' (Milton Floks, in "Instrumentos Processuais de Defesa
Coletiva", RF 320, p. 34).
"12. '... ultimamente a jurisprudência têm se orientado no sentido de que
basta a demonstração da ilegalidade, dispensada a da lesividade, que se
presume' (Luis Roberto Barroso, "Cadernos de Direito Constitucional e
Ciência Política - Ação Popular e Ação Civil Pública. Aspectos comuns e
distintivos". Jul - set. 1993, nº 4, p. 236).
"[...] (EREsp 14.868/RJ, rel. Min. José Delgado, j. em 09.03.2005).
Afasta-se pois, a prefacial.
De meritis, o agravante sustentou que a ordem liminar "é despida de base
jurídica idônea, tendo em vista que não declina – ratio scripta – os
elementos mínimos para sua perfeita conformação, indicados no artigo 1º da
Lei n. 4.717/65, conforme assinalado no item nº III.2.2" (fls. 19).
Embora a decisão objurgada não tenha referido a causa petendi da ação
originária, o deferimento da liminar implicou na suspensão dos efeitos do
Convênio n. 6.719/2005-9, firmado entre o Estado de Santa Catarina e o
"Sindicato dos Oficiais do Registro Civil, Títulos e Documentos de Pessoas
Jurídicas e Escrivania de Paz" deste Estado, além de impor que o registro de
todos os contratos de alienação fiduciária celebrados com as instituições
bancárias fossem realizados no DETRAN, conforme o artigo 1.361, § 1º, do
Código Civil, e não mais nos Cartórios de Títulos e Documentos, como obriga
a cláusula 1ª do acordo impugnado.
Com a devida venia do i. julgador a quo, Magistrado dos mais dignos e
operosos, de fulgurante capacidade intelectual e proficiência jurídica, a
suspensão dos efeitos da decisão vergastada é medida que se impõe.
A fundamentação jurídica exposta pelo autor da demanda, às fls. 37/51, parte
da interpretação literal do artigo 1.361 do Código Civil e dos artigos 1º e
4º da Resolução n. 159/04, do Conselho Nacional de Trânsito (COTRAN).
Nos termos do artigo 1.361, § 1º, da Lei Substantiva Civil, "constitui-se a
propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento
público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na
repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no
certificado de registro".
Entretanto, se não for realizada uma interpretação desta norma conforme as
diretrizes constitucionais (sobretudo, o disposto no artigo 236 da Lex Mater),
a legislação ordinária induz o exegeta a dispensar, na execução de alguns
serviços registrais, a intervenção do Cartório de Títulos e Documentos, além
de ordenar a sua substituição pelo órgão competente para o licenciamento do
veículo, qual seja, o Departamento de Trânsito.
Ora, não se pode negar que as atribuições do Cartório de Títulos e
Documentos, nas quais se encontra o registro de contratos de financiamento
com cláusula de alienação fiduciária (independentemente da natureza do bem
dado em garantia), fazem parte do conteúdo semântico a que se refere o
artigo 236 da Constituição Federal e o artigo 129, item 5º, da Lei n.
6.015/73.
Soa a aludida norma:
"Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos ,
para surtir efeitos em relação a terceiros:
Omissis...
5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou
não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de
promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária".
Em nosso sistema, toda a interpretação de qualquer norma assenta no
pressuposto da superioridade jurídica da Carta Magna sobre os demais atos
normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional,
nenhum ato jurídico e nenhuma manifestação de vontade pode subsistir
validamente se for incompatível com a Lei Fundamental.
A Constituição está situada no topo do ordenamento jurídico, servindo de
requisito de validade de todas as outras normas. Ora, essa rigidez
hermenêutica interage, em relação recíproca de causa e efeito, com outro
fenômeno que contribui para a primazia da ordem constitucional: a vocação
maior de permanência e estabilidade que acompanha a Lei Fundamental, em
contraste com a mutabilidade da legislação ordinária, conforme as lições de
Savigny, no século XIX, e de Hans Kelsen, no século passado.
John Marshall, lendário Chief of Justice da Suprema Corte Americana, ao
decidir o caso Marbury versus Madison, defendeu o respeito à Carta Magna e
lançou os fundamentos do juditial review. São suas palavras, verbis:
"Ou havemos de admitir que a constituição anula qualquer medida
legislativa que a contrarie, ou anuir que a legislatura possa alterar a
constituição por medidas ordinárias. Não há por onde se contestar o
dilema. Entre as duas alternativa não se descobre o meio-termo. Ou a
Constituição é uma lei superior, soberana, irreformável por meios comuns; ou
se nivela com os atos da legislação usual e, como estes, é reformável ao
sabor da legislatura. Se a primeira proposição é verdadeira, então o ato
legislativo, contrário à constituição, não será lei; se é verdadeira a
segunda, então as Constituições escritas são absurdos esforços do povo, por
limitar um poder de sua natureza ilimitável. Ora, com certeza, todos os que
têm formulado Constituições escritas sempre o fizeram com o intuito de
assentar a lei fundamental e suprema da Nação; e, conseqüentemente, a teoria
de tais governos deve ser que qualquer ato da legislatura ofensivo da
constituição é nulo" (Sem grifos no original) (In: FONSECA, Carlos. Técnica
Jurídica e Função Criadora da Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista de
Informação Legislativa, n. 75. jul./set. 1982 apud CASSONE, Vittorio.
Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Atlas. 1998).
Por outro lado, quanto à interpretação sistêmica do artigo 1.361, § 1º, do
Código Civil, valiosa é a contribuição doutrinária do i. jurista Hercules
Alexandre da Costa Benício:
"Em uma primeira análise, parece-nos que a interpretação tendente a
determinar o exercício de atividade eminentemente registral, como é o caso
do registro dos referidos instrumentos de propriedade fiduciária, em caráter
público é inconstitucional. Ademais, o art. 236, § 1º, da Constituição,
prevê que as atividades de registro serão fiscalizadas pelo Poder
Judiciário. A transferência da execução de serviço registral a um órgão ou
entidade vinculada ao Poder Executivo (como são os Departamentos de
Trânsito) inviabiliza a fiscalização da atividades pelo Judiciário, a não
ser que se afronte o princípio da separação de poderes" (In:
Responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Instituto de Registro Imobiliário
do Brasil (Co-edição), 2005. p. 95/96).
Vale ressaltar, a título de ilustração, que dois projetos de lei (n.
6.960/2002 e n. 7.312/2002) tramitam, no Congresso Nacional, objetivando
alterar vários dispositivos da Lei n. 10.406/02 e determinando,
expressamente, a constituição da propriedade fiduciária pela averbação do
contrato, que lhe serve de título, no cartório extrajudicial.
O e. Desembargador Nelson Schaefer Martins, ao prolatar, oralmente, o seu
voto no julgamento do "Pedido de Suspensão de Segurança", oposto pelo Estado
de Santa Catarina, com muita propriedade, sustentou, verbis:
"[...] há na doutrina brasileira o entendimento de Miguel Reale, de Moreira
Alves, de Maria Helena Diniz, dentre outros, no sentido de que a leitura e a
interpretação do art. 1.361 não é aquela que foi absorvida e incorporada
pelo Juiz da Vara da Fazenda. A interpretação do art. 1.361, segundo esses
doutrinadores, é de que se exige registro de todos os contratos de alienação
fiduciária nos cartórios respectivos, e quando se tratar de contrato de
alienação fiduciária envolvendo veículos, também a anotação no Detran. A
conjunção 'ou', que Vossas Excelências estão a identificar no § 1º do
dispositivo apontado, não deve ser interpretado literalmente, mas
sistematicamente, inclusive com o confronto em relação a outros dispositivos
da legislação extravagante, notadamente a Lei dos Registros Públicos e
Estatuto do Trânsito. Senhores Desembargadores, não é novidade que a
constituição de garantia real depende necessariamente do registro dos
contratos nos cartórios respectivos. Não se pode imaginar que a simples
anotação dos contratos de alienação fiduciária no Detran seja suficiente
para constituição da garantia de direito real. [...] O Código Civil não está
a derrogar dispositivos de outros diplomas que mencionei, porque tão somente
faz referência aos contratos de alienação fiduciária para aquisição de
veículos, no sentido da necessidade de se registrar também no Detran, mas
não exclusivamente no Detran [...]".
O cadastramento da existência dos veículos automotores (e não,
especificamente, o registro do contrato de financiamento que constitui a
propriedade fiduciária) é efetuado pelo DETRAN, mas representa apenas uma
atividade de natureza policial atribuída aos órgãos de trânsito,
conforme o disposto na Lei n. 9.503/97.
Ora, o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) não
comprova, de per si, a propriedade do veículo, pois a transferência de bem
móvel no direito brasileiro dá-se pela tradição; também não facilita a
localização de documentos, função precípua de um órgão registrador; nem dá
certeza quanto à data de inscrição ou aniquilamento do direito real de
garantia.
Logo, o mero licenciamento do veículo no órgão de trânsito não resguarda a
eficácia erga omnes do pacto que institui a propriedade fiduciária, nem
atende às exigências do artigo 1.361, § 1º, da Lei Substantiva Civil.
Conforme o Parecer n. 119/05, elaborado pela i. Procuradora do Estado, Dra.
Francis Lilian Torrecillas Silveira, "se, por um lado, a exigência da
anotação cadastral no DETRAN é uma política pública válida, ela não afasta a
necessidade legal do registro. Ao contrário: antes é dele dependente" (fls.
159).
Após esta breve, mas importante análise da quaestio, dessume-se que o
Convênio n. 6.719/2005-9, pactuado entre o agravante e o Estado de Santa
Catarina em 18 de maio de 2005, não evidencia indícios de ilegalidade, e têm
como fundamentação legal o artigo 236 da Lex Fundamentalis; o artigo 129,
item 5º, da Lei n. 6.015/73; o artigo 703, inciso V, do Código de Normas da
Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina; os artigos 1º e 2º da
Resolução n. 159/04 do CONTRAN; e o artigo 10 da Lei Complementar Estadual
n. 219/01.
Demonstrado o requisito de admissibilidade do artigo 522, caput, do Código
de Processo Civil, para a interposição do agravo de instrumento, e as
condições exigidas pelo artigo 558 do mesmo diploma legal, o processamento
do presente recurso nessa Corte de Justiça e o deferimento da tutela de
urgência são medidas que se impõem.
Por tais razões, admite-se o agravo na forma de instrumento e, nos
termos do artigo 527, inciso III, do Código de Processo Civil,
suspende-se os efeitos da decisão objurgada.
Cumpra-se o disposto no artigo 527, incisos V e VI, do Código Buzaid e,
após, à redistribuição, na forma do Ato Regimental n. 41/2000, com as suas
posteriores alterações.
Comunique-se à autoridade judiciária.
Publique-se.
Florianópolis, 30 de março de 2007.
JAIME LUIZ VICARI
RELATOR