A aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários

 

Por incrível que pareça, apesar do Código de Defesa do Consumidor ter sido aprovado faz mais de 15 anos, até alguns dias atrás, ainda se discutia sua aplicação aos serviços bancários ou, mais precisamente, aos contratos bancários. Note-se que a Lei n.º 8.078/90 (CDC), ao definir fornecedor diz expressamente no parágrafo 2.º, do artigo 3.º, que:

“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Apesar disso, no Judiciário existem mais de 120 mil ações versando sobre esta questão, em razão da relutância dos bancos em aceitar este mandamento legal. Contudo, considerando que a Constituição Federal, à época continha em seu artigo 192, dispositivo que limitava o juro real a 12% ao ano; como eles são o maior objeto de desejo dos bancos e o “calcanhar de Aquiles” da economia nacional, foram se perpetuando as discussões legislativas e judiciais. Sob o ponto de vista Constitucional, depois do sistema bancário conseguir que o Judiciário se manifestasse no sentido de que o artigo 192 (da CF) teria que ser regulamentado para poder ser aplicado - e isso nunca foi feito pelo Congresso -, a aprovação da Emenda Constitucional n.º 40 de 2003, começou a definir a questão com a eliminação do dispositivo que limitava os juros no país. Em paralelo, porém, nos processos judiciais cada vez mais as decisões foram se direcionando no sentido de determinar a aplicação do CDC em contratos bancários, deixando muito confusa a situação. Nesse contexto, esse panorama só foi definido quando em junho passado, finalmente, foi julgada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2591, proposta em 2001 pelo Conselho Nacional das Instituições Financeiras, que buscava a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo 2.º, do art. 3.º, do CDC. Por 9 votos contra 2, o STF decidiu, então, que o CDC deve ser aplicado a contratos bancários que se constituam em relações de consumo. No teor da decisão ficou consignado em votos de alguns Ministros que o controle e fixação de eventuais limites para juros, comissões ou qualquer outra forma de remuneração dos serviços bancários ou financeiros é incumbência do Conselho Monetário Nacional (conforme prevê a Lei 4595/64). Seguir esse posicionamento significa inferir que bancos e instituições financeiras, na prática, poderão praticar juros superiores a 12% ao ano, bem como, que as tarifas bancárias permanecem sob o controle do CMN, órgão tão cooptado e fraternal como estes agentes econômicos. Todavia, para os consumidores as vantagens da decisão são inúmeras, tais como:

a) dentre as mais significativas, o fato de haver o reconhecimento da vulnerabilidade (e, às vezes, até hipossuficiência) do consumidor frente ao fornecedor (banco). Com isso diversos direitos devem ser assegurados ao consumidor, incluindo a possibilidade de acontecer a inversão do ônus da prova em seu favor, o que aos poucos vinha se consolidando nos processos judiciais que discutiam questões relativas a contratos bancários, mas que agora não padece mais de discussão. O banco detentor do pleno domínio da técnica, das formas e dos documentos da relação de consumo, costuma ser muito mais aparelhado e apto para realizar a prova em questões relacionadas aos contratos bancários, o que leva a concluir que, mediante decisão judicial, pode ser o encarregado de ter o ônus de fazer a prova, algo que para o consumidor muitas vezes é impraticável;

b) a garantia de que nas cobranças de dívidas devem ser respeitas todas as cautelas estabelecidas pelo CDC, além da multa por inadimplência passar a ter redução para 2%, patamar muito mais justo diante da baixa inflação existente no país (com certos meses apontando até deflação);

c) a certeza de que está vedada a chamada venda casada, prática abusiva pelo qual o banco com a retórica de “parceria”, condicionava a prestação de um serviço à aquisição de outro pelo consumidor. Por exemplo: só concedia o financiamento do imóvel se o consumidor também contratasse algum seguro com ele (naturalmente pela tabela cheia), ou comprasse ações, ou fizesse aplicações;

d) com a aplicação do CDC ao contrato, fica indiscutível que o consumidor pode quitar antecipadamente suas dívidas ainda por vencer, obtendo a devida redução dos juros;

e) que o respeito às condições estabelecidas na contratação ganhará acréscimos de proteção para o consumidor. Tendo em vista o previsto no art. 51, inciso XIII, do CDC, existe para o banco o dever de respeitar o prazo da contratação, sem que ele possa alterar unilateralmente suas condições (ex.; sem qualquer irregularidade por parte do consumidor, reduzir o limite do cheque especial antes de findo o prazo contratual e sem comunicação ao correntista);

f) a certeza de que os bancos têm de fornecer ao consumidor, o conhecimento prévio e integral do contrato, não podendo mais alegar que ele esteja arquivado no cartório da cidade onde se encontra a sede da instituição bancária;

g) o fato de que a partir dessa decisão do Supremo Tribunal Federal, fica inquestionável a possibilidade de haver legislação estadual e municipal, no sentido de regrar aspectos do atendimento bancário, tais como a questão das filas.
Por derradeiro, retornemos a questão dos juros muitas vezes extorsivos praticados em determinados empréstimos bancários para consumidor, matéria que merece considerações especiais. Como já dissemos, deixou de existir o “tabelamento” constitucional em um máximo de 12% ao ano e a decisão do STF não adentrou a questão da limitação em si. Por outro lado, se observarmos atentamente, o CDC também não contém dispositivo limitando o porcentual de juros. Sua perspectiva é mais prática e se estabelece na forma de assegurar para o consumidor, o direito básico de poder contar com a possibilidade de haver a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6.º, V), com a coibição da prática abusiva de exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V) e com a nulidade das cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art, 51, IV).

Portanto, quando ingressarem no Judiciário, questões relacionadas a juros em contratos bancários caracterizados como relações de consumo, por certo, serão estas palavras-chaves que irão direcionar o conteúdo das decisões judiciais.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.


Fonte: Paraná On-line - 17/07/2006

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