Ronald A. Sharp Junior
O novo Código Civil unifica
parcialmente o Direito Privado e em seu Livro II, relativo ao Direito de
Empresa, denominado no anteprojeto Da Atividade Negocial, institui a
disciplina geral das sociedades, que correspondem à união de pessoas (universitas
personarum) com propósitos econômicos (art. 981), nisto se diferenciando
das associações, organizadas sem tais finalidades (art. 53).
Numa visão ampla, pode-se dizer que a unificação parcial do direito
privado acarretou as seguintes conseqüências: a) desaparecimento da antiga
figura do comerciante e surgimento da figura do empresário, não
necessariamente equivalentes, ao revés do que muitos imaginam; b)
estruturação de uma teoria geral das sociedade e do regramento das
diferentes espécies societárias; e c) unidade de tratamento dos contratos
e obrigações, eliminando-se a distinção até então existente entre os
direitos de crédito civis e mercantis.
Ao adotar a teoria da empresa, o novo Código Civil divide o exercício
habitual de operações econômicas em empresárias e não empresárias, assim
classificando as sociedades, especificamente quanto à natureza, em
empresárias e simples (art. 982 do NCC).
Entende-se por sociedade empresária aquela desenvolve atividade própria de
empresário, o qual é legalmente definido como "aquele que exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou
circulação de bens ou serviços" (art. 966). Trata-se da prevalência do
critério estrutural ou funcional, decorrendo a empresarialidade do modo
pelo qual é exercida a atividade econômica voltada ao mercado. A exceção a
tal sistema de caracterização se refere ao critério formal, que,
independentemente da estrutura operacional ou dos fatores produtivos
predispostos, considera empresária pela simples forma jurídica de
constituição, como sucede com as sociedades por ações (§ único do art. 982
do NCC).
A conceituação econômica do empresário e, por conseqüência, da sociedade
empresária exige, como leciona Rubens Requião, a organização dos fatores
da produção que se propõem à satisfação das necessidades do mercado geral
(Curso de Direito Comercial, 1º vol. 16ª ed., p. 47).
Para Fábio Ulhoa Coelho, "A empresa é atividade organizada no sentido de
que nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de
produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. Não é empresário
quem explora atividade de produção ou circulação de bens ou serviços sem
alguns desses fatores". (Manual de Direito Comercial, Saraiva, 13ª edição,
2002, p.13)
Ora, a holding pura (sem exercer outras atividades, a não ser o mero
controle de outras sociedades) somente tem uma atuação interna,
direcionada às relações mantidas com as sociedades controladas. Relações
internas e externas, são, com apoio em Tavares BORBA, as "que têm lugar
entre acionistas, destes para com a sociedade e ainda entre os
controladores e a administração da sociedade, enquanto as relações
externas são as que se desenvolvem entre a sociedade e os terceiros que
com ela contratam ou de alguma forma se relacionam." (Direito Societário,
8ª ed., Renovar, p. 508).
Por maior que seja o modo pelo qual organiza suas atividades, a holding
pura sempre se restringirá a uma face interna e as eventuais contratações
com terceiros também têm por mira produzir efeitos para a autuação no
âmbito interno das relações societárias, e não ao mercado.
Relembre-se que cada sociedade se define se qualifica por si, sendo
irrelevante a natureza de seus sócios. A sociedade e seus sócios, ainda
que por ficção jurídica, constituam realidades autônomas, individualidades
próprias, distinguem-se entre si em virtude da atribuição de efeitos
conseqüentes à personificação.
A discussão da natureza da holding pura chegou a ser travada no grupo de
estudos coordenado pelo Prof. Jorge Lobo, formado por advogados de
diferentes escritórios, onde, na reunião do dia 14.05.03, foram aportadas
as seguintes idéias:
Nestes casos, porém, ela (a holding) não tem uma face externa, voltada
para o mercado, não se adequando à hipótese do art. 966. Não produz bens
ou serviços, apenas age em interesse próprio.
Controlar, administrar a empresa pode ser considerado prestação de
serviços, por agregar valor à sociedade controlada, sendo a "holding"
sociedade empresária? Se prevalecer este entendimento, pode-se considerar
que todo sócio é empresário.
Do enquadramento da holding pura como sociedade simples resulta na sua
inscrição no cartório do registro civil de pessoas jurídicas (art. 1.150
do NCC) e na insubmissão à falência, mas ao processo de insolvência civil.
Em remate, a holding pura terá sempre natureza de sociedade simples, uma
vez que estará constantemente agindo como sócia, direcionando suas
atividades não ao mercado, mas para o âmbito interno caracterizado pelas
relações societárias, salvo se for constituída sob a forma de sociedade
por ações.
O autor: Ronald A. Sharp Júnior é professor da Escola da Magistratura e
coordenador do LL.M. do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, todos
no Rio de Janeiro.
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