1. DIREITO DE EMPRESA E OS NOVOS
CONCEITOS POSITIVADOS PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Por que, então, fazer esta digressão?
Primeiro, a fim de, de fato, chamar a atenção para os novos debates
que a legislação civil já instalou.
Segundo, para dizer que, mesmo aqueles
que se quedaram surpresos com a entrada em vigor da nova lei, ainda
não observaram que muitos dos seus conceitos são, efetivamente, novos,
ou seja, não se pode raciocinar em alguns pontos, levando-se em conta
os ensinamentos da legislação pretérita.
É exatamente este fenômeno que ocorre
com a inserção do direito de empresa na codificação civil.
Dois assuntos cruciais precisam, desde já, vir à baila. Primeiro, o
legislador, ao trazer o Direito de Empresa para o bojo do Código
Civil, e assim o fez no Livro II da Parte Especial, o que se pode
notar, logo após o Livro do Direito das Obrigações, assim agiu com uma
mensagem muita clara: a unificação das obrigações1. Não se
trata, de fato, da unificação do direito privado, como quis, e ainda
querem alguns, mas da centralização, por assim dizer, de um conjunto
de normas obrigacionais civis e empresariais. Em segundo lugar, também
é importante destacar que há de toda sorte uma autonomia didática do
direito de empresa. Não é pelo simples fato de ele estar inserido no
Código Civil que, como num passe de mágica, acaba o direito comercial.
Este continua com sua autonomia didática, mas com sede comum para as
questões civis e empresariais: o Código Civil.
Contudo, o que realmente justifica essas
noções iniciais é o fato de que, embora tenha-se criado toda uma
expectativa em torno do novo diploma civil, depois de se falar
exaustivamente sobre o assunto, só depois de ver sua real influência
no mundo prático, os operadores jurídicos se interessaram pelo tema.
Precisam, agora, não só se adaptar, mas estar abertos, como já
frisado, para novos conceitos, já debatidos pela doutrina e
jurisprudência, e agora positivados. É o que ocorre, por exemplo, com
o empresário e o não empresário e com a sociedade simples e a
empresária. São temas que, de fato, representam uma efetiva mudança e,
deste ângulo, precisam ser estudados.
Além disso, a mudança de terminologias,
ainda que de menor importância, como é o caso da supressão do
“sócio-gerente”, também precisa ser vista. Não pela questão
terminológica, conforme dito, mas pelos novos efeitos.
Um desses importantes efeitos são os
relacionados à figura do administrador na sociedade limitada, que pode
ser sócio ou não.
É, assim, com o escopo de demonstrar
estes dois temas, a distinção entre sociedade simples e empresária e a
figura do administrador, notadamente o não sócio, que se desenvolvem
os tópicos a seguir.
2. O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E O ROL DE PESSOAS JURÍDICAS DE
DIREITO PRIVADO
Para que se possa melhor ambientar o tema, é de mister partir do rol
de pessoas jurídicas de direito privado, observado no art. 44 do
Código Civil de 2002. Ali se verifica o seguinte: “São pessoas
jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades;
III – as fundações”.
Apenas para se fazer uma rápida referência, é importante notar que a
associação não se confunde com a sociedade, como parece mesmo
evidente, em face do rol colocado, porque naquela “não há fim
lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio,
formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins
culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais
etc”, como frisa Maria Helena Diniz2.
Ou seja, este aspecto é importante para se evidenciar, desde já, que
na sociedade, independentemente de ser simples ou empresária, não pode
haver fim lucrativo.
As associações têm natureza civil e são
personificadas pelo seu registro no Serviço Registral de Pessoas
Jurídicas, ou como é mais conhecido, nos cartórios de Registro Civil
de Pessoas Jurídicas, os quais, na maioria dos casos, no Brasil,
funcionam anexados aos cartórios de Registro de Títulos e Documentos.
Ali o interessado na constituição de uma associação deve levar o
estatuto aprovado pela assembléia e as atas de fundação, eleição e
posse da diretoria, para que se proceda ao registro e à conseqüente
personalização da pessoa jurídica, no caso, a associação.
O raciocínio aplicado às fundações não é diferente. São também
entidades sem fins lucrativos, entretanto não formadas por pessoas,
mas por um patrimônio especial que, após a personalização, é afetado
para que os fins da fundação sejam alcançados. Silvio de Salvo Venosa
destaca que “para a constituição da fundação há dois momentos bem
delineados: o ato de fundação propriamente dito, que é a sua
constituição emanada da vontade, e o ato de dotação de um patrimônio,
que lhe dará vida” 3. Realmente, o interessado, ou
interessados, em criar a fundação, primeiro emite a vontade, querendo
instituir a fundação, mas esta enfrenta um ato complexo, vale dizer,
não basta a vontade, há que se ter também um patrimônio destinado à
afetação e, ainda, o registro no cartório de Registro Civil de Pessoas
Jurídicas.
Normalmente, o que ocorre primeiro é a
elaboração do estatuto da fundação. Após este, deve-se fazer a
escritura pública de dotação de bens para a fundação. É esta escritura
que tem o condão de dotar de bens a pessoa jurídica agora estudada.
Tanto o estatuto como a escritura pública de dotação de bens devem ser
apresentados ao membro do Ministério Público competente – nas comarcas
maiores são os curadores das fundações –, para que seja elaborado um
parecer sobre a possibilidade de criação da referida fundação, nos
moldes desejados. Tem-se sugerido que, como a escritura e o estatuto
estão sujeitos ao crivo do Ministério Público, o melhor será levar à
análise do membro ministerial as respectivas minutas, pois assim há
economia de tempo e de dinheiro, no que concerne ao registro da
fundação. O risco de modificação dos documentos, posterior ao parecer,
não deve ser matéria de preocupação. É normal o parecer ser
condicional à manutenção do texto analisado e ao registro, tanto assim
que determina, após o registro por parte dos interessados, os
documentos devem ser arquivados no próprio Ministério Público.
Dessa forma, após ter em mão o estatuto,
com a escritura de dotação de bens e com o parecer, o interessado deve
levá-lo ao cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, para que
se proceda ao registro e à conseqüente personalização da fundação.
Essas colocações sobre associações e
fundações são meramente ilustrativas, para que se possa situar melhor
a matéria. O escopo, aqui pretendido, é o estudo das sociedades, como
visto, referidas no inciso segundo do art. 44.
No art. 44, o legislador apenas elencou
as sociedades, não fazendo menção mais específica ao tema, ainda ali
na Parte Geral do Código Civil. A sociedade só voltou a ser
contemplada no art. 981 e seguintes do mesmo diploma legislativo, em
que se encontra o seguinte: “Art. 981. Celebram contrato de sociedade
as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre
si, dos resultados”. Como se vê, desde logo, as sociedades,
diferentemente do caso das associações e fundações, têm um fim
econômico.
Sob a ótica do Diploma Civil de 2002, as
sociedades estão divididas em dois grandes grupos, por assim dizer, as
sociedades simples e as sociedades empresárias. A rigor, se está, com
isso, introduzindo, entre nós, a “teoria da empresa” do direito
italiano, que representa efetivamente mudança conceitual, à qual todos
devem se adaptar, sem estar vinculado à velha “teoria do ato de
comércio”, sob pena de não vislumbrar a real modificação realizada no
direito brasileiro.
A partir de agora, portanto, passa-se a
apresentar os balizamentos da teoria da empresa, afim de que se possa
fazer a distinção correta entre sociedades simples e empresárias,
entre nós. Para tanto, utilizar-se-á do conceito de empresário
individual, como corolário para se entender os novos aspectos. É o que
se passa a fazer.
3. EMPRESÁRIO E NÃO EMPRESÁRIO
Para se visualizar a distinção sugerida
neste tópico, deve-se partir da definição observada no “caput” do art.
966 do Código Civil. Com efeito, ali tem-se o seguinte:
“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços”4.
Primeiramente, é preciso se destaque a
intenção do legislador, no referido artigo, de acabar com a figura da
firma individual, introduzindo o conceito de empresário individual.
Vale dizer, aqui, trata-se do empresário de forma isolada, não reunido
com mais um ou alguns empresários, o que caracterizaria a sociedade
estudada em momento subseqüente.
Mas, quem, então, é o empresário, na
ótica legislativa atual? É aquele que exerce sua atividade de maneira
“organizada”. Embora a esta informação pareça não ter-se acrescido
nada de novo, é preciso se diga que o grande ponto diferencial entre
empresário e não empresário está exatamente no aspecto organizacional,
por isso o prestígio da palavra “organizada”.
É importante destacar que “organização”
não tem qualquer relação direta com o tamanho da atividade, com a
quantidade de empregados, com o capital envolvido, com o fato de a
pessoa comprar e vender mercadoria ou prestar serviço. Aliás, são
exatamente esses conceitos que devem ser alijados do nosso raciocínio
inicial, para que se possa entender o novo significado desejado pelo
Código.
O que é, então, organização? A palavra
“organizada” quer exprimir um sentido de organismo, como diz José Nadi
Néri, ao fazer referência às sociedades empresárias. Para este autor,
a atividade será “exercida através dessa forma organizada ou desse
organismo, e não diretamente pelos sócios, notando-se um
distanciamento com a notória aparência entre eles e a atividade”
5.
A noção transmitida pelo autor acima
citado parece traduzir facilmente o desejo do legislador de 2002.
Aquele que exercer isoladamente – se desejarmos primeiro o conceito de
empresário individual –, através de um organismo, sua atividade, é
considerado empresário. Ou seja, o organismo aqui se sobrepõe à idéia
de pessoalidade, de fazer a própria pessoa diretamente. Em vez de
assim se portar, cria uma organização, arregimentando pessoas,
trabalho, capital, matéria-prima, tecnologia. A realização da
atividade não é exercida diretamente pelo empresário. Este é quem
coordena, quem organiza os fatores de produção, quem dá as diretrizes;
por outro lado, quem aparece aos olhos de todos é o tal organismo
criado.
Este, entretanto, não pode ser
confundido com pessoa jurídica, pois o empresário pode ser pessoa
física ou jurídica.
Nesta ótica, não é empresário quem
exerce pessoalmente sua atividade. Aí está, na verdade, o conceito de
não empresário que, é bom se diga, não se restringe àqueles que
exercem profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística. Estes, por definição ou, melhor dizendo, por desejo do
Código Civil, não são empresários, a não ser que exerçam sua atividade
como elemento de empresa – através do citado organismo. Mas, a rigor,
não dá para se dizer, nem sequer para imaginar que um médico, um
cirurgião dentista ou um arquiteto, por exemplo, que atende seu
cliente pessoalmente, ainda que com a ajuda de uma ou duas pessoas –
secretária e enfermeiro, por exemplo – seja considerado empresário.
Onde está o organismo, elemento de empresa, que é o mais importante?
Nada impede, porém, que um só médico
crie um hospital, por exemplo. E aí, mais uma vez não dá para
acreditar que ele sozinho, sem o tal organismo, vá levar sua atividade
adiante. Certamente, não o fará tudo pessoalmente. Vale dizer,
contará, com efeito, com a ajuda de outros médicos, de mais
enfermeiros, comprará equipamentos para diagnósticos, investirá
capital, mas, como dito, não o fará pessoalmente, e sim, através de um
organismo. Nessa linha de raciocínio, o médico é, então, um empresário
na forma preconizada pelo Código Civil, pois sua atividade passa a ter
elemento de empresa6.
O que se pode e o que se deve concluir,
desde logo, é que não é a atividade da pessoa que definirá se ela é,
ou não, empresária. Sob a égide das leis anteriores, que prestigiavam
a teoria do ato de comércio, a preocupação com a atividade exercida
era importante, mas, agora, não mais.
A tarefa distintiva cabe ao “elemento de
empresa”, caracterizado no Brasil pelo caráter organizacional. O
legislador fez poucas exclusões nesse sentido, como é o caso dos que
exercem profissões intelectuais, de natureza científica, literária ou
artística, sem elemento de empresa; pois, se ainda assim tiver, serão
considerados empresários. Também é importante considerar que a idéia
antiga de comerciante deve ser afastada, como já se disse, pois
atividade mercantil não define nada. Na conformidade com o que foi
demonstrado, nada impede que um, digamos, “antigo comerciante” seja
empresário ou não empresário. Se exercer pessoalmente sua atividade,
não será, realmente, empresário. Se exercer sua atividade com elemento
de empresa, vale dizer, “organizando” capital, trabalho, tecnologia,
matéria-prima, e afastando-se da atividade pessoal para, digamos,
coordenar a “empresa”, na ótica focalizada nesta mesma linha, então
será empresário. Não adianta, sustentar que ele realiza atos de
mercancia, pois isto não tem valor definidor do ponto de vista atual.
Também é preciso se adaptar, aqui, à
figura da firma individual.
Como dito desde o início, sai a firma
individual, entra a figura do empresário individual ou não empresário
individual, que, dependendo da atividade, será chamado de autônomo.
Portanto, tem-se aqui a figura do
empresário e do não empresário, isoladamente, ou seja, sem “sócios”.
Parte-se agora para a análise da sociedade empresária ou simples; aí,
sim, com a participação de duas ou mais pessoas.
4. SOCIEDADE SIMPLES E SOCIEDADE EMPRESÁRIA
4.1. Conceito e aspectos distintivos
Como já foi assinalado, primeiramente
foi realizado o estudo sobre as figuras do empresário e do não
empresário, justamente para facilitar a compreensão do que se deve ter
por sociedade empresária e sociedade simples. Vale dizer, a primeira
preocupação foi a análise da figura do empresário ou não empresário
individual, como dito, que veio a extinguir a noção de firma
individual. Agora, o critério de análise passa a ser societário, ou
seja, não importa a pessoa isoladamente, mas sim, duas ou mais
reunida, obrigando-se reciprocamente a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre
si, dos resultados, como diz o art. 981 do nosso Diploma Civil.
A idéia, basicamente, parte de um
paralelo. Imagine-se uma linha divisória central em que, de um lado
estariam o empresário e a sociedade empresária e, do outro, o não
empresário – ou autônomo, como talvez se preferirá – e a sociedade
simples.
É importante destacar-se que o fim
lucrativo, que durante muitos anos quis nortear a velha distinção
entre sociedade civil e comercial, também não é importante. De fato,
não é a natureza lucrativa que diferenciará a sociedade simples da
sociedade empresária7, como já repetidas vezes fora
frisado. O aspecto importante é o organizacional.
Aliás, é também relevante notar que, ao
contrário do que se possa pensar, não há apenas mudança terminológica.
Ou seja, de início, muito se disse que a antiga sociedade civil seria
trocada pela nomenclatura de sociedade simples e, por outro lado, a
antiga sociedade comercial teria se transformado em sociedade
empresária. A rigor, esta colocação não tem procedência, pois, como
visto, se o critério é o da organização, tanto se pode ter a antiga
sociedade civil voltada para a prestação de serviços, como era, sendo
sociedade simples, como empresária. Na mesma ordem de idéias, pode-se
ter sociedade, antes tida comercial, sendo sociedade simples ou
empresária; pois, voltamos a dizer, o critério não é o da atividade
praticada, do objeto social, mas sim o do elemento de empresa, a
organização.
Em um dos melhores trabalhos publicados
sobre a matéria, Graciano Pinheiro de Siqueira afirma, com mestria, o
seguinte: “A teoria da empresa não se preocupa com o gênero da
atividade econômica; o que importa para ela é o desenvolvimento da
atividade econômica mediante a organização de capital, trabalho,
tecnologia e matéria-prima, que resulta na criação e na circulação de
riquezas” 8.
Ora, diante de todas essa colocações
iniciais, como então saber se a sociedade é simples ou empresária?
Aparentemente, o critério de distinção é fácil. Entretanto, como a
linha divisória entre as duas noções acaba se apresentando muito
tênue, na prática, a questão tem levantado dúvidas.
O que se deve observar, rigorosamente, é
o conceito de empresário individual, já estudado. De fato, o art. 982
do Código Civil aduz o seguinte: “Art. 982. Salvo as exceções
expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o
exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art.
966); e, simples, as demais”.
Como se vê, o conceito de sociedade
empresária passa pela idéia de empresário. Vale dizer, se os sócios de
uma determinada sociedade vão exercer seu objeto com elemento de
empresa, então, ela será considerada empresária. Se a sociedade, para
levar adiante seus objetivos, vale-se da noção de organismo, aqui já
discutida, então ela será uma sociedade de natureza empresária. Não
importa o objeto social, insista-se, mas sim a forma de exercer o
objeto social.
Por outro lado, o Código Civil se
utilizou do critério excludente para dar a noção de sociedade simples.
O que não for sociedade empresária, será simples. Ou seja, a sociedade
que não exercer seu objeto com elemento de empresa, será, então,
simples. Em outras palavras, e mais uma vez com apoio nos ensinamentos
de Graciano Pinheiro de Siqueira, “a sociedade simples é, em síntese,
a sociedade não empresária, ou seja, aquela sociedade que explora
atividade econômica de produção e circulação de bens e serviços sem
algum dos fatores de produção (capital, mão-de-obra, insumos e
tecnologia)” 9.
Fábio Ulhoa Coelho também caminha nesta
direção. Segundo o autor, “o que irá, de verdade, caracterizar a
pessoa jurídica de direito privado como sociedade simples ou
empresária será o modo de explorar seu objeto. O objeto social
explorado sem empresarialidade (isto é, sem profissionalmente
organizar os fatores de produção) confere à sociedade o caráter de
simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social
caracterizará a sociedade como empresária”10.
Todos estes aspectos significam que, se
os sócios exercem sua atividade diretamente, indo para a linha de
frente, se assim pudéssemos dizer, e levam adiante sua atividade, a
sociedade não pode ser tida como empresária. Se, por outro lado, os
sócios organizam sua sociedade, não exercendo seu objeto pessoalmente,
mas sim como “organismo”, então estarão exercendo atividade
empresária, na ótica do Código Civil de 2002.
Para melhor se visualizarem os conceitos
aqui discutidos, é importante tratar de alguns exemplos.
Primeiro o da própria sociedade médica, já largamente utilizado por
muitos autores, por ser, de fato, de fácil percepção. Alhures,
tratamos do médico isoladamente; é importante não confundir, pois,
aqui, vamos imaginar a presença de dois ou mais médicos reunidos em
sociedade. Consideremos, então, uma sociedade com dois médicos. O
número de sócios, é bom lembrar, não é caráter puro e diferenciador
das sociedades simples e empresárias, por isso vamos supor uma
sociedade com apenas dois médicos. Se os sócios exercem sua atividade
“pessoalmente”, por exemplo, numa clínica médica, ainda que com a
ajuda de algumas pessoas, a tal sociedade será simples. Por quê?
Porque, como dito, não se estará observando o elemento de empresa.
Os sócios estão agindo pessoalmente;
aliás, a clientela procura os dois médicos, vamos assim dizer, pelo
nome e prestígio de que gozam na sociedade, como profissionais
gabaritados. A escolha leva em conta, não um “organismo”, mas as
pessoas, e estas exercem seu objeto social pessoalmente.
Por outro lado, é provável que outros
dois sócios não queiram criar uma clínica, mas sim um hospital,
digamos. A hipótese já foi ventilada com uma só pessoa, isoladamente;
aqui, vale lembrar, estamos falando de sociedade. Os dois sócios,
certamente, não vão ter condições de levar a cabo seu objeto social,
pessoalmente. Não vão poder atender a todos os casos que surgirem no
“Hospital SOS”, por exemplo. Para tanto, eles precisarão, de fato, da
colaboração de mais pessoas, de outros médicos, especializados em
outras áreas, de enfermeiros, de fisioterapeutas, enfim, de organizar
mão-de-obra qualificada e especializada. Vão precisar, igualmente, de
investir capital, de comprar equipamentos, e, enfim, os dois sócios
médicos serão mais “empresários” do que propriamente “médicos”, como
diríamos vulgarmente.
Farão eles as vezes de uma peça importante num grande quebra-cabeça,
qual seja, o fazer a ligação de todos os fatores da produção do
serviço, para que este possa ser realizado. A este ponto, a clientela
não procurará o dr. José, digamos, mas sim, o “Hospital SOS”, o
“organismo” criado; e o fator “pessoal” cai, então, para dar lugar à
“organização”.
Para quebrar, definitivamente, a
barreira que existe entre a noção de teoria da empresa e dos atos de
comércio, vamos imaginar, mesmo, uma antiga “sociedade comercial”. Era
assim tida, porque sua principal atividade era, por exemplo, comprar e
vender livros, ou seja, vamos falar hipoteticamente da “Livraria
Folhas Ltda”. São dois sócios, também, nesta hipótese. Além deles,
trabalham na sociedade mais duas pessoas, um balconista e um ajudante
de entrega. Nesta sociedade, os dois sócios estão ali, vamos dizer,
frente à atividade; trabalham, por exemplo, um, no balcão de
atendimento, outro, no caixa, controlando os recebimentos e as
finanças. Ora, se analisarmos bem, estão eles exercendo
profissionalmente atividade econômica “organizada” para a circulação
de bens, como quer o art. 966 do Código Civil? Não, eles estão levando
adiante o objeto social, pessoalmente, sem organismo. Pode-se
perguntar: Mas a sociedade não é mercantil ou comercial? Na ótica
anterior, esse fator tinha relevância; na ótica atual, isto não
importa.
É o mesmo que analisar outra sociedade,
agora considerando o mesmo objeto, mas tendo em conta outro modo de
explorá-lo, como diz Fábio Ulhoa Coelho, já devidamente destacado.
Agora, os dois sócios constituíram a sociedade “Livraria Autores Ltda”.
Ambos contam com o auxílio de dez atendentes de loja, vendem livros
importados e, para isso, um deles passa boa parte do tempo viajando,
indo buscar novos fornecedores. A sociedade contratou, nesse caso, uma
pessoa para ser o caixa, ou tesoureiro, da sociedade, enquanto que um
dos sócios fica numa sala coordenando os fatores de produção que ali
se apresentam: a mão-de-obra, contato com fornecedores, escolha do
melhor investimento para a sua sociedade, ainda imaginando que o ideal
seria a colocação em sua loja de terminais de computadores capazes de
informação aos clientes sobre preço etc. Ou seja, é o empresário, o
mentor, o organizador desses fatores de produção. Nesse diapasão, a
sociedade será empresária.
Estes exemplos servem para frisar, mais
uma vez, e por mais cansativo que pareça, que a atividade mercantil
não é importante para distinguir a sociedade simples da empresária,
mas sim, o modo de exploração do objeto.
4.2 Sociedades Simples e Empresárias e
os tipos societários
Outro ponto relevante, neste assunto, diz respeito aos tipos
societários e à noção de sociedade simples e empresária.
A título informativo é importante
ressaltar que o Código Civil traz os seguintes tipos de sociedade:
sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita
simples, sociedade limitada, e as sociedades por ações, quais sejam,
sociedade anônima e em comandita por ações.
A impressão que se tem, inicialmente, ao
verificar o referido rol, no Código Civil, é a de que há uma espécie
de exclusão ou mesmo de um tipo societário autônomo, por assim dizer,
que exclui outro. Isto acontece notadamente em relação à colocação da
sociedade simples naquele rol.
A rigor, a idéia do legislador, quanto à
sociedade simples foi a possibilidade de se ter uma sociedade simples
pura, ou seja, sem se apoiar em nenhum outro tipo societário; e a
sociedade simples, levada a cabo por alguns dos tipos societários.
Assim, nada impede que se tenha uma sociedade simples em nome
coletivo, em comandita simples ou limitada. Na verdade, em face da
regra do parágrafo único do art. 982, a sociedade simples só não
poderá ser por ações. Quanto à sociedade simples, então, tem-se o
seguinte: ou será pura ou terá um dos tipos societários autorizados
por lei; normalmente, será uma simples limitada.
É importante reverberar, entretanto, que
o art. 1.055, § 2º, proíbe a contribuição de sócio que consista em
prestação de serviço, no caso das sociedades limitadas. Assim, não se
pode ter uma sociedade de capital e indústria se o tipo societário for
“limitada”. A regra também serve para as sociedades simples limitadas.
Por outro lado, é interessante verificar que, em se estando diante de
uma sociedade simples pura, há possibilidade de a contribuição se dar
em serviço, como se depreende do art. 1.006.
Quanto às sociedades empresárias, estas
podem se utilizar de todos os tipos sociais, evidentemente,
excluindo-se o de sociedade simples. Vale dizer, pode ser uma
sociedade em nome coletivo, em comandita simples, limitada, ou as
sociedades por ações que, como dito, sempre serão empresárias. Vale
frisar, entretanto, ser possível que uma sociedade empresária limitada
se utilize, subsidiariamente, das regras de sociedade simples.
4.3 Registro das Sociedades Simples e
Empresárias
Outra questão de relevo, ainda
considerando as sociedades simples e empresárias, diz respeito ao
aspecto registral. O Código Civil foi bastante claro quando
estabeleceu as regras para registro, no art. 1.150. Ali, determina que
as sociedades simples sejam registradas no cartório de Registro Civil
de Pessoas Jurídicas, e as sociedades empresárias levadas para o
Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais.
O assunto apresenta-se relativamente
fácil, mas tem gerado dúvida do ponto de vista prático: como saber se
há um empresário ou um não empresário, uma sociedade simples ou
empresária? Os critérios distintivos já foram apontados, cabe ao
próprio interessado escolher em qual das duas espécies se enquadram.
Não é competência do Estado, ainda que através de seus delegados ou
autarquias fazer um controle sobre a espécie societária.
Como muito bem destaca Graciano Pinheiro
de Siqueira, “caberá aos interessados a opção por qualquer das duas
formas associativas (sociedade simples ou sociedade empresária), não
havendo razão para o Poder Público, representado pelas instituições
incumbidas do registro público de uma ou de outra (Registro Civil das
Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial) criar qualquer obstáculo,
discutindo o motivo ou os fundamentos de ordem econômica dessa opção”
11.
Vistos alguns dos pontos relevantes
sobre as sociedades simples e empresárias, cabe, agora, analisar a
figura do administrador na sociedade limitada, seja ela simples ou
empresária.
5. SOCIEDADE LIMITADA E A FIGURA DO ADMINISTRADOR SÓCIO E NÃO
SÓCIO
O Código Civil de 2002, ao contrário do
Decreto 3.708/19, que regulava as sociedades limitadas no Brasil,
trouxe um regramento mais aprofundado sobre a figura do administrador
nas sociedades limitadas. Na verdade, deixa de ser usada a expressão
“sócio-gerente” para se fazer referência ao administrador.
O art. 1.060 do Código Civil assim se
encontra redigido: “Art. 1.060. A sociedade limitada é
administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou
em ato separado”.
Algumas considerações iniciais podem ser
feitas a partir do referido dispositivo. Primeiro, quanto ao número de
administradores. O Código Civil é claro quando diz que a sociedade
pode ter um ou mais administradores designados. Aliás, a regra é tão
evidente que, no parágrafo único do mesmo artigo, ainda se encontra o
seguinte: “A administração atribuída no contrato a todos os sócios
não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa
qualidade. Dessa forma, não há que se proibir a possibilidade de se
designar mais de um administrador, o que se ventila em alguns órgãos
registrais pelo Brasil, especialmente, nas Juntas Comerciais.” O
texto, além de claro, é óbvio: se está diante de uma sociedade
limitada grande, por exemplo, é claro que ela precisará de mais de um
administrador que poderá ser designado tanto no contrato como em ato
separado, como diz a lei. Em segundo lugar, não se pode confundir o
administrador com o gerente. O próprio administrador pode indicar
tantos gerentes quantos forem necessários para a realização do objeto
social. O que deixa de existir, como dito, é a figura do
sócio-gerente, que fazia as vezes do atual administrador.
Ponto importante, que deve ser
considerado, é a possibilidade de se ter o administrador sócio ou não
sócio. O art. 1.061, assim dispõe: “Art. 1.061. Se o contrato
permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de
aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver
integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização”.
É importante grifar, apenas, que o contrato deve ser expresso quanto à
possibilidade de se ter o administrador não sócio.
Assim, pode ocorrer o caso de os sócios
não desejarem levar adiante a administração da sociedade, ou seja, não
despontar entre eles um ou mais que queiram administrar a sociedade.
Se isto ocorrer, podem escolher um administrador não sócio.
Questão interessante é a de se saber
qual a relação guardada entre a sociedade limitada e o administrador
não sócio. Se considerássemos apenas o administrador sócio, não
haveria, evidentemente, nenhum questionamento, pois, sendo clara a
natureza associativa, evidentemente é um sócio. Em sendo, aliás,
sócio, sentirá mais de perto as angústias da administração; terá,
ainda que inconscientemente, maior cuidado, em regra, em seus atos de
administração.
Uma certa problemática aparece com a
hipótese do administrador não sócio. Ora, obviamente, já se está
afirmando: sócio, ele não é. Então, qual sua relação com a sociedade?
A legislação brasileira não deixa área de manobra para se visualizar
esta questão. A rigor, se não é sócio, deverá prestar serviço à
sociedade e, nesta hipótese, será contratado como empregado. Ou seja,
a relação entre o administrador não sócio e a sociedade limitada –
seja ela empresária ou simples – é de emprego.
Por ser, então, uma relação de emprego,
alguns pontos merecem realce, pois apesar do vínculo, estão sujeitos a
responsabilidades como se sócios fossem.
O primeiro aspecto que chama a atenção é
a possibilidade de o administrador não sócio ser atingido pela
desconsideração da personalidade jurídica. O art. 50 do Código Civil
de 2002 prevê o seguinte:
“Art. 50. Em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores
ou sócios da pessoa jurídica”.
Como se vê, a norma não restringiu os
casos de administração; de tal sorte que, se o administrador, ainda
que não sócio, praticar os atos adequados ao disposto no citado
artigo, ele certamente sofrerá os efeitos da desconsideração.
Realmente, o dispositivo faz menção genérica aos administradores, sem
se preocupar com os sócios, ou não, aliás de maneira correta, uma vez
que a intenção do instituto é a de proteger interesses de terceiros.
Na verdade, ainda que o administrador
não sócio guarde uma relação de emprego com a sociedade, ele poderá
sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica.
Questão também interessante é a que diz
respeito à inserção da teoria “ultra vires”, observada no art. 1.015,
parágrafo único, III, do Código Civil de 2002. Trata da
irresponsabilidade da sociedade por atos praticados pelos
administradores, mas estranhos ao objeto social ou aos negócios que
ela costuma desenvolver. Vale dizer, responsáveis serão os tais
administradores.
Se estamos fazendo referência às
sociedades limitadas, então o administrador pode ser não sócio e ser
considerado responsável por aqueles atos. Fábio Ulhoa Coelho explica
cristalinamente esta hipótese, ao iniciar sua explanação alertando
para o fato de que a sociedade deva estar sendo regida supletivamente
pela sociedade simples, já que o dispositivo supracitado encontra-se
inserido no regramento daquela. Para o mencionado autor, “pela teoria
‘ultra vires’, a pessoa jurídica só responde pelos atos praticados em
seu nome, quando compatíveis com o seu objeto. Se estranho às
finalidades da pessoa jurídica, o ato deve ser imputado à pessoa
física de quem agiu em nome dela” 12.
Mais uma vez, pode se dizer que,
independentemente de se ter um administrador sócio ou não sócio e se
configurando a hipótese prevista no art. 1.015, parágrafo único, III,
do Código Civil, o responsável será o administrador.
Fábio Ulhoa Coelho também ressalta que
“no tocante aos débitos enquadráveis como dívida ativa, de
natureza tributária ou não tributária (Lei n. 6.830/80, art. 2º), os
administradores, sócios ou não, respondem por inadimplemento da
sociedade limitada” 13.
Átila de Souza Leão Andrade Júnior
levanta uma questão interessante quanto ao tema aqui tratado, qual
seja, a hipótese de a sociedade não ter como cumprir sua obrigação
tributária. Deve-se observar que, no primeiro caso, a legislação
estava focalizada na hipótese de culpa do administrador; agora a
situação é outra: o administrador quer cumprir a obrigação tributária,
mas a sociedade não tem condições financeiras de o fazer. Para o
autor, “neste caso, o administrador é obrigado a relatar a todos
os titulares da sociedade ou órgão societário soberano, se houver, que
deverá deliberar, na forma do contrato social, sobre o tema e, na
conformidade da deliberação, instruir especificamente o administrador
a como agir no caso em tela”. E ainda completa o autor,
“destarte, fica assim exonerado administrador que assim proceda, de
responsabilidade solidária” 14.
Mais uma vez se ressalta que a hipótese
aqui tratada ocorrendo na sociedade limitada e havendo administrador
não sócio, este estará inserido em todos os comentários aqui
realizados, embora, como já dito, a relação seja de emprego.
Diante destas considerações, há ainda
que observar outro ponto de relevo. Vamos imaginar que há uma
sociedade limitada com quatro sócios.
Estes começam a verificar que a
sociedade atravessa uma má fase financeira.
O que fazem então: dois dos quatro
sócios, em alteração contratual, saem da sociedade, ou seja, deixam de
ser sócios, e são designados, depois disso, na forma estabelecida pelo
Código Civil, seja através da própria alteração, seja em ato separado
– percebendo um alto salário cada um – administradores não sócios da
sociedade. Nesta hipótese, havendo falência ou insolvência da
sociedade, os administradores não sócios que, como visto, guardam
vínculo empregatício, terão crédito privilegiado.
Certamente, o fato supracogitado não é
capaz de gerar um prejuízo de grande proporção, digamos, mas pode ser
utilizado como forma de ludibriar interesses de terceiros. O
Judiciário Trabalhista, especificamente, deverá estar atento a esta
hipótese, pois, sendo um ato planejado, realizado de má-fé, deve ser
repelido e desconstituído, com o fito de evitar prejuízos em relação a
outros empregados, por exemplo. Afinal, é importante lembrar, como
diversas vezes já disse o prof. Miguel Reale em suas entrevistas, que
os artigos 421 a 424 do Código Civil formam um verdadeiro preâmbulo
para os contratos no Brasil, e o contrato de sociedade, que também
está vinculado aos princípios sociais gerais em relação às
contratações, não pode servir para trazer desequilíbrio às relações
privadas.
6. NOTAS CONCLUSIVAS
Tendo-se em conta todas as considerações
levantadas no presente trabalho, e o que diz, ainda, o Código Civil
Brasileiro de 2002, pode-se chegar às seguintes conclusões:
a) São pessoas jurídicas de direito
privado no Brasil, de conformidade com o art. 44 do Código Civil, as
associações, as fundações e as sociedades. As duas primeiras não podem
ter finalidade lucrativa, dado que o fim lucrativo é ínsito às
sociedades, independentemente de serem simples ou empresárias.
b) Em vista do conceito de empresário
contido no Código Civil, qual seja, o de considerá-lo aquele que
exerce, profissionalmente, atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços, deve se levar em
conta que não é mais a atividade ou objeto social que determinará a
diferença entre empresário e não empresário. Na verdade, o modo de
organizar os fatores de produção, enfim, é o elemento que deve ser
prestigiado, afastando-se da teoria do ato de comércio. Vale dizer,
quem exerce uma atividade de maneira organizada, através de um
“organismo”, será tido como empresário. Quem realiza seus objetivos
sem organização, e esta noção transita necessariamente pela idéia de
realizá-los pessoalmente, é, então, considerado não empresário.
c) Em face da mudança de conceito em
relação ao empresário, passa-se a ter, no Brasil, o empresário
individual e o não empresário individual, ou autônomo.
d) Quando um ou mais empresários, assim
entendidos na forma do Código Civil de 2002, estiverem reunidos em
sociedade, esta terá natureza de sociedade empresária. Em sentido
contrário, quando os sócios realizarem seu objeto social sem o
“organismo”, será considerada sociedade simples.
e) O Código Civil manteve os seguintes
tipos societários: sociedade simples (pura), sociedade em nome
coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada,
sociedade em comandita por ações e sociedades anônimas. As sociedades
empresárias podem se revestir de qualquer um dos tipos societários
referidos, exceto o de sociedade simples, embora possa se utilizar,
subsidiariamente, de suas regras. As sociedades simples não podem se
organizar como sociedades por ações; entretanto, podem fazer uso dos
outros tipos societários, aparecendo, assim, na forma de sociedade
simples pura, sociedade simples em nome coletivo, sociedade simples em
comandita por ações e sociedade simples limitada.
f) As sociedades empresárias são
registradas nas Juntas Comerciais, e as sociedades simples, nos
cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Aos referidos
órgãos, não lhes cabe controlar ou policiar a espécie societária
escolhida pela parte, uma vez que devem se ater aos aspectos
intrínsecos dos contratos. Assim, quem escolhe a espécie societária
são os interessados, sem possibilidade de intervenção por parte do
órgão de registro.
g) Nas sociedades limitadas, é possível
a designação de administrador sócio e não sócio, desde que, no último
caso, o contrato social preveja tal hipótese.
h) Entre a sociedade limitada, seja ela
simples ou empresária, e o administrador não sócio, há uma relação de
emprego. Ainda assim, o administrador não sócio pode sofrer os efeitos
da desconsideração da personalidade jurídica, e pode ser
responsabilizado diretamente por gestão financeira fraudulenta, nas
hipóteses previstas na legislação.
REFERÊNCIAS
ANDRADE JÚNIOR, Attila de Souza Leão. Comentários ao novo Código
Civil: Direito das Sociedades. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Novo Código Civil: A unificação das
obrigações e o novo direito empresarial. Barueri: Manole, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.
Código Civil Italiano. Traduzido diretamente do italiano por Souza
Diniz. Rio de Janeiro: Record, 1961.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito de empresa no Código Civil de
2002: Teoria Geral do Direito Comercial de acordo com a Lei n.
10.406/02. 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
NÉRI, José Nadi. Sociedade simples e empresária. Revista RTD Brasil,
n. 144, abril de 2003, publicação do Instituto de Registro de Títulos
e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.
SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. O direito de empresa e o novo Código
Civil.
RTD Brasil, jan. 2003, n. 141, publicação do Instituto de Registro de
Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.
SILVA, Bruno Matos e. A teoria da empresa no Código Civil e a
interpretação do art. 966: os grandes escritórios de advocacia deverão
ter registro na junta comercial? Disponível em: www.rantac.com.br/users/jurista/art-966.htm.
Acesso em: 16 jan. 2003.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003.
v. 1.
NOTAS
1 Sobre esta temática cf.: Paulo Roberto Colombo Arnoldi.
Novo Código Civil – A unificação das obrigações e o novo direito
empresarial. Barueri: Editora Manole, 2002.
2 Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro.
18. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 212.
3 Silvio de Salvo Venosa. Direito civil. 3.ed., São Paulo:
Atlas, 2003, v. 1, p. 290.
4 Vale aqui fazer referência ao art. 2.082, do Código Civil
Italiano de 1942, que assim diz: “É empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada com o fim de produção
ou de troca de bens e de serviços”. Código Civil Italiano – Traduzido
diretamente do italiano por Souza Diniz. Rio de Janeiro: Editora
Record, 1961. Vê-se, a partir do dispositivo, a extensão da influência
sofrida pelo legislador brasileiro, ao adotar, entre nós, a teoria da
empresa. De fato, embora não use as mesmas palavras, o conceito de
empresário é rigorosamente o mesmo que se encontra hoje no art. 966,
“caput”, do Código Civil brasileiro.
5 José Nadi Neri. Sociedade simples e empresária. Revista
RTD Brasil, n. 144, abril de 2003, publicação do Instituto de Registro
de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil, p. 720.
6 Luiz Antonio Soares Hentz, que traz, aliás, um importante
trecho esclarecedor da matéria de Sylvio Marcondes, um dos autores do
anteprojeto do Código Civil na década de setenta, diz que “as chamadas
profissões liberais podem ser exercidas por empresários, desde que
organizadas em empresa, sujeitas, outrossim, às particularidades
inerentes a cada profissão” (Direito de empresa no Código Civil de
2002 – Teoria Geral do Direito Comercial de acordo com a Lei n.
10.406/02. 2.ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 27). A
propósito do assunto, os advogados, ainda que reunidos em sociedades,
não estão sujeitos ao regime do Código Civil de 2002, em face de norma
expressa trazida pelo Estatuto da OAB. Ou seja, não se pode falar em
advogado empresário, nem em sociedade empresária de advogados. Na
verdade, há um regramento próprio, que faz com que o advogado, deste
ponto de vista, tenha uma natureza jurídica própria, não prevista no
Código Civil, mas sim na legislação especial, Lei 8.906/94. Sobre o
assunto ver artigo de Bruno Matos e Silva. A teoria da empresa no
Código Civil e a interpretação do art. 966: os grandes escritórios de
advocacia deverão ter registro na junta comercial? In
www.rantac.com.br/users/jurista/art- 966.htm, pesquisado em
16/01/2003.
7 O professor Fábio Ulhoa Coellho faz questão de fazer
referência ao assunto, afirmando: “A distinção entre sociedade simples
e empresária não reside, como se poderia pensar, no intuito lucrativo.
In Manual de direito comercial. 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.
110.
8 Graciano Pinheiro de Siqueira. O direito de empresa e o
novo Código Civil. RTD Brasil, jan. 2003, n.
141, publicação do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de
Pessoas Jurídicas do Brasil, p. 704.
9 Graciano Pinheiro de Siqueira, op. cit., p. 706.
10 Fábio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 111
11 Graciano Pinheiro de Siqueira, op. cit., p. 706.
12 Fábio Ulhoa Coelho, op. cti., p. 163.
13 Fábio Ulhoa Coelho, op. cti., p. 163.
14 Attila de Souza Leão Andrade Júnior. Comentários ao novo
Código Civil – Direito das Sociedades. Rio de Janeiro: Forense, 2002,
p. 108.
O autor:
Rodrigo Toscano de Brito é advogado; Mestre e Doutor em Direito Civil
e Professor da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN). |