A aceitação jurídica da união estável
homoafetiva é um tema que tem sido muito debatido por toda a sociedade.
Enquanto no Congresso Nacional tramita a anos projeto de lei que reconhece
a união estável homoafetiva para fins civis, os tribunais vem se deparando
com número crescente de ações visando o reconhecimento da união para
efeito de direitos e obrigações, não só após a morte de um dos
companheiros, mas também para fins de divisão de bens após separação, uso
de planos de saúde e previdência e outros direitos hoje existentes para o
companheiro dentro de uma união estável heterossexual.
Se buscarmos os doutrinadores de renome encontrará inúmeros conceitos de
união estável, onde fica claro o entendimento que união estável é
constituída apenas quando o casal é formado por um homem e uma mulher.
Esse entendimento doutrinário é apoiado pela igreja, que pela primeira vez
conseguiu unir todas as suas dissidências entorno de um tema.
No congresso nacional o trabalho da bancada evangélica e católica é tão
intenso quanto a manifestação contra a então candidata Dilma Russef, após
sua declaração da intenção de legalizar o aborto no Brasil.
Mas a justiça brasileira vem alterando a aplicabilidade do conceito
doutrinário de família, muitas decisões tem servido de exemplo para, a
cada dia, mais companheiros homossexuais requeiram seus direitos, sejam
eles patrimonial ou afetivos.
Em 31 de outubro de 2002, o juiz da 2a Vara de Órfãos do Rio de Janeiro
concedeu a tutela definitiva do menor Francisco, filho da cantora Cássila
Eller, a sua companheira, Maria Eugênia Vieira Martins, constituindo um
marco na justiça brasileira, por se tratar da primeira decisão envolvendo
pessoas famosas do mesmo sexo, o que trouxe repercussão nacional.
Caso recente é o processo que tramitou na 2a Vara Federal de Juiz de Fora,
na qual o juiz Renato Grizotti Júnior determinou que o comando da 4ª
Região Militar passasse a pagar um terço da pensão por morte do capitão
Darci Teixeira Dutra a seu companheiro José Américo Grippi, com o qual
manteve união estável por 35 anos.
A Rede Globo reconhece a união homoafetiva estendendo planos de saúde e
previdências de seus funcionários aos seus companheiros.
A Receita Federal do Brasil reconhecerá, a partir desse ano, a união
homoafetiva para declaração de imposto de renda.
Muitos casos foram divulgados posteriormente e hoje, até mesmo segmentos
mais conservadores, como exército, estão sendo obrigados a aceitar, para
fins de direitos, a união homoafetiva.
No dia 23 de fevereiro de 2011 o STJ iniciou julgamento de sentença
proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconheceu a
união homoafetiva, findada após 10 anos, o companheiro recorreu àquele
tribunal para receber seu direito à divisão dos bens. O caso correu na
vara de família e o TJRS determinou a partilha dos bens nos moldes do
direito de família afirmando: “a união homoafetiva é fato social que se
perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal,
impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva
constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual
à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana”.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, fez relatório favorável ao
reconhecimento da união estável homoafetiva para afirmando “A ausência de
previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões omissas, ou,
ainda, calcadas em raciocínios preconceituosos, evitando, assim, que seja
negado o direito à felicidade da pessoa humana” ainda que “a negação aos
casais homossexuais dos efeitos inerentes ao reconhecimento da união
estável impossibilita a realização de dois dos objetivos fundamentais de
nossa ordem jurídica, que é a erradicação da marginalização e a promoção
do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação”.
A ministra teve seu voto seguido por mais 03 ministros e outros 02, Sidnei
Beneti e Vasco Della Giustina votaram contrário à relatora por entenderem
que uma interpretação infraconstitucional vai contra dispositivo expresso
da Constituição. Assim, a discussão sobre o tema ficaria a cargo do
Legislativo e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O julgamento foi suspenso e não tem data para decisão final, mas fica para
todos nós uma esperança de que seja reconhecida a união homoafetiva, da
mesma forma que já foi reconhecida a união estável heterossexual.
Esse reconhecimento tira da marginalidade da nossa sociedade milhares de
pessoas que são reconhecidos como cidadãos, para efeito de direitos
individuais, mas vivem com páreas quando trata-se da sua opção sexual.
Ora se a Constituição Federal a família, não podemos interpretá-la como se
previsse os direitos apenas de um tipo de família. Vivemos em uma
sociedade onde a família pode ou não ter pluralidade de pais e esses
mesmos pais podem ou não ser do mesmo sexo. Se somos todos cidadãos
devemos ter os mesmos direitos e obrigações, independente de sexo, credo
ou cor.
Essa discussão faz parte da modernização do direito, para atender aos
anseios da sociedade. Se verificarmos a história do direito brasileiro
vamos ver várias passagens semelhantes; direito da mulher ao voto;
reconhecimento de filho fora do casamento; adoção de crianças por pessoa
solteira; dentre outros. A medida que a sociedade evolui, ela obriga o
direito a modificar suas doutrinas e decisões, afim de garantir que nenhum
cidadão fique à margem da sociedade onde vive.
Vanuza de Cássia Arruda
Presidente do IRTDPJMinas |