O Decreto 3.000 de 26/03/99
(artigos 150 e seus parágrafos 1º e 2º), equipara a firma individual a uma
pessoa jurídica, e na sua estrutura, viabiliza a existência da firma
individual comercial, da firma individual prestadora de serviços e
esclarece que a mesma não se confunde com a figura do autônomo.
Na firma individual encontramos a orquestração de alguns elementos
produtivos para a produção ou circulação de bens ou de serviços, enquanto
que o autônomo não deve ser confundido, pois este, conta apenas com a sua
profissão, não organizando uma estrutura produtiva para o exercício de
suas atividades.
Como exemplo, para diferenciar o autônomo de uma firma individual
prestadora de serviços, podemos citar uma creche, onde a pessoa organiza
os meios e contrata auxiliares para cuidar das crianças ou um contador que
abre uma auto-escola, contrata pessoal e fica apenas cuidando da
administração do negócio, ao passo que, como autônomo, este contador
apenas iria exercer a sua profissão, normalmente, usando como sede a sua
residência.
Com o advento do novo código civil, e o conseqüente ingresso da teoria da
empresa no direito pátrio, desaparece a classificação de firma individual
comercial e prestadora de serviços. Deixamos de ter a antiga distinção
pelo objeto, ou seja, civil e comercial, e passamos a ter a principal
distinção pela estrutura e a segunda pela presença do exercício de
atividade intelectual, técnica, científica, artística ou literária como
atividade fim.
O caput do artigo 966 do código civil, informa que para ser enquadrado
como empresário (firma individual empresária), o individuo tem que exercer
sua atividade com habitualidade, objetivando o lucro e ter organização. A
organização é o grande elemento de distinção, já que é natural que a
atividade seja exercida com habitualidade, ou profissionalidade, e esteja
objetivando o lucro.
Tendo a Teoria da Empresa surgido dentro da Economia e depois sendo
emprestada ao Direito, precisamos fazer uma incursão na leitura
especializada, onde encontramos, com o endosso de juristas como Fábio
Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial, ed. Saraiva, 14ª edição,
pág.13), entre outros, a afirmação de que organização é a articulação,
pelo empresário, dos quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra,
insumo e tecnologia, sendo necessário a presença desses quatro elementos
em caráter estável e não embrionário.
Um segundo aspecto é o encontrado no parágrafo único do art. 966 do Código
Civil, que determina não ser empresário quem exerce atividade intelectual
de natureza científica, artística ou literária como atividade fim, e neste
caso, mesmo que tenha organização.
Não há a figura do empresário se a atividade não for exercida através de
uma coordenação estável dos quatro elementos de produção, nem se tiver
como fim atividade intelectual, técnica, científica, artística, literária,
e neste caso, estaremos diante da firma individual simples, que pode ter,
por exemplo, uma finalidade intelectual e juntamente uma atividade
comercial como: criação, desenvolvimento e venda de equipamentos
eletrônicos feitos por um engenheiro eletrônico ou uma atividade não
organizada como uma pequena creche ou um pequeno comércio.
Desta forma, fica claro que a firma individual simples é realmente
existente, possui amparo no Código Civil, na Lei Complementar 123/06, no
Decreto 3.000/99 e não deve ser confundida com a figura do autônomo,
quando a preocupação é de ordem tributária, nem com a do empresário.
É importante observar que as antigas firmas individuais comerciais, em
grande parte, serão transformadas em firmas individuais simples e não em
empresários, por não terem os quatro fatores de produção acima
apresentados, ou terem de maneira incipiente, devendo, portanto, migrar
seus registros das Juntas Comerciais para os RCPJ.
A Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, através de
ato de 14/06/1999, publicado no D.O.E.R.J.- Poder Judiciário em 16/07/99,
do Exmo. Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. Gilberto Campista Guarino em
decisão no processo 98-74223, corrobora o parecer do Desembargador do
Tribunal de Justiça do R.J. Dr. Eduardo Sócrates, no sentido de que os
Registros Civis de Pessoas Jurídicas tem competência para registrar firmas
individuais. Este pronunciamento embora tenha sido feito no antigo
sistema, é perfeitamente aplicável ao atual, conforme podemos observar:
“Despacho: A firma individual de natureza civil não foi contemplada da
Lei com disposição expressa atribuindo à Junta Comercial competência para
seu registro. Sobre o assunto, comenta Eduardo Sócrates Castanheira
Sarmento:“É certo que a firma individual que não explora o ramo industrial
ou comercial, de qualquer tipo, exerce atividade civil, de múltiplas
facetas tais como clínicas médicas, odontológicas, escritórios
imobiliários, de contabilidade, engenharia, arquitetura, auditoria etc.,
entre outros, para citar apenas as mais comuns.
Parece-nos que firmas deste tipo hão que ser registradas no Cartório de
Pessoas Jurídicas, preferentemente a sê-lo nas Juntas Comerciais, já que
não praticam ato de comércio”. Com razão o autor, uma vez que a firma
individual de fins civis é expressamente reconhecida pela nossa
legislação.
Segundo a Lei nº 6.015/73, artigo 114, I, “os contratos, os atos
constitutivos, o estatuto ou compromisso das sociedades civis, religiosas,
pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das
associações de utilidade pública, serão inscritas no Registro Civil das
Pessoas Jurídicas”.
Portanto, por analogia se conclui, que se as sociedades civis são
inscritas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, conseqüentemente as
firmas individuais de natureza civil, não contempladas na Lei dos
Registros Públicos, nem no Código Comercial, terão seu registro inscrito
no mesmo cartório que aquelas.”
Em mesmo sentido, se manifestou o eminente professor José Edwaldo Tavares
Borba, nas páginas 28 e 29 de parecer emitido em 07/07/2003, que em resumo
esclarece que a firma individual deveria contar também com um órgão de
registro assim como o empresário individual e, este órgão seria,
naturalmente, o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Houve uma omissão do
legislador a ser suprida pelo intérprete, através dos processos de
integração da norma jurídica (art. 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil), cabendo aplicar a analogia, com base no paralelismo que identifica
a sociedade empresária com o empresário individual e a sociedade simples
com a firma individual não empresária. Concluindo que esta firma
individual deva se registrar no Registro Civil de Pessoas Jurídicas,
inclusive estando apoiadas na precedente decisão acima transcrita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A "firma individual simples" embora presente na legislação, não recebeu um
nome, como ocorreu no caso do empresário.
Encontramos por um paralelo: Sociedade Empresária / Empresário,
Sociedade Simples / (nome legalmente não definido e que passamos chamar
"firma individual simples").
A "firma individual simples" no Código Civil:
1º) no parágrafo único do art. 966 do Código Civil (quem mesmo com a ajuda
de colaboradores exerça atividade intelectual, artística, científica,
literária);
2º) o próprio art. 966 (aquele que não possui organização empresarial);
3º) no art. 971 (o produtor rural que opta em não se equiparar a
empresário registrado nos Registros de Empresas).
Implicação direta do não registro:
1º) o art. 150 e seus parágrafos do Decreto 3000/99 (Regulamento do
Imposto de Renda), lido sob a ótica do atual Código Civil, reconhece a
firma individual tanto de exercício empresarial (empresário) como de
exercício não empresarial ("firma individual simples") para fins de
equiparação à pessoa jurídica. Como conseqüência, ou as pessoas não gozam
deste benefício ou são obrigadas a fazer uma falsa declaração nos
Registros de Empresa, se declarando empresárias, mesmo tendo o Código
Civil determinado, de maneira expressa, que não são empresárias.
2º) A Lei Complementar 123/06 (lei geral da microempresa e da empresa de
pequeno porte) concede vários benefícios, além dos tributários, como
facilidade em financiamentos e facilidade de acesso à justiça, o que
atualmente só está sendo possível para quem registra uma pessoa jurídica
ou se declara empresário.
Desta maneira, precisa-se garantir a ordem jurídica admitindo o registro
das “firmas individuais simples” nos Registros Civis de Pessoas Jurídicas
e registrando nos Registros de Empresa apenas quem é legalmente
considerado como empresário.
O Autor: Jalber Lira Buannafina é Oficial Substituto do Registro
Civil de Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro, pós-graduado em Direito
Tributário e Direito Constitucional e professor da Universidade Federal
Fluminense.
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