Por Carlos Alberto Etcheverry,
Desembargador, integrante da 13ª Câmara Cível do TJRS
Há algum tempo abordei[1] uma das tantas taxas que, sob os mais variados
nomes,[2] tem sido cobrada pelas cada vez mais lucrativas instituições
financeiras nacionais: a taxa de abertura de crédito, tão popularmente
conhecida como TAC que alguns contratos usam só a sigla.
Expus, então, as razões pelas quais a sua cobrança é ilegal. Em primeiro
lugar, jamais se viu algum contrato bancário que, além de discriminar o
seu valor – inicialmente inexpressivo, hoje atingindo a casa dos mil reais
-, também dissesse a que título ela é cobrada. Nem seria preciso,
justamente por essa razão, qualquer análise sobre a sua abusividade
propriamente dita: antes de mais nada, por não se discriminar com precisão
que serviço visa remunerar, ela é inexigível do consumidor porque, neste
particular, o contrato foi redigido “de modo a dificultar [mais
precisamente, o que é ainda pior: a impossibilitar] a compreensão de seu
sentido e alcance.” (art. 46 do Código de Defesa do Consumidor)
Entretanto, em homenagem ao poder que as instituições financeiras têm
nesta infeliz república – afinal, se não legislam, pelo menos financiam
generosamente as campanhas eleitorais de muitos legisladores -, supondo-se
que seja legítimo afastar a incidência da norma legal imperativa
mencionada acima, exigindo-se do consumidor que exercite sua faculdade
divinatória, ainda assim a ilegalidade continuaria existindo.
O candidato ao crédito só poderia pensar, num primeiro momento, que a taxa
de abertura de crédito remunera o banco pelo serviço de conceder o
crédito. Mas – pensaria - isto não é possível, pois conceder crédito não é
um serviço: é negócio, e já remunerado pelos juros, cujo cálculo engloba a
cobertura dos custos de captação dos recursos emprestados e as despesas
operacionais, assim como o risco envolvido na operação. Falta causa
juridicamente aceitável para a cobrança, portanto, que se caracterizaria,
assim, como acarretadora de excessiva onerosidade para o consumidor, o que
é vedado pela lei (art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor). A não
ser assim, o que impediria um profissional da área médica de cobrar, além
da consulta, uma tarifa indenizatória do tempo dispendido com o
atendimento e/ou diagnóstico (que poderia atender pela abreviatura TITDCAD)?
Descartada essa hipótese, o consumidor tenderia a pensar noutra: a TAC
cobre os custos com a consulta ao cadastro de devedores inadimplentes
contratado pelo banco, a análise cadastral propriamente dita, a elaboração
do contrato e a coleta de sua assinatura. Mas não pode se tratar disso
também, logo concluiria: são despesas inerentes ao negócio, feitas no
interesse exclusivo do banco, que com elas deve arcar sozinho, da mesma
forma que nem passa pela cabeça do médico cobrar pela folha do
receituário.
E, de qualquer forma, não justificariam a cobrança de quantias na casa das
centenas de reais. A consulta a cadastro, por exemplo, não deve custar
mais do que uns poucos reais; o analista da ficha cadastral é um
assalariado que não recebe por tarefa e o contrato não passa de um
formulário, com alguns campos em branco que podem ser preenchidos em
poucos instantes.
Não sobraria, como se vê, nenhum motivo legalmente aceitável para a
cobrança da TAC. Tudo não passaria de mais uma demonstração da
engenhosidade das instituições financeiras em maquinar formas criativas de
extorquir mais dinheiro dos seus clientes.
Disso tudo se apercebeu também o Ministério Público Federal, que há poucos
meses notificou o Banco Central a expedir resolução atinente à extinção da
TAC e de outras taxas ou tarifas abusivas.
Tendo esse elogiável órgão também aberto inquérito civil público para
apurar essas cobranças abusivas, poderá contar agora mais elementos para
esclarecer porque o encargo aqui analisado, além de ser completamente
ilegal, tem apresentado valores estratosféricos nos últimos tempos, pois
este assunto foi objeto de artigo publicado na Folha de São Paulo do dia
04 do corrente, cuja leitura é muito elucidativa:
“Um vendedor da Mitsubishi, que preferiu não se identificar, diz que a TAC
é parte da comissão de venda dos funcionários.
“Quando vemos que o cliente está muito empolgado e não irá reparar nas
taxas, ‘jogamos’ a TAC lá no alto”, conta.”
Como se vê, o consumidor é miseravelmente enganado, de forma a não saber
que ele, e não quem contratou o intermediário do financiamento, está
pagando a comissão do vendedor, pois esta informação não consta do
contrato. Se soubesse, com certeza não iria suportar esse achaque
pacificamente.
Essa significativa e proposital omissão, contudo, enquadra-se à perfeição
na figura penal do estelionato, prevista no art. 171, caput, do Código
Penal, pois implica “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, crime cuja prática é punida
com pena de reclusão de um a cinco anos e multa.
Nada disto estaria acontecendo, evidentemente, se o Banco Central, que tem
também o dever de zelar pelo interesse dos consumidores, não estivesse
mantendo sua proverbial postura de omissão. Ciente destes fatos – por lá
deve haver quem leia jornais e se interesse pelo que os bancos estão
fazendo -, seria a hora de demonstrar um pouco mais de interesse pela
defesa da economia popular, quando menos no interesse de sua reputação.
(*) E.mail: cae1@etchever.net
...................
[1] “Taxa de abertura de crédito, mais um abuso”:
http://etchever.net/xx/modules/smartsection/item.php?itemid=3&keywords=abertura+cr%E9dito
[2] Tarifa ou comissão de abertura de crédito, comissão de operações
ativas etc. |