O Código Civil em vigor, por
infeliz erro de redação, tornou o registro do contrato de alienação
fiduciária de veículos “facultativo”. A conjunção “ou”, incerida pela
Emenda 146, na redação do § 1° do art. 1.361 do CC, comprometeu todo o
contexto do referido parágrafo. Contudo, alguns Estados brasileiros já
sanaram esse “equívoco”, como é o caso Rio de Janeiro, Distrito Federal,
Alagoas e Paraíba, tornando o registro nos cartórios de Títulos e
Documentos obrigatório para a constituição da garantia real.
Restou provado o dano causado ao cidadão, dado o fato do registro do
contrato no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor é
imprescindível para a constituição jurídica da propriedade fiduciária,
acabando com a vulnerabilidade do negócio contratado.
A doutrina atual está consolidada, através de corrente dominante nesse
sentido, que conta com renomados seguidores, dentre eles, Dr. Joel Dias
Figueira Jr., Prof. José Carlos Moreira Alves e o relator do Código Civil,
Deputado Ricardo Fiúza.
O Dr. Joel Dias Figueira Jr., um dos colaboradores da obra CÓDIGO CIVIL
COMENTADO, 1° edição – 2003, sob a coordenação de Ricardo Fiúza, que foi o
Relator do Código Civil, doutrinou de forma reluzente sobre o art. 1.361,
expondo que:
“Para que a propriedade fiduciária constitua-se juridicamente, isto é,
seja hábil para gerar seus efeitos no mundo do direito, faz-se mister,
impreterivelmente, a observância dos requisitos contidos no § 1° do art.
1.361. Todavia, constata-se um sério equívoco, no texto do aludido
parágrafo, que compromete alguns dos efeitos caracterizadores da natureza
real do próprio instituto, pois em se tratando de veículo automotor,
diante do emprego da conjunção “ou” utilizada inadequadamente, ficaria
excluído o registro do contrato no Cartório de Títulos e Documentos ,
contentando-se a norma coma simples inscrição na repartição de trânsito
competente para o licenciamento, com as anotações de praxe no certificado
de registro do automóvel (§ 1° in fine).
Sem dúvida, essa não foi a vontade do legislador e, por
conseguinte,não é a “mens legis”, tudo levando a crer que não passou de um
lamentável erro de digitação que acabou passando despercebido por todos,
durante as intermináveis fases de revisão). Basta que lancemos os
olhos para a Lei de Registros Públicos (arts. 127 a 131) quando trata do
registro de títulos e documentos e transcrição dos respectivos
instrumentos particulares. Sem nenhum sentido, sobretudo em sede de
direitos reais, a prática de um negócio jurídica dessa ordem voltada à
concretização da propriedade fiduciária, realizada à margem do Registro de
Títulos e Documentos.” (grifo nosso)
O Prof. José Carlos Moreira Alves, analisando o art. 1.361, passa a
considerar a propriedade fiduciária a partir do seu arquivamento, no
Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, do contrato
celebrado por instrumento público ou particular, que lhes serve de título.
E, em se tratando de veículos, doutrina que, além do registro, exige-se o
arquivamento do contrato na repartição competente para o licenciamento,
fazendo-se a anotação no certificado de propriedade.
Mesmo entendimento tem o Deputado Ricardo Fiúza, que expressou tal
pensamento no Projeto de Lei 6.960/2002, que altera a lei 10.406, de 10
janeiro de 2002. No caso especifico do supra citado § 1° do art. 1.361, o
ilustre Deputado afirma ter ocorrido um erro de redação, que veio a
excluir o registro do contrato de alienação de veículo automotor ao
utilizar inadequadamente a conjunção “ou”. Segundo ele, a redação correta,
que se encontra tramitando no Congresso Nacional é a seguinte:
“Art.1.361..............................................................................................
§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato,
celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título,
no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, e, em se
tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento,
fazendo-se a anotação no certificado de registro;”
Seguindo os princípios doutrinários que regem a propriedade fiduciária,
encontramos parecer do DENATRAN, exarado pela Assessoria Jurídica desse
órgão, a requerimento do DETRAN/DF. Nele é analisada a questão, embasando
na Lei 6.015/73, DL 911/69, LC 101/00 e art. 236 da CF/88, onde ficam
claros os limites funcionais dos DETRAN’s e Cartórios, bem como a
necessidade desses órgãos em regulamentar esse problema causado pelo
“equívoco” ocorrido na redação do art. 1.361 do CC. Passo a transcrever a
conclusão do parecer:
“Concluímos, à vista das considerações acima elencadas, pela
constitucionalidade do artigo 1.361, § 1°, da Lei 10.406, de 10 de janeiro
de 2002, que instituiu o novo Código Civil, em relação a registro do
contrato de Alienação Fiduciária de veículos junto aos órgãos executivos
de trânsito, senão, a sua totalidade, não se reveste de plena capacitação
operacional e funcional com vistas a viabilizar o estabelecido no artigo
1.361, § 1° do novo Código civil e, por outro lado, igualmente, na esfera
orçamentária há que se cumprir o disposto na Lei de Responsabilidade
Fiscal, sugerimos, como procedimento não revestido de
obrigatoriedade, que os órgãos executivos de trânsito e os respectivos
Cartórios de títulos e documentos, oportunizam a celebração de um convênio
com vistas a otimizar o determinado no novo Código Civil, tendo em vista
que o cidadão não pode estar vulnerabilizado no atendimento das suas
necessidades”. (grifo nosso)
Acatando o parecer supra citado, o DENATRAN expediu a Portaria n° 14, de
21 de novembro de 2003, com vistas a padronizar os procedimentos de
registro dos contratos de alienação fiduciária de veículos. Nela, é feita
menção à instituição de serviços competente, onde deve ser registrado o
contrato de alienação,através de instrumento público ou particular, cujo
registro deverá ser anterior ou concomitante à expedição do Certificado de
Registro de Veículo.
Para sanar quaisquer dúvidas restantes, foi expedida em 22 de abril de
2004 a Resolução n° 159 do CONTRAN, que veio ratificar a Portaria n° 14 do
DENATRAN.
Nos Estados onde já se cumpre esse princípio doutrinário, ficou provada a
importância da obediência aos princípios que regem a propriedade
fiduciária e, mais, restou provado que a omissão do registro fere também a
Lei n° 101/2000, onde prevê sanção aos Estados e Municípios que abrirem
mão de suas fontes de receitas, uma vez que é sabido que os Cartórios
pagam diretamente aos cofres do Estado parte do valor cobrado ao usuário,
além de outros tributos que incidem sobre a atividade cartorária.
CONCLUINDO, diante de todos o fatos e fundamentos citados, só nos resta
esperar o bom senso das autoridades competentes e representantes de classe
para que a obrigatoriedade do registro dos contratos de alienação
fiduciária, também de veículos automotores, venha a se tornar realidade em
todo o território nacional, pois o cidadão não pode ficar a mercê da
vulnerabilidade que representa a ausência de tal registro. Resta, ainda,
aguardar que nossos representantes no Congresso Nacional vejam a
necessidade da aprovação imediata do Projeto de Lei 6.960/2002, de acordo
com o texto indicado pelo relator do Código Civil, Deputado Ricardo Fiúza,
que recebeu voto favorável do Presidente da Comissão de Defesa do
Consumidor da Câmara dos Deputados para conferir ao instituto da
propriedade fiduciária de veículo automotor todas as garantias
necessárias.
Ponte Nova, 18 de outubro de
2004.
Dra. Vanuza de Cássia
Arruda
Oficiala do Cartório de Títulos e Documentos de Ponte Nova/MG e Presidente
do Instituto de Registradores de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas
Jurídicas de Minas Gerais – IRTPJMINAS