Cerimônia que registrou a união estável de
43 casais homoafetivos teve champanhe, lágrimas, 'Emoções', de Roberto
Carlos, e foi encerrada com 'New York, New York'
Casamento coletivo gay no Rio de Janeiro
(Domingos Peixoto/Agência O Globo)
Após duas horas de cerimônia, 43 casais
homossexuais tiveram suas uniões estáveis registradas no Rio de Janeiro.
No primeiro casamento coletivo gay do país, o auditório da secretaria
estadual de Direitos Humanos, no sétimo andar do prédio da Central do
Brasil, ficou lotado de amigos e familiares dos noivos. Todas as 400
cadeiras foram ocupadas, e cerca de 200 pessoas assistiram de pé à
cerimônia. Os casais foram chamados um a um pelo desembargador Siro Darlan.
Depois do sim e do beijo, assinaram o compromisso e ganharam taças de
champanhe.
Não faltaram lágrimas, nem entre os casais nem entre as famílias. Os
noivos entraram ao som de Emoções, de Roberto Carlos, cantada pela
transexual Jane de Castro. No encerramento da cerimônia, convidou o
secretário estadual de Ambiente, Carlos Minc, para dançar com ela ao som
de New York, New York. O figurino foi variado, como era de se esperar.
Havia casais de noivas vestidas de branco, de noivos de smoking, mas a
maioria optou por trajes menos convencionais. E, no bolo, velas menos
convencionais: uma com duas noivas de mãos dadas e outra de um casal de
noivos se casando.
Lea Carvalho, de 42 anos, casou-se com Maria Luiza Santos, de 39, e disse
que a atitude foi política. "Quisemos participar desse casamento pela
visibilidade. Nosso objetivo é apoiar a a causa LGBT. Estamos aqui como
forma de mostrar que não aceitamos ser tratadas como cidadãs de segunda
classe. Não queremos mais ou menos direitos. Queremos direitos iguais",
disse.
Rogério Santana/Governo do Rio de Janeiro
Beatriz Ramos e Marcele Esteves comemoram
Para o superintendente de Direitos
Individuais, Coletivos e Difusos do Rio, Cláudio Nascimento, a cerimônia é
uma festa da cidadania. “Isso traz um marco civilizatório”, afirma. Pelo
tapete vermelho por onde os casais entraram no auditório, Cláudio, com o
seu marido, foi o primeiro da fila. O primeiro passo, para o
superintendente, é a realização de mais cerimônias de registro da união
estável. A partir disso, procurar estender os direitos, como poder usar o
sobrenome do parceiro.
O dia passou longe de qualquer reclamação do grupo LGBT. O casal Beatriz
Ramos, de 33 anos, e Marcelle Esteves, de 37, chamavam atenção pelas
roupas usadas. As duas, que estão há oito anos juntas, desfilaram pelo
auditório com vestidos parecidos, cor de creme e um buquê de rosas
vermelhas. “Vai ser uma das melhores lembranças das nossas vidas”, disse
Beatriz antes da cerimônia. Ao sair do auditório, Marcelle, emocionada,
disse uma palavra: “Fantástico”.
Depois de ter sua união suspensa pelo juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, de
Goiânia, o jornalista Liorcino Mendes, de 47 anos, e o estudante Odílio
Torres, de 23, também aproveitaram a ocasião para se casar de novo. Foi
especialmente para eles que Siro Darlan disse a frase que resume seu
pensamento sobre a atitude do juiz goiano. "O que Deus uniu o homem não
pode separar." Odílio contou que desde o início da polêmica, os irmãos têm
sofrido chacota na escola, ele perdeu o emprego e deixou de ser bem
recebido na Assembléia de Deus que frequentava. “Você vê o que é o
preconceito no país. Um casal gay ter que casar duas vezes”, queixou-se.
Ele afirma, no entanto, que isso ficou no passado e que por causa da
confusão fará duas luas de mel: uma na parada gay de São Paulo, outra na
do Rio de Janeiro.
Enquanto os 43 casais se casavam no alto do prédio da Central, muitos dos
milhares de passageiros que passam pelo local para embarcar no metrô ou no
trem não sabiam o que acontecia alguns andares acima. A única pista era um
arco formado por balões de gás, nas cores do arco íris, em uma das
entradas para o edifício. O pedreiro Amauri Pereira, de 29 anos, ficou
sabendo do casamento por um amigo que havia passado e tinha ouvido falar
sobre a novidade. Sobrou apenas uma lástima. “Eu queria ver a cerimônia.
Ela tinha que ser aberta. Falo por curiosidade mesmo. Será que as mulheres
podem ir de noivas? Como eles se portam?”, questiona. Para quem acompanhou
a cerimônia, a resposta é mais simples do que se pensa: foi uma festa. |