Capital chega à marca de um
veículo para 2,4 habitantes, o que a sufoca ainda mais e aumenta a
poluição, mas ainda não há projetos para desafogar o trânsito
Belo Horizonte, 5 de novembro
de 2007. São 17h30 e a Divisão de Registro de Veículos (DRV), braço do
Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG), responsável pelo
emplacamento de carros, encerra mais um expediente. No mesmo horário,
começa uma onda de congestionamentos nas principais ruas e avenidas de
Belo Horizonte. Seria um dia comum, não fosse um ingrediente a mais na
rotina, de forte apelo simbólico: a unidade do Detran, no Bairro Nova
Gameleira, na Região Noroeste, emplacou, silenciosamente, o veículo de
número 1 milhão na capital. Um fato preocupante para quem vive nesta
cidade. A tendência é que, cada vez mais, os moradores sofram com a falta
de mobilidade no trânsito, o estresse, o barulho e a poluição.
O departamento emplaca, diariamente, 500 veículos. Nunca a média foi tão
alta, por uma série de motivos. É cada vez mais fácil adquirir um carro.
Nos últimos dois anos, enquanto o poder de compra do brasileiro aumentou,
os bancos reduziram os juros e esticaram os prazos de financiamento. As
montadoras batem recorde de vendas, oferecendo parcelamentos de até seis
anos, sem entrada. Para os especialistas, soma-se a isso o magnetismo
exercido pelo automóvel no imaginário brasileiro. Carro é sinônimo de
conforto, praticidade e status.
Mais precisamente até a manhã de ontem, BH já tinha 1.000.421 veículos,
52% a mais do que havia em 1999, um para 2,4 habitantes. Quando se
considera somente os carros de passeio, a relação é de três para um, uma
das menores entre as capitais brasileiras. Nessa categoria, a frota cresce
a taxas que variam entre 4% e 7% ao ano, só menores que as verificadas
entre as motos (de 8% a 16%). O Estado de Minas mostrou, sábado, que já há
mais veículos que habilitados na cidade. No início do ano, a expectativa
do Detran era de que a barreira de 1 milhão fosse rompida em dezembro.
O resultado da expansão é uma divisão nada democrática do espaço urbano.
Enquanto os ônibus, que não passam de 10% da frota, transportam 71% da
população, os carros de passeio, que são cerca de 80% e ocupam bem mais
lugar nas ruas, levam 17%. Um veículo de transporte público comporta até 100
passageiros, ao passo que a taxa de ocupação média, por carro, é de 1,4
pessoa. “Em outras palavras, os engarrafamentos de BH são filas de
automóveis vazios”, diz o engenheiro civil Frederico Rodrigues, consultor em
Transportes. Nas contas do especialista, um coletivo cheio retiraria das
ruas 70 modelos de passeio.
A BHTrans, responsável pelo gerenciamento do trânsito e do transporte na
cidade, ainda não mede os congestionamentos, como ocorre em São Paulo. Mas
alguns indicadores mostram os impactos da frota. Devido à saturação, no
horário de pico a velocidade média dos ônibus varia entre 10 e 28 km/h,
conforme a linha. Além da perda de tempo nos deslocamentos, há outras
conseqüências. O gerente de coordenação de Meio Ambiente e Qualidade da
empresa, Márcio Batitucci, diz que os veículos são responsáveis por 70% da
poluição do ar. Os carros de passeio movidos a gasolina, álcool ou gás
despejam 85,8% do gás carbônico, 68% dos hidrocarbonetos voláteis e 57% dos
óxidos de nitrogênio provenientes da frota. “Quanto mais rodam, maior é a
probabilidade de doenças respiratórias”, conclui.
Eles também são os grandes vilões do meio ambiente quando o assunto é o
barulho, um dos principais causadores do estresse. Em geral, um carro emite
70 decibéis a um metro de distância. “Em nenhum lugar da cidade admite-se
mais do que isso”, afirma Rodrigues, acrescentando que, quanto mais cheia a
rua, maior é o ruído.
Não só para o poder público, mas para a população, o desafio que se impõe é
o que fazer com tantos motores. O diretor-presidente da BHTrans, Ricardo
Mendanha, diz que, cedo ou tarde, a cidade terá que conviver com restrições
radicais ao automóvel, como o pedágio ou o rodízio no Centro. Mas antes
disso a empresa planeja uma série de medidas para desestimular o uso desse
meio de transporte. “O objetivo é tornar os outros meios de deslocamento –
seja por ônibus, bicicleta ou à pé – mais atraentes”, acrescenta.
Mobilidade
No ano que vem, uma consultoria contratada pela BHTrans vai apresentar um
plano de mobilidade, que mostrará qual é a intervenção mais adequada para
cada região da capital. Trata-se de um projeto de longo prazo, a ser
implantado até 2020. Nos grandes corredores, a saída deve ser a criação de
faixas e pistas exclusivas para coletivos, semelhantes às das avenidas
Antônio Carlos e Cristiano Machado. Também deve ser adotado o sistema de
estações-tubo, já implantado em Curitiba, que agiliza o embarque. Outra
idéia é a construção de ciclovias e bicicletários – hoje, apenas 0,6% da
população tem a bicicleta como primeiro meio de transporte. Para incentivar
os deslocamentos a pé, a alternativa é a reforma e ampliação de calçadas.
Por ora, a ampliação do metrô ainda é uma promessa difícil de ser
concretizada, pois os investimentos anunciados pelo governo federal não são
suficientes para tirá-lo do papel, mas Mendanha acredita que a escolha da
capital como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014 pode impulsionar o
projeto: “A linha Pampulha-Savassi vai passar pelo Mineirão. Estamos no país
do futebol e temos que aproveitar as oportunidades”.
Para melhorar o sistema viário, que converge para o Centro, aumentando os
congestionamentos na região, a prefeitura promete desengavetar um projeto
paralelo, também de longo prazo. É o Programa de Vias Prioritárias de BH (Viurbs),
que prevê 72 obras para aumentar as rotas perimetrais na cidade.