Em nova decisão, que pode ser definitiva,
para regularizar a situação dos cartórios em operação no País e moralizar
esses serviços, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) declarou vagas as
titularidades de 5.561 cartórios e, cumprindo o que estabelece a
Constituição, determinou que essas vagas sejam preenchidas por concurso
público a ser realizado pelos Tribunais de Justiça (TJs) estaduais no
prazo de seis meses.
A exigência do preenchimento de cargos de titulares de cartórios ? de
registro civil, de registro de imóveis, de notas e de protesto ? por
concurso público de provas e títulos realizado pelos Tribunais de Justiça
foi estabelecida pela Constituição de 1988, mas a medida só foi
regulamentada em 1994. Nesse intervalo, muitos cartórios foram assumidos
por titulares não concursados. Com a regulamentação da exigência
constitucional, titulares nessa situação recorreram à Justiça invocando o
direito adquirido para permanecer no cargo.
Há pouco mais de um ano, o CNJ determinou a remoção dos titulares de
cartórios que não passaram por concurso público. Na época, o CNJ estimava
em 5 mil o número de cartórios com titulares não concursados. A
Corregedoria do CNJ constatou a existência de um número maior de casos
irregulares. Em janeiro, o CNJ declarou vagos os cargos de titular de
7.828 cartórios, o que correspondia a quase metade dos 14.964 existentes
no País. O número foi reduzido para pouco mais de um terço do total, pois
cartórios inscritos na lista anterior foram excluídos por decisão judicial
ou por comprovação da regularidade de sua situação.
A Corregedoria do CNJ constatou que muitos cartórios eram providos por um
sistema que chamou de "permuta entre familiares". Por esse esquema, o
filho ou outro parente de um titular prestava concurso para uma repartição
do interior do Estado, tomava posse, pedia transferência para o cartório
do titular não concursado e lá assumia como novo titular. Com isso,
famílias se perpetuavam no domínio de um cartório rentável, numa conduta
que o CNJ considerou "afrontosa aos princípios da igualdade e da
impessoalidade, que devem ser observados no serviço público".
Constatou-se também a existência de cartórios fantasmas, criados quando um
município se emancipou ou quando um cartório foi desmembrado. O titular
abriu então uma filial, indicando um parente ou amigo para ser seu
titular.
"Houve uma cultura cartorialista de transmissão de pai para filho, de
acobertamento e de omissão por parte da administração do Judiciário",
afirmou o corregedor nacional do CNJ, ministro Gilson Dipp, ao anunciar a
nova decisão do órgão. É possível que o número de cartórios em situação
irregular aumente, pois há 1.105 casos que podem exigir novas diligências
da Corregedoria do CNJ, 153 cartórios fantasmas em operação no País e 470
unidades que não constaram da lista das que tiveram sua titularidade
declarada vaga porque pendências judiciais impediram a análise do caso.
O que explica, mas não justifica, o grande número de cartórios em situação
irregular é a receita que esse serviço gera. Segundo o CNJ, alguns deles,
instalados em grandes centros urbanos, têm receita de até R$ 5 milhões por
mês. A mais recente decisão do CNJ sobre o assunto deixa claro que os
titulares interinos, a serem designados pelos TJs, não poderão receber
mais do que o teto salarial do funcionalismo público, de R$ 24,1 mil.
Contra as decisões do CNJ, registradores, notários e tabeliães interinos
conseguiram mobilizar, no ano passado, um poderoso lobby no Congresso para
apressar a tramitação de proposta de emenda à Constituição que os efetiva
nos postos que ocupam. À medida que a proposta avançava ? chegou a ser
incluída na pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados ?, o CNJ
acelerava suas decisões para corrigir as irregularidades.
Em outubro, diante da notória dificuldade para justificar a proposta
perante o eleitorado, as lideranças partidárias decidiram engavetá-la, à
espera, como disseram, de uma alternativa constitucional. Não há
necessidade de alternativa, pois a solução já está na Constituição: o
preenchimento dos cargos por concurso, como exige o CNJ. |