ACÓRDÃO
Processo : 00400-2007-065-03-00-9 RO
Data de Publicação : 30/10/2007
Órgão Julgador : Quarta Turma
Juiz Relator : Des. Luiz Otavio Linhares Renault
Juiz Revisor : Desembargador Julio Bernardo do Carmo
Recorrente: MARIA DA GLÓRIA MARQUES RESENDE
Recorrida: MÔNICA VITORINO RIBEIRO CORREA
EMENTA: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - AUXILIAR DE CARTÓRIO -
RELAÇÃO DE EMPREGO. A contratação de escreventes e auxiliares é realizada
pelos Notários e oficiais de registro, com remuneração livremente ajustada
e sob o regime da legislação do trabalho (art. 20, caput, da Lei
8.935/94). Assim, os Notários, embora desempenhem atividade pública por
delegação, possuem personalidade jurídica de direito
privado, equiparando-se ao empregador, consoante disposição contida no
art. 2o. da CLT. Ao admitir o prestador de serviços, o cartório se investe
de poder diretivo, mantendo o trabalhador sob subordinação jurídica,
mediante o pagamento de salário, descendo irrefragavelmente sobre essa
relação jurídica todo o manto da CLT. Recurso a
que se dá provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho
para apreciar, instruir e julgar o feito.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário,
interposto de decisão proferida pelo Juízo da Vara do Trabalho de Lavras,
em que figura como Recorrente MARIA DA GLÓRIA MARQUES REZENDE e como
Recorrida MÔNICA VITORINO RIBEIRO CORREA.
RELATÓRIO
O Juízo da Vara do Trabalho de Lavras, através da decisão proferida pelo
Exmo. Juiz WALDIR GHEDINI, às fls. 75/82, declarou a incompetência da
Justiça do Trabalho para conciliar, instruir e julgar a Ação de
Consignação e Pagamento proposta por MARIA DA GLÓRIA MARQUES REZENDE em
face de MÔNICA VITORINO RIBEIRO CORREA, determinando a remessa dos autos à
Justiça Comum da Comarca de Lavras.
A Consignante opôs embargos de declaração às fls. 84/87, que foram
julgados improcedentes, às fls. 93/94.
Inconformada, interpôs a Consignante recurso ordinário, sustentando, em
síntese, que o art. 236 da Constituição Federal estabeleceu que os
serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado,
cabendo aos notários a contratação de pessoal, sob o regime da legislação
trabalhista. Afirma que o art. 48 da Lei 8.935, ao dispor sobre a
manutenção do vínculo estatutário para aqueles contratados antes da
promulgação da Constituição Federal, que não fizeram a opção pelo regime
celetista, ofende norma constitucional inserta no art. 37, II, da CF.
Salienta que a Recorrida não foi aprovada em concurso público, não é
remunerada pelos cofres públicos, devendo ser reconhecido que a ela se
aplicam as normas celetistas.
Contra-razões às fls. 110/114.
Dispensada a manifestação da d. Procuradoria Regional do Trabalho,
conforme artigo 44 da Consolidação dos Provimentos, da Corregedoria Geral
da Justiça do Trabalho.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE
ADMISSIBILIDADE OBJETIVO - RECORRIBILIDADE DA DECISÃO - ARGÜIDA EM
CONTRA-RAZÕES.
Via de regra, no Processo Trabalhista, as decisões interlocutórias são
irrecorríveis, nos termos do art. 799, par. 2o., da CLT.
No entanto, as sentenças que acolhem ou rejeitam a exceção de
incompetência não estão sujeitas a essa regra, sob pena de inviabilizar a
própria prestação jurisdicional, violando art. 5o., inciso XXXV, da CF.
Destarte, para possibilitar o pleno exercício da função jurisdicional,
afasto a presente argüição e conheço do recurso, porque presentes todos os
pressupostos de admissibilidade.
Ademais, ainda sob a ótica estritamente processual, não há como se recusar
que, pelo menos perante a MM. Vara de Lavras, a decisão é terminativa.
Assim, rejeito a argüição.
JUÍZO DE MÉRITO
EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA, EM RAZÃO DA MATÉRIA
Insurge-se a Recorrente contra a v. sentença, ao fundamento de que o art.
236 da Constituição Federal estabeleceu que os serviços notariais e de
registros são exercidos em caráter privado, cabendo aos notários a
contratação de pessoal, sob o regime da legislação trabalhista. Afirma que
o art. 48 da Lei 8.935, ao dispor sobre a manutenção do vínculo
estatutário para aqueles contratados, antes da promulgação da Constituição
Federal, que não fizeram a opção pelo regime celetista, ofende norma
constitucional inserta no art. 37 da CF. Salienta que a Recorrida não foi
aprovada em concurso público, não é remunerada pelos cofres públicos,
devendo ser reconhecido que se lhe aplicam as normas celetistas.
Razão lhe assiste.
Data venia do entendimento adotado em primeiro grau pelo seu ilustre e
douto juiz, tenho que o caput do art. 236 da Constituição da República,
contém norma auto-aplicável, no que se refere ao exercício privado dos
serviços notariais.
Nesse sentido, a expressão "caráter privado" contida no texto do
dispositivo constitucional acima mencionado revela a exclusão do Estado
como empregador, não deixando margem a dúvidas quanto à adoção do regime
celetista, pelo titular do Cartório, quando da contratação de seus
auxiliares e escreventes, antes mesmo da vigência da Lei n. 8.935/94.
Com a edição da Lei n. 8.935/94, não mais há margem para dúvidas, permissa
venia, de que os serviços notariais e de registro público passaram a ser
exercidos em caráter privado.
É o que se extrai do exame do art. 21, in verbis:
"O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de
registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive
no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal,
cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à
atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a
melhor qualidade na prestação dos serviços".
Restou, ainda, estabelecido na referida lei que a contratação, pelo
titular do cartório, é feita sob o regime da legislação trabalhista,
consoante disposição contida no caput do artigo 20:
"Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas
funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos e
auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o
regime da legislação do trabalho".
De outra face, dispõe o art. 48 da Lei 8.935/94, in verbis, que:
"Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a
legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de
investidura estatutária ou regime especial, desde que estes aceitem a
transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo
improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.
Parágrafo primeiro - Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será
integralmente considerado para todos os efeitos de direito.
Parágrafo segundo - Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de
investidura ou em regime especial continuarão regidos pelas normas
aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de
Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a
partir da publicação desta lei".
Contudo, as disposições acima transcritas não podem prevalecer, sob pena
de violação ao texto constitucional.
Neste sentido, embora conste da certidão de fl. 09 que a relação havida
entre as partes se encontra regida pelo vínculo estatutário, esta situação
não pode prevalecer ante os termos dos arts. 37 e 236 da CF.
A Reclamante não se submeteu a concurso público de provas ou de provas e
de títulos para que iniciasse a sua prestação laboral, requisito
indispensável, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal, e, além
disso, não é remunerada pelos cofres públicos, mas pelo titular do
cartório, que se equipara ao empregador.
Portanto, outro talhe jurídico não teve a relação havida entre as partes
senão a de emprego, razão pela qual não tem como prevalecer o vínculo
estatutário (cf. declaração de fl. 09), circunstância que atrai a
competência desta Especializada para instruir e julgar o feito.
Neste sentido, oportuna a lição de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, in
Contrato de Trabalho com o Estado, 2a. edição, Revista e Atualizada, São
Paulo, LTr, 2002, págs. 167/168:
"A qualificação do servidor municipal, a configuração da relação de
emprego ou a sua definição pelo regime estatutário (funcionário público)
não podem fugir ao exame de cada caso concreto. Ao juiz incumbe partir,
primeiro, dos supostos (com carga formal preponderante) que fisionomizam a
condição de funcionário público e verificar se existem os pressupostos
constitucionais de sua formação (art. 37, I e II, da Constituição de
1988), assim como todos os pré-requisitos de ingresso (Lei n. 8.112, de
11.12.1990, arts. 5o. a 10) configuradores do asseguramento da tutela
estatutária, seja no seu lado formal, seja no seu lado material ou de
conteúdo (cargo, ato de nomeação, investidura, acesso, garantias de
remuneração, caminho à efetividade e à estabilidade, tempo de serviço e
aposentadoria direta). Arredado qualquer destes supostos ou verificado que
não se armam eles harmonicamente dentro de um quadro integralizado de
direitos e deveres, a tarefa do magistrado volta-se para a configuração da
relação de emprego, na forma dos arts. 2o. e 3o., da CLT, cuja
possibilidade jurídica há de ser examinada em nível de regime remanescente
ou de situação de fato juridicamente eficaz ou não".
Veja-se, a propósito, decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito
da matéria:
"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA
PROMOVIDA POR FUNCIONÁRIO DE CARTÓRIO NÃO OFICILIZADO. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA DO TRABALHO. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no
sentido de que compete à Justiça do Trabalho apreciar reclamação
trabalhista proposta por funcionário de cartório não oficializado, tendo
em vista a existência de vínculo empregatício entre tal funcionário e o
titular do cartório, de quem recebia sua remuneração. Conflito conhecido.
Competência do Juízo Trabalhista, o suscitado". (CC 32874/PE -
2001/0096695-3, Ministro Vicente Leal - Terceira Seção, publicado DJ
09.09.2002, pág. 159).
Assim sendo, provejo o recurso para declarar competente a Vara do Trabalho
de Lavras para conciliar, instruir e julgar o feito, devendo os autos
retornar à origem, para prosseguimento, na forma legal.
Isto posto, rejeito a preliminar de não conhecimento argüida em
contra-razões, para, conhecendo do recurso interposto, no mérito, dar-lhe
provimento para declarar competente a Vara do Trabalho de Lavras para
apreciar, instruir e julgar o feito, devendo os autos retornar à origem,
para prosseguimento, na forma legal.
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma,
à unanimidade, rejeitou a preliminar de não conhecimento, argüida em
contra-razões, e conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, deu-lhe
provimento para declarar competente a Vara do Trabalho de Lavras para
apreciar, instruir e julgar o feito, devendo os autos retornar à origem,
para prosseguimento, na forma legal.
Belo Horizonte, 10 de outubro de 2007.
LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT
Desembargador Relator |