Comarca de Ponte
Nova
Assunto: Consulta à Direção do Foro da Comarca
Requerente: Oficial do Cartório de Títulos e Documentos e Registro Civil
das Pessoas Jurídicas
A Oficiala do Cartório de Títulos e Documentos e Registro Civil das
Pessoas Jurídicas, Vanuza de Cássia Arruda, suscitou dúvida ao Juiz
Diretor do Foro da Comarca aduzindo que:
1. com o advento do Novo Código Civil extinguiram-se as sociedades civis
e comerciais, surgindo agora as figuras das sociedades simples e
empresárias;
2. as sociedades, segundo o NCC, são registradas no Cartório de Pessoas
Jurídicas e as empresárias, na Junta Comercial;
3. ocorre que a Receita estadual de Ponte Nova vem se recusando a
conceder a inscrição estadual às sociedades simples, ao argumento de que
o NCC não está em vigor e só se aceitam inscrições da Junta Comercial.
Brevemente relatados, passa à análise do caso.
Trata-se, na verdade, de consulta ao juiz diretor do Foro da Comarca de
Ponte Nova, eis que a questão não se adequa ao instituto da “dúvida”
previsto no art. 198 da Lei de Registros Públicos.
Atento à consulta feita, passo as seguintes considerações a respeito da
matéria e para o conhecimento geral:
No nosso atual ordenamento jurídico temos entidades de fins não
econômicos, que são civis compreendendo as associações e fundações e
entidades de fins econômicos que podem ser as nominadas sociedades
simples ou empresárias.
O NCC estabeleceu essa terminologia empresária, pois não é mais possível
empregar a antiga denominação de “sociedades mercantis”, pois a empresa
é uma estrutura que atende a outros ramos não menos relevantes de
atividade econômica, como é o industrial.
Por outro lado, há certas sociedades de fins econômicos que não são
empresas, como as constituídas para exercer atividades de ensino, de
advocacia, de medicina. Não basta o simples “escopo de lucro” para
transformar um ente em sociedade de tipo empresarial, que pressupõe
estrutura e organização específicas.
O conceito de empresa vem no art. 966 do NCC como a atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
A teoria da empresa, elaborada pelos italianos e abordada pelo NCC não
leva em consideração o gênero da atividade econômica desenvolvida, não
importando se esta corresponde a uma atividade agrícola, imobiliária ou
de prestação de serviços, mas que seja desenvolvida de forma organizada,
em que o empresário reúne capital, trabalho, matéria-prima e tecnologia
para a produção e circulação de riquezas.
O parágrafo único daquele mesmo dispositivo excepciona como atividade
empresária as profissões intelectuais, de natureza científica, literária
ou artística, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de
empresa.
O que se extrai de tudo isso? Qual foi a intenção do legislador com tais
definições?
A resposta é que o NCC não mais divide a atividade econômica pelos atos
em si mesmo considerados, mas sim pelo modo em que ela é exercida.
Desta forma, tecnicamente, a interpretação do parágrafo único do art.
966 do NCC é uma explicação do que dispõe o caput. A princípio, a
atividade intelectual não é empresarial (primeira parte do parágrafo
único), mas se presente todos os elementos de uma empresa, ela será
empresarial (segunda parte do parágrafo). Em outras palavras, a
profissão intelectual pode ser empresarial, se presentes todos os
requisitos previstos no caput do art. 966 do NCC.
Atualmente, só em nível de requisitos culturais e históricos se fala em
atividades “civis” e em atividades “comerciais”, pois juridicamente essa
dicotomia não existe mais.
Com relação ao registro propriamente, o NCC é expresso no sentido de que
o empresário, tal como definido no caput do art. 966 deverá se inscrever
na Junta Comercial. É o que diz o art. 967: é obrigatória a inscrição do
empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede,
antes do início de sua atividade.
Quanto à sociedade simples é o art. 998 do NCC que dispõe sobre o
registro: nos 30 (trinta) dias subseqüentes à sua constituição, a
sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro
Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede.
O único tipo de sociedade empresária em que foi deixado opção pra o
registro num ou outro órgão é a empresa rural. O art. 971 do NCC, a esse
respeito, dispõe: o empresário, cuja atividade rural constitua sua
principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o
art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito,
ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a
registro.
Assim, para dirimir dúvidas tanto ao Cartório de Registro Civil das
Pessoas Jurídicas como à Receita Estadual, a palavra chave é atividade
“ORGANIZADA”. Qualquer que seja a atividade, por mais importante que
seja seu objeto social, se a estrutura é organizada como empresa,
estamos diante de uma sociedade empresária, caso contrário, diante de
uma sociedade simples.
Além disso, outra característica marcante na sociedade simples é a
atuação pessoal (individual) dos sócios, sobrepondo-se à organização dos
fatores de produção.
Nessa digressão podemos distinguir três etapas bastante elucidativas:
1ª - a do profissional autônomo, atuando isoladamente;
2ª - a do mesmo profissional, associado a outro ou outros profissionais
em sociedade simples (registrável perante o Registro Civil das Pessoas
Jurídicas), que não se organizem em caráter empresarial e que se limitem
a reunir esforços para que possam melhor atender diretamente à
clientela, sem que entre eles e os clientes se interponha a empresa e
sem que sociedade, em si mesma, tenha, necessariamente, fim lucrativo,
bastando-lhe remunerar o trabalho prestado, individualmente, pelos
sócios. Portanto, uma atividade desenvolvida pelos próprios sócios, de
forma pessoal e praticando eles mesmos atos do objeto social e
executando o núcleo de sua atuação, não será considerada empresária,
neste caso, tem-se a configuração de uma sociedade simples;
3ª - e, por último, a organização empresarial, cuja estrutura conduz ao
registro no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial).
POR TUDO ISSO, atendendo à consulta formulada, entendo que deva ser
analisado cada caso pelo órgão competente para verificar-se, dentro do
contexto ora enfocado, trata-se de uma sociedade simples ou sociedade
empresária, não se olvidando que ambas exercem atividade econômica, só
que numa há a organização típica de uma empresa que na outra inexiste.
Exercendo ambas atividades econômicas, a inscrição junto à Receita
Estadual pode emanar tanto de um registro junto ao Cartório de Registro
de Pessoas Jurídicas, como da Junta Comercial.
Lílian Maciel dos Santos
Juíza de Direito do Foro – Plantão Forense |