Cada vez com mais frequência, chegam ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) demandas de proprietários e condutores
de veículos contra os departamentos estaduais de trânsito, os Detrans. Nos
últimos dez anos, foram mais de 2.500 processos questionando multas,
transferência de carros roubados, alienação fiduciária e apreensão de
veículos, entre outras questões administrativas com os Detrans.
As questões mais comuns são aquelas que afetam o órgão mais sensível do
ser humano, o bolso. São as multas. Teve repercussão nacional o julgamento
do STJ sobre o procedimento dos Detrans de exigir o pagamento de multas e
despesas de depósito como condição para liberação de veículos removidos ou
apreendidos.
Ao julgarem o Resp 1104775, os ministros da Primeira Seção decidiram que
as autoridades de trânsito só podem exigir o pagamento das multas já
vencidas e regularmente notificadas aos eventuais infratores. Também foi
decidido que, apesar de os veículos poderem permanecer retidos em depósito
por tempo indeterminado, os Detrans só poderão cobrar taxas de permanência
até os primeiros 30 dias de sua estada nos depósitos.
Não é legal a retenção do veículo como forma de coagir o proprietário a
pagar a pena de multa. Entretanto, é diferente a hipótese de apreensão do
veículo como modalidade autônoma de sanção em que a sua retenção pode
prolongar-se até que sejam quitadas multas e demais despesas decorrentes
da estada no depósito. Esse foi o entendimento da ministra Eliana Calmon,
relatora do Resp 1088532, acompanhado pela Segunda Turma do Tribunal em
julgamento que determinou ser legal o condicionamento da liberação do
veículo retido por conta de infração de trânsito ao pagamento da multa e
demais despesas decorrentes da apreensão do automóvel.
Radares e pardais
A contestação às multas aplicadas com base em registro fotográfico por
radares, conhecidos como “pardais”, também é recorrente entre os processos
levados até o STJ. As Turmas que compõem a Primeira Seção já reconheceram
a legalidade do uso desse recurso tecnológico para a aplicação de multas
de trânsito.
No julgamento do Resp 772347, a Primeira Turma entendeu que os pardais não
aplicam as multas, apenas fornecem elementos fáticos que permitem à
autoridade de trânsito a lavratura do auto de infração e a imposição das
sanções legais decorrentes. “Há distinção entre a atividade de coleta de
provas que embasam os autos de infração e a lavratura do auto de infração
propriamente dito”, ressaltou o relator, ministro Luiz Fux.
Em julgamento semelhante, a Segunda Turma decidiu que as multas de
trânsito podem ser registradas por aparelhos eletrônicos sem a presença de
um agente para autuar. O relator do caso, ministro Humberto Martins,
também entendeu que os pardais eletrônicos não aplicam multa, apenas
comprovam a infração ocorrida (Resp 759759).
O STJ também já firmou o entendimento de que a emissão da notificação de
multa e do auto de infração de trânsito (AIT) é suficiente para atender as
exigências da ampla defesa e do contraditório no caso de imposição de
multas de trânsito. Segundo o relator do Resp 898524, ministro Herman
Benjamin, essas notificações permitem ao suposto infrator defender-se caso
assim o deseje.
Responsabilização
Casos de responsabilização de condutores, de proprietários e do próprio
Detran também fazem parte da rotina do STJ. A Primeira Turma, no
julgamento do Resp 745190, estabeleceu que o proprietário do veículo que
entrega o automóvel à pessoa sem habilitação não pode ser punido também
como se fosse o condutor, devendo ser aplicada a ele apenas a multa
prevista no artigo 163 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Para o relator do recurso, ministro Luiz Fux, a “responsabilidade
solidária do proprietário de veículo automotor, por multa de trânsito,
deve ser aferida cum grano salis” [com certa reserva]. Além disso, o
ministro destacou que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê
hipóteses de caráter individual dirigidas tanto ao proprietário quanto ao
condutor.
O STJ também decidiu que o Detran não pode ser responsabilizado por ato
criminoso de terceiros ou pela culpa do adquirente de veículo de
procedência duvidosa. O entendimento da Segunda Turma excluiu o Detran do
Rio Grande do Norte da responsabilidade no pagamento dos danos materiais
devidos a um comerciante que vendeu um veículo roubado.
Segundo o relator do recurso (Resp 873399), ministro Herman Benjamin,
compete ao comerciante de automóveis usados o dever de verificação –
mediante inspeção física do bem, e não simplesmente documental no Detran –
da existência de restrições à transferência e da procedência lícita do
veículo comercializado.
Alienação e penhora
Quando da alienação do veículo, o Tribunal já decidiu que, se a lei não
exige o prévio registro cartorial do contrato de alienação fiduciária para
a expedição de certificado de registro de veículo, não há como obrigar o
Detran a exigir tal documento dos proprietários dos veículos. O caso foi
tratado em uma suspensão de segurança (SS 1518) proposta pelo Detran de
Alagoas sob o argumento de ser desnecessário o registro de tal contrato no
cartório de títulos de documentos, não havendo dever legal para a
exigência do registro.
Ainda com relação à alienação, a Segunda Turma também definiu que a
exigência de registro do contrato em cartório não é requisito de validade
do negócio jurídico. Para as partes signatárias, a avença é perfeita e
plenamente válida, independentemente do registro que, se ausente, traz
como única consequência a ineficácia do contrato perante o terceiro de
boa-fé (Resp 278993).
Em casos de execução fiscal, a Segunda Turma do STJ definiu que a ausência
do registro de penhora do veículo no Detran elimina a presunção de fraude
à execução, mesmo que a alienação do bem tenha sido posterior à citação do
devedor em execução fiscal.
Para a relatora do recurso (Resp 810489), ministra Eliana Calmon, apenas a
inscrição da penhora no Detran torna absoluta a afirmação de que a
constrição é conhecida por terceiros e invalida a alegação de boa-fé do
adquirente da propriedade, mesmo que a alienação tenha sido realizada
depois da citação do devedor na execução fiscal.
No julgamento do AgRg no Resp 924327, a Primeira Turma também afirmou que
a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que o terceiro que
adquire veículo de pessoa diversa da executada, de boa-fé, diante da
ausência do registro da penhora junto ao Detran, não pode ser prejudicada
pelo reconhecimento da fraude à execução.
Criado para fiscalizar o trânsito de veículos terrestres em suas
respectivas jurisdições, no território brasileiro, o Detran tem também,
entre suas atribuições, a determinação das normas para a formação e
fiscalização de condutores. |