Apelação Cível nº
200.2009.021.531-6/002 – João Pessoa
1ª Câmara Cível
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL - IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA ATIVIDADE
NOTARIAL E DE REGISTRO – STF – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE SE
JULGOU IMPROCEDENTE – MATÉRIA QUE SE TORNA INQUESTIONÁVEL – COBRANÇA
DEVIDA – ISSQN – ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO – FORMA DE COBRANÇA –
SERVIÇOS QUE SE EXECUTAM DE FORMA PESSOAL – TRIBUTAÇÃO NA FORMA DO § 1º,
DO ARTIGO 9° DO DECRETO-LEI NO 406/ 68. IMPROVIMENTO DA REMESSA OFICIAL E
DO RECURSO VOLUNTÁRIO.
- Havendo o Supremo Tribunal Federal enfrentado a questão da incidência do
ISSQN sobre a atividade notarial e registral no Brasil, em sede de Ação
Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente, a matéria torna-se
inquestionável e passa a ser exigido o imposto. - É vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir tratamento
desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função
por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II da CF).
Forma de tributação - Considerando a
natureza sui generis da atividade dos notários e dos registradores civis,
que se assemelha em tudo aos demais profissionais liberais que exercem
atividades pessoais, não resta dúvida que os atos praticados no desempenho
de função considerada pública, mas em caráter privado, mantém a
característica de pessoalidade, embora possam contar com auxiliares ou
prepostos. Os prepostos, contudo, são contratados e pagos pelos
delegatários que respondem por todos os atos praticados, civil e
criminalmente, independentemente de quem os tenha feito, motivo pelo qual
o recolhimento do ISS deve respeitar o regime especial do Decreto-Lei nº
406/68.
– Os notários e registradores se submetem a
concurso público de provas e títulos, são nomeados pelo Estado, obedecida
apenas a medição do seu grau de conhecimentos intelectuais através da
classificação final de cada certame. São submetidos a horário de trabalho
estabelecido pelo Poder Público, através do órgão fiscalizador, o Tribunal
de Justiça, e recebem emolumentos na forma prevista em lei. São,
inquestionavelmente profissionais, pessoas físicas que prestam trabalho
pessoal e, como tal, devem ser tributados pelo regime específico.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos acima identificados.
Acorda a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, por
maioria, em NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.
RELATÓRIO
Celeida Cosmo Pereira Silva e outros, todos titulares de Cartórios
Extrajudiciais da Capital, impetraram Mandado de Segurança com pedido de
liminar contra ato do Prefeito Municipal de João Pessoa e Secretário
Executivo da Receita Municipal, consistente na tributação do ISSQN sobre
suas atividades, sob uma alíquota de 5% sobre a receita bruta auferida, e
não sob alíquota fixa, sobre a pessoa física como entendem ser devido.
Na inicial do mandamus, os impetrantes
afirmaram que o Supremo Tribunal Federal até o julgamento da ADIN
3.089-DF, mantinha posicionamento sobre a natureza jurídica de "taxa" dos
emolumentos extrajudiciais e sobre a natureza de "serviço público" dos
serviços prestados pelos Notários e Registradores, o que embasou inúmeros
julgamentos nos tribuna is pátrios declarando a inconstitucionalidade da
incidência do ISSQN sobre os serviços notaria is e registrais, sob a
fundamentação de que a cobrança do tributo configuraria ofensa a imunidade
tributária recíproca dos Entes Federados. Em seguida concluem, que em
virtude de tais julgamentos dos tribunais inferiores, o acórdão exarado
pelo STF na ADIN 3.089-DF (no qual a Suprema Corte, em sentido oposto,
declara a constitucionalidade da LC 116/03 e, conseqüentemente, da
cobrança do ISSQN sobre os serviços notaria is e registrais) somente
poderia gerar efeitos a partir de 01 de agosto de 2008, data de sua
publicação.
Por essa razão, defenderam a inexigibilidade
da cobrança do ISSQN referente ao período de janeiro de 2004 a 01 de
agosto de 2008.
Em relação a forma de cálculo do imposto,
alegaram que as funções do Notário e/ou Registrador são exercidas de forma
pessoal, motivo pelo qual a cobrança do ISSQN deve ocorrer mediante
aplicação de alíquota fixa sobre a pessoa física, nos moldes do artigo 9º,
§ 1º do Decreto- Lei 406/68, argumentando que se estabelecida como base de
cálculo o preço do serviço, regra do caput do artigo 9º, haverá
bitributação, pois essa base de cálculo já é utilizada para a cobrança do
imposto de renda pessoa física (fls. 03/56). Juntou documentos (fl s.
57/317).
A liminar foi deferida às fls. 331/334 e
343.
Informações prestadas pelo representante do
Município de João Pessoa às fls. 347/ 358.
O Ministério Público ofertou parecer pela
concessão parcial da segurança (fls. 371/374).
Conclusos os autos, o MM. Juiz a quo
proferiu sentença, concedendo a segurança, para reconhecer a exigibilidade
do imposto sobre serviços de qualquer natureza somente após agosto de
2008, e assegurar aos impetrantes o recolhimento do imposto pela regra
emanada do art. 9º, §§1º e 3º do Decreto- Lei nº 406/ 68, ou seja, por
meio de quantia fixa (fls. 375/379 e 399).
Irresignado com a decisão, o Município de
João Pessoa interpôs Apelação sustentando que a declaração de
constitucional idade da Lei Complementar 116/2003 pelo Supremo Tribunal
Federal ao julgar improcedente a ADIN 3.089-2/ DF tem eficácia erga omnes
e ex tunc, não alterando a situação da lei que vige e está apta a produzir
efeitos desde janeiro de 2004 (em atenção ao princípio da anterioridade
tributária - art.150, inc. III, b, CF).
Acrescentou que os impetrantes não fazem jus
à forma privilegiada de tributação do ISSQN prevista no § 1° do artigo 9°
do Dec-Lei nº 406/68, devendo se submeterem a regra geral do caput do
dispositivo, pois não seriam exclusivamente pessoa is os • serviços
prestados por notários, tabeliães e registradores, podendo tais serviços
serem realizados por substitutos e escreventes, o que faz com que a renda
dos titulares não seja fruto apenas de seu trabalho pessoal, antes advindo
do trabalho realizado por meio de terceiros, organizados numa estrutura de
verdadeira feição empresarial (fls. 435/453).
Os apelados apresentaram contrarrazões,
pugnando pela manutenção da sentença (fls. 473/506).
Instada a se pronunciar, a Procuradoria
Geral de Justiça ofertou parecer, opinando pelo provimento do recurso
oficial e da apelação cível, para revogar definitivamente a segurança
concedida aos impetrantes (fls. 515/523).
É o relatório.
VOTO
Extrai-se dos autos, que o apelante busca na via recursal o resgate da
tese sustentada em primeiro grau de jurisdição, voltada para a
constitucionalidade da tributação dos serviços notariais e de registro de
João Pessoa, conforme prevê a Lei Complementar Federal nº 116/2003 e a Lei
Complementar municipal nº 53/2008, visando ao reconhecimento da data a
partir da qual o imposto pode ser exigido, bem como para a arrecadação do
tributo de competência municipal - (Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza - ISSQN), na forma adotada para o recolhimento da mesma obrigação
por parte das empresas, ou seja, aplicando-se a alíquota de 5% (cinco por
cento) sobre a receita bruta auferida pelos recorridos, notários e
registradores no exercício da atividade pública que lhes é delegada.
A matéria, pelo que se conclui da análise da decisão recorrida e do
conjunto de provas pré-constituído, impõe ao julgador de 2° grau uma
incursão sobre a natureza do tributo municipal, bem como da atividade
exercida pelos apelados. Com efeito, é inquestionável, segundo já restou
devidamente demonstrado durante a fase de instrução na primeira instância,
que o ISSQN é imposto de competência municipal incidente sobre a prestação
de serviços de qualquer natureza, embora questionável, até bem pouco
tempo, a possibilidade de sua incidência sobre os serviços prestados pelo
Poder Público, ainda que os exercidos em caráter privado, em regime de
delegação, como é o caso da atividade da categoria à qual pertencem os
apelados.
Todavia, quanto a este aspecto, a questão não comporta maiores discussões,
eis que já decidida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº
3089-2, de iniciativa da ANOREG-BR, que concluiu pela improcedência da
mesma. O julgado decorrente do desfecho da ação deixa extreme de dúvidas
que os serviços notariais já podem ser objeto de incidência do ISSQN,
ainda que reconhecida na própria ação e em reiteradas jurisprudências da
Corte Constitucional, que os emolumentos percebidos pelos apelados têm
natureza de taxa.
Pois bem, afastada a questão da inconstitucionalidade da incidência
tributária, esta já bem digerida pela categoria dos delegatários, que
aceitaram a cobrança na forma decidida pela Suprema Corte, resta analisar
a segunda parte da matéria posta à apreciação deste Tribunal, em sede de
apelação em Mandado de Segurança, que seria, primeiro, a data a partir da
qual poderia ser exigido da categoria o pagamento do tributo, e ao depois,
a forma de contribuição, se como pessoa física, que presta serviço de
caráter pessoal, contribuindo com valor fixo anual, ou como pessoa
jurídica, que não presta serviços de forma pessoal, o que vale dizer, na
mesma forma adotada para a tributação das empresas, aplicando-se 5% sobre
o total dos emolumentos brutos auferidos pelos contribuintes.
DA DATA A PARTIR DA QUAL PODE SER EXIGIDA A COBRANÇA DE ISSQN DOS APELADOS
Quanto à data a partir da qual o tributo pode ser exigido, a questão
encontra resposta na interpretação da legislação constitucional
brasileira, no que se refere às argüições de inconstitucionalidade de
leis, eis que é cediço, se a Excelsa Corte entende como constitucional uma
lei, ainda que vários anos depois de sua publicação, os efeitos produzidos
durante o período compreendido entre a sua publicação e a declaração de
sua constitucionalidade não sofrem qualquer alteração. Vale dizer, sendo a
lei considerada, no exercício do controle concentrado da Corte Suprema,
como constitucional, seus efeitos são irretocáveis.
Logo, a Lei Complementar nº 116/2003, da qual alguns dispositivos foram
atacados por Ação Direta de Inconstitucionalidade, julgada improcedente,
por óbvio, sua aplicação opera efeitos a partir da publicação,
considerando-se que as decisões do Supremo Tribunal Federal, no controle
concentrado da constitucionalidade, têm caráter vinculante, erga omnis,
conforme previsto na Lei 9.868, de 10.11.1999.
Em respeito ao princípio constitucional da anterioridade da legislação
tributária, que impõe a aplicabilidade de imposto novo ou alterado somente
a parti r do 1° dia do exercício seguinte ao da sua publicação, na
hipótese presente, a data a partir da qual a tributação pode ser operada é
1° de janeiro de 2004 (art. 150, III, "b" da Constituição Federal):
"Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal eaos Municípios:
lI! - cobrar tributos:
"c" - no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que
os instituiu ou aumentou".
Nesta linha de raciocínio, tenho que a data início para a incidência o
ISSQN sobre o exercício da atividade notarial e registral em João Pessoa,
seria 1º de janeiro de 2004. Todavia, não se registrando lançamento
anterior ao julgamento da ADI 3089 e, em respeito ao princípio da
segurança jurídica e à liminar concedida no Mandado de Segurança, além da
impossibilidade de lançamento tributário com efeito retroativo, a data a
partir da qual o imposto, no caso específico de João Pessoa, só pode ser a
data do trânsito em julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade que
reconheceu a constitucionalidade da lei instituidora do tributo na relação
anexa ao Código Tributário Nacional, a Lei Complementar nº 116/2003.
Já no que se refere à forma de tributação do ISSQN dos apelantes, a dúvida
posta a julgamento surgiu diante da repetição do indeferimento por parte
do Município de João Pessoa, através do seu órgão arrecadador, dos pedidos
de inscrição dos impetrantes no Cadastro de Contribuintes, como pessoas
físicas que são, e do tratamento tributário diferenciado de que trata o §
1°, do art. 9°, do Decreto- Lei nº 406/68 e do art. 177, § 1º, da Lei
Complementar Municipal de João Pessoa, nº 53/2008.
Observe-se que os argumentos do recorrente são os de que, em se tratando
de notários e registradores, os serviços que prestam à população não são
pessoais, já que têm autorização da lei para contratarem auxiliares para
exercerem algumas tarefas que dispensam a atuação direta do tabelião ou
registrador. Assim, no entender do Apelante, não seriam merecedores do
abrigo do § 1°, do artigo 9°, do Decreto-Lei 406/68.
Tenho para mim que não assiste razão ao recorrente. Ao regulamentar o art.
236 da Constituição Federal, a Lei nº 8.935, de 24 de novembro de 1994,
quanto a este aspecto, porque os apelados são pessoas físicas, a teor do
que dispõe o artigo 3° da Lei 8.935/94, que estatui, verbis:
"Notário ou tabelião, oficial de registro, ou registrador, são
profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício das atividades notariais e de registro".
Não teria o legislador outra intenção senão a de dizer que os notários e
registradores são pessoas físicas, profissionais que atuam em colaboração
com a Justiça, da mesma forma que o advogado, o perito, etc.
O entendimento esposado nas razões de apelação, de que os titulares das
serventias extrajudiciais não exercem trabalho pessoal é, no mínimo,
equivocado. Com efeito, ao comparar o trabalho do médico com o do
tabelião, para afirmar que o paciente não procura o consultório, mas o
médico, enquanto que o usuário não procura o tabelião mas o cartório, é
elementar. O médico, da mesma forma que o tabelião, também contrata
auxiliares, atendentes, secretárias, enfermeiras, operadores de raios-X e
tantos outros que se fizerem necessários ao fiel cumprimento do seu mister
e nem por isto deixam de ser pessoas físicas que exercem a profissão em
caráter pessoal. Os engenheiros contratam desenhistas, projetistas,
técnicos em edificações, mestres de obras, mas, nem assim deixam de ser
profissionais, pessoas físicas que exercem o trabalho de forma pessoal. O
contador tem auxiliares de escritório, auxiliares de contabilidade, mas
nem assim deixam de ser profissionais que exercem pessoalmente sua
atividade laboral. Os advogados admitem secretárias, estagiários que,
inclusive, têm autorização para assinar petições conjuntamente com eles,
podem comparecer a audiências, preparam peças jurídicas, recebem pessoas,
contratam causas, nem por isto deixam de ser profissionais do direito que
exercem pessoalmente o seu mister.
Nesse sentido, o legislador foi sábio e o constituinte ao impor vedação às
três esferas de Poder, para instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos (art. 150, II da Carta Magna):
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal eaos Municípios:
I ...
II - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios
instituir tratamento desigual entre contribuintes que seencontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."
Por outro lado, o tabelião, na visão do Apelante, deveria ser considerado
como tendo capacidade tributária na condição de empresa, sob o argumento
de que atuam visando lucro, ou vantagem econômica. Não é como vejo. Na
verdade, o trabalho desenvolvido pelos Apelados é o próprio trabalho
estatal exercido em caráter privado, mediante delegação, a teor do comando
constitucional inserto no art. 236, da CF.
As atividades dos Apelados são exercidas visando aquilo que o Estado chama
de serviços de qualidade, de perfeição, que dão segurança jurídica às
relações entre os indivíduos, as empresas e a sociedade como um todo.
Não há na prática cartorária previsão de lucro, mas de compensação pelos
atos que seus titulares praticam em nome do Estado. Os emolumentos são
fixados por lei de iniciativa do Estado, sem qualquer interferência dos
delegados.
E ainda, os notários e registradores se submetem a concurso público de
provas e títulos, são nomeados para os lugares disponibilizados pelo
Estado, obedecida apenas a medição do seu grau de conhecimentos
intelectuais através da classificação final de cada certame. São
submetidos a horário de trabalho estabelecido pelo Estado, através do
órgão fiscalizador, o Tribunal de Justiça, e recebem emolumentos na forma
prevista em lei. São, inquestionavelmente, profissionais, pessoas físicas
e como tal devem ser tributados.
Não há qualquer semelhança entre a atividade cartorária e a atividade
empresarial, esta caracterizada pela realização permanente de negócios,
onde o lucro e o crescimento são o objetivo maior. Enquanto isto, a
atividade dos notários e registradores é fixa, obedece a formalidades
legais das quais não pode se afastar, tais como as do Código Civil, da Lei
de Registros Públicos, os Regimentos dos Tribunais, os Provimentos das
Corregedorias etc., ao contrário das empresas que usam da criatividade e
da prática de mercado para evoluir e conquistar e crescer seu patrimônio.
O fundamento trazido como sustentáculo para o indeferimento da inscrição
dos Apelados como pessoas físicas que prestam serviços pessoais é o de que
estes utilizam prepostos e auxiliares para o exercício de suas atividades.
Entretanto, não se encontra, nos dispositivos da legislação na qual os
recorridos escoraram seus pedidos de inscrição, no caso o Decreto-Lei
406/68, amplamente recepcionado pelo Código Tributário, qualquer exigência
quanto a tais circunstâncias, ou seja, de que o profissional para auferir
o direito à forma privilegiada de tributação não possa contar com a
contribuição de auxiliares.
A condição exigida pelo ente municipal recorrente para deferir o direito
ao privilégio tributário é descabida, porque constitui plusnão previsto no
Decreto-Lei 406/68, recepcionado pela Constituição Federal e pelo Código
Tributário Nacional, e que regulamenta a matéria, como se observa:
"Art. 9º ...
§ 1º - Quando se tratar de prestação de serviços, sob a forma de trabalho
pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de
alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de
fatores pertinentes, nestes não compreendidos a importância paga a título
de remuneração do próprio trabalho ...”.
É clara a dicção do dispositivo. Não faz qualquer restrição aos casos em
que o profissional autônomo admite auxiliar ou preposto, o que não
desnatura a condição de trabalho pessoal. Logo, se a lei não restringe o
privilégio, não é dado ao ente municipal, cuja competência para legislar
sobre ISSQN é adstrita aos limites que a lei lhe faculta e nos quais este
não se encontra, fazê-lo.
Não é demais trazer à lembrança que ao Administrador só é permitido fazer
aquilo que a lei lhe autoriza. Logo, se a lei não impõe restrição nem
estabelece condições especiais para o deferimento da tributação
diferenciada prevista no art. 9º do Decreto- Lei nº 406/68, nem a
Constituição Federal ou o Código Tributário Nacional autorizam
expressamente que o Administrador das finanças municipais assim possa
fazer, a restrição torna-se abusiva e deve ser rechaçada pela Justiça.
Quanto à qualificação dos notários e registradores e suas atividades, como
pessoas físicas que não exercem funções empresariais, tomo como norte a
ser seguido a magistral lição da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal
de Justiça de São Paulo, em julgamento da Apelação nº 994.09.004992-6 -
Birigui, ReI. Des. J. Martins, julgado em 15 de abril de 2010, trazida à
colação e pelos apelados e que transcrevo:
"Como sabido, os notários, tabeliães e oficia is de registro exercem
embora em caráter priva do, função pública delegada pelo Poder Público.
Maria Helena Diniz compartilha deste entendimento:
Serventuário é um servidor público, que exerce uma função pública sui
generis, exercida no interesse da sociedade. De modo que, se o Cartório
não prestar a contento o serviço, o Poder Público poderá delegá-lo a
outrem" (Sistemas de Registros de Imóveis, Ed. Saraiva, 1992)
E Walter Ceneviva:
"Serventuário do chamado foro extrajudicial é servidor público, sem mais
autonomia administrativa que um chefe de repartição, do qual se distingue
por não ser remunerado diretamente pelo Estado, mas pelos interessados no
registro, segundo critérios que oEstado impõe, delimita, sistematiza e
sujeita à fiscalização, disciplina e punição" (Lei dos Registros Públicos
Comentada, Ed. Saraiva,1988, p. 51).
Não podem estes profissionais serem comparados a empresas ou equivalentes,
ainda que possam contratar quantos funcionários sejam necessários para o
desempenho do trabalho, estabelecendo salário e designando funções, já que
a delegação é pessoal, devendo responder civil e criminalmente pelos atos
praticados por seus prepostos.
Considerando a natureza sui generis desta atividade, não resta dúvida que
os atos praticados no desempenho de função considerada pública, mas em
caráter privado, mantém a característica de pessoalidade, embora possam
ser realizadas por um preposto.
Estes prepostos, contudo, são contratados e pagos pelos delegatários que
respondem por todos os atos praticados, civil e criminalmente,
independentemente de quem os tenha feito, motivo pelo qual o recolhimento
do ISS deve respeitar o regime especial.
(...) Diante de todo o exposto, dá -se provimento ao recurso oficial para
afastar a segurança anteriormente concedida,autorizando o recolhimento do
ISS na forma de trabalho pessoal, como previsto no art. 9°, do DL 406/68".
Impende também destacar que, ao contrário do que afirmam os procuradores
do Apelante, as decisões trazidas à colação pelos recorridos espelham o
pensamento recente que predomina nos diversos tribunais estaduais, que vem
reconhecendo a forma de tributação do art. 9° do Decreto-Lei nº 406/ 68,
depois do julgamento da ADI que decidiu pela cobrança do tributo, como se
observa:
"1. TRIBUTÁRIO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO -
ISSQN - SERVIÇOS CARTORÁRIOS (registrai s e notariais), INCIDÊNCIA - ISS
Incidente sobre serviços restados por notário e oficial de registro -
Serviços delegados exercidos em caráter privado, Serviço de natureza
pública, mas cuja prestação é privada. Precedente do E, Supremo Tribunal
federal reconhecendo a constitucionalidade da exigência (ADI 30 89-DF,
julgada em 13,02.2008) - Base de cálculo do ISS - Valor destinado ao
oficial delegatário, excluídos os demais encargos, como, por exemplo,
custas destinadas ao Estado e a órgão representativo, 2. O REGIME
INSTITUIIDO PELO ART. 90 DO DECRETO-LEI 406/68 NÃO FOI REVOGADO PELO ART,
10 DA LEI COMPLEMENTAR 116/03, O tabelião ou oficial de registro prestam
serviço sob a forma de TRABALHO PESSOAL e em razão da natureza do serviço
tem direito ao regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em
percentual sobre toda a importância recebida pelo Delegado a título de
remuneração de todo o serviço prestado pelo Cartório que administra.
RECOLHIMENTO DO IMPOSTO NA FORMA DO ART. 9º § 1º DO DECRETO-LEI 406/68. 3.
Recurso da Municipalidade provido para declarar constitucional a
incidência do ISS sobre os serviços notariais. RECURSO OFICIAL PROVIDO
PARA DETERMINAR O RECOLHIMENTO DO ISS NA FORMA DO ART. 9º, o 1º, DO
DECRETO- LEI 406/68. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente
procedente." (TJSP – Apelação Cível nº 565.934.5/0-00 - Fartura – 15º
Câmara de Direito Público - Rel. Des. Daniela Lemos - Julgado em
01.08.2008.
E ainda do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
"...) RECOLHIMENTO DE ISSQN – SERVIÇOS CARTORÁRIOS - ALÍQUOTA FIXA. O
tabelião ou oficial de registro presta serviço sob a forma de trabalho
pessoal e em razão da natureza do serviço tem direito ao regime especial
de recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a
importância recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo o
serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que administra. Recolhimento
do Imposto na forma do art. 9°, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68 ( ... )"
TJMG Agravo de Instrumento nº 1.071.09.276262-7 - Uberaba – 2ª Câmara
Cível - Rel. Des.Carreira Machado - DJ 13.03.2010).
Por todo o exposto, por estar convencido de que os notários e os
registradores são pessoas físicas e que prestam serviços de forma pessoa,
que respondem civil e criminalmente por seus atos e pelos dos seus
prepostos, peço vênia ao nobre Relator para divergir do seu entendimento,
e NEGO PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA e ao RECURSO VOLUNTÁRIO DE
APELAÇÃO.
É como voto.
Presidiu a sessão o Excelentíssimo Desembargador Manoel Soares Monteiro
(em face da suspeição averbada doDesembargador José Ricardo Porto).
Participaram do julgamento os Desembargadores Manoel Soares Monteiro
Relator, MarcosCavalcanti de Albuquerque e Arnóbio Alves Teodósio,
(convocados para compor o quorum).
Presente à Sessão a Drª. Sônia Maria Guedes Alcoforado, Procuradora de
Justiça.
Sala de Sessões da Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado da Paraíba em João Pessoa, 14 de julho de 2011.
DESEMBARGADOR MARCOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE – Relator para o acórdão.
________________________________________
Nota do Boletim Eletrônico INR nº 4837, do Grupo SERAC, distribuído em
19/09/2011
"Malgrado venha o Superior Tribunal de Justiça negando a Notários e
Registradores a tributação especial revelada pela redação do § 1º, do
artigo 9°, do Decreto-Lei nº 406/68, alguns Tribunais Estaduais seguem
premiando aqueles que são incumbidos da hercúlea tarefa de afirmar a
aplicação do chamado “trabalho pessoal” aos serviços prestados pelos
profissionais do Direito a que se refere o artigo 236 da Constituição
Federal.
O acórdão vazado pela Primeira Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça
do belo Estado da Paraíba representa inspiração para todos que advogam,
sincera e honestamente, a presença de pessoalidade na prestação dos
serviços “de registros públicos, cartorários e notariais”.
Além de garantir a aplicação do regime especial aos Impetrantes, a decisão
despreza o misoneísmo para fixar: “Nesta linha de raciocínio, tenho que a
data início para a incidência do ISSQN sobre o exercício da atividade
notarial e registral em João Pessoa, seria 1º de janeiro de 2004. Todavia,
não se registrando lançamento anterior ao julgamento da ADI 3089 e, em
respeito ao princípio da segurança jurídica e à liminar concedida no
Mandado de Segurança, além da impossibilidade de lançamento tributário com
efeito retroativo, a data a partir da qual o imposto, no caso específico
de João Pessoa, só pode ser a data do trânsito em julgado da Ação Direta
de Inconstitucionalidade que reconheceu a constitucionalidade da lei
instituidora do tributo na relação anexa ao Código Tributário Nacional, a
Lei Complementar nº 116/2003.” (Original sem destaques).
Embora esteja irresistivelmente marcado pela fugacidade, o aresto abaixo
reproduzido merece ser propalado aos quatro cantos deste nosso curioso
país.
Com efeito, o caminho quase ínvio da via especial que será certamente
inaugurado não deve prestar-se, infelizmente, à manutenção do juízo
estadual, mas a leitura do voto proferido pelo Desembargador Marcos
Cavalcanti de Albuquerque é, no mínimo, reconfortante.
E cercados por esta paradoxal atmosfera de otimismo e derrota
despedimo-nos, desejando-lhe, como de costume, produtiva leitura.
Anderson Herance
Em tempo: o Mandado de Segurança autuado sob o nº 200.2009.021.531-6 (TJPB)
é patrocinado pelos profissionais que integram a Herance & Advogados
Associados." |