O Judiciário pode aplicar a pena de perda de
delegação de cartório em caso de grave violação da legislação por titular
desse tipo de estabelecimento desde que observe o princípio da
proporcionalidade. Com base nesse fundamento, a Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso que pretendia
reformar decisão que determinou a perda da delegação de um registro em São
Paulo.
A pena foi aplicada pela Corregedoria Geral, órgão vinculado ao Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJSP) encarregado de fiscalizar a atuação dos
serviços notariais e de registro no estado. A decisão da corregedoria foi
combatida por meio de um mandado de segurança, que foi negado pelo TJSP.
No recurso interposto no STJ, a defesa do tabelião que era titular do
cartório alegou a existência de inexigibilidade da pena de perda de
delegação sob o argumento de que a conduta do notário não teria sido
listada na Lei dos Cartórios (Lei n. 8.935/94). Afirmou também que a
aplicação da sanção deveria ter sido realizada com base na exata descrição
da suposta conduta ilegal do tabelião, e não em "descrições genéricas".
No voto que proferiu no julgamento, o relator do recurso no STJ, ministro
Humberto Martins, não acolheu os argumentos da defesa do tabelião. Para o
ministro, a gradação na aplicação da sanção de perda da delegação é ato
discricionário da Administração, que deve observar o princípio da
proporcionalidade.
Na avaliação do relator, o Capítulo VI da Lei dos Cartórios não deixa
dúvidas sobre a possibilidade de aplicação da sanção de perda da
delegação. "A pena (...) é residual, ou seja, não caracterizada qualquer
das condutas menos graves descritas na norma jurídica (Lei dos Cartórios),
a sanção será aplicada", escreveu ele no voto apresentado.
O ministro teceu ainda, em seu voto, comentários a respeito da delegação
de serviços públicos essenciais. "Na forma republicana de governo, não há
qualidades pessoais absolutas relacionadas à prestação de serviços
públicos, sendo certo que até a vitaliciedade de alguns agentes públicos é
relativa; magistrados e membros do Ministério Público podem, em
determinados casos, perder os seus cargos", ressaltou.
Para Martins, o tabelião pretendeu atribuir à sua delegação "natureza
jurídica somente compatível com a forma monárquica de governo", o que,
segundo o ministro, foi categoricamente afastado pelo artigo 1º da
Constituição de 88 que consagrou o Brasil como uma República Federativa.
No Brasil, por expressa determinação constitucional (artigo 236), os
serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público. O ingresso no exercício desses serviços é
feito por concurso público.
A decisão da Segunda Turma do STJ foi unânime. |