Em decisão unânime, a Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou não ser possível a
existência de duas uniões estáveis paralelas. Para os ministros do
colegiado, a não admissibilidade acontece porque a lei exige como um dos
requisitos fundamentais para o reconhecimento da união estável o dever de
fidelidade, incentivando, no mais, a conversão da união em casamento.
O caso em questão envolve um funcionário público aposentado e duas
mulheres com as quais manteve relacionamento até a sua morte, em 2000. O
julgamento estava interrompido devido ao pedido de vista do ministro Raul
Araújo. Na sessão desta terça-feira (22), o ministro acompanhou o
entendimento do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que não reconheceu
as uniões estáveis sob o argumento da exclusividade do relacionamento
sério.
Em seu voto-vista, o ministro Raul Araújo destacou que, ausente a
fidelidade, conferir direitos próprios de um instituto a uma espécie de
relacionamento que o legislador não regulou não só contraria frontalmente
a lei, como parece ultrapassar a competência confiada e atribuída ao Poder
Judiciário no Estado Democrático de Direito.
Entretanto, o ministro afirmou que não significa negar que essas espécies
de relacionamento se multiplicam na sociedade atual, nem lhes deixar
completamente sem amparo. “Porém”, assinalou o ministro Raul Araújo, “isso
deve ser feito dentro dos limites da legalidade, como por exemplo
reconhecer a existência de uma sociedade de fato, determinando a partilha
dos bens deixados pelo falecido, desde que demonstrado, em processo
específico, o esforço comum em adquiri-los”.
O relator já tinha apontado, em seu voto, que o ordenamento jurídico
brasileiro apenas reconhece as várias qualidades de uniões no que concerne
às diversas formas de família, mas não do ponto de vista quantitativo, do
número de uniões. O ministro Salomão esclareceu, ainda, que não é somente
emprestando ao direito “velho” uma roupagem de “moderno” que tal valor
social estará protegido, senão mediante reformas legislativas. Ressaltou
não vislumbrar, ao menos ainda, haver tutela jurídica de relações afetivas
múltiplas.
Entenda o caso
Segundo os autos, o falecido não se casou, mantendo apenas uniões estáveis
com duas mulheres até sua morte. Uma das mulheres ajuizou ação
declaratória de reconhecimento de união estável e chegou a receber seguro
de vida pela morte do companheiro. Ela teria convivido com ele de 1990 até
a data de seu falecimento.
Ocorre que a outra mulher também ingressou na Justiça pedindo não só o
reconhecimento da união estável, como também o ressarcimento de danos
materiais e extrapatrimoniais devidos pelos herdeiros. De acordo com o
processo, ela conheceu o falecido em agosto de 1991, e em meados de 1996
teria surgido o desejo de convivência na mesma residência, com a intenção
de constituir família.
A 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre (RS) negou
tanto o reconhecimento da união estável quanto os ressarcimentos de danos
materiais e extrapatrimoniais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
(TJRS) reformou a sentença, reconhecendo as uniões estáveis paralelas e
determinando que a pensão por morte recebida pela mulher que primeiro
ingressou na Justiça fosse dividida com a outra companheira do falecido.
No STJ, o recurso é da mulher que primeiro ingressou com a ação
declaratória de união estável e que se viu obrigada pela decisão do TJRS a
dividir a pensão com a outra. Ela alega ter iniciado primeiro a
convivência com o falecido. Diz que o Código Civil não permite o
reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. O recurso especial no STJ
discute, portanto, a validade, no mundo jurídico, das uniões estáveis e a
possibilidade de percepção, por ambas as famílias, de algum direito.
REsp 912926 |