Palestra proferida no VIII
Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia
20 de janeiro de 2007, no hotel Plaza Inn Nacional, em São José do Rio
Preto.
Cédulas de Crédito e o Registro Imobiliário
Marcelo Salaroli de Oliveira*
Conceito de cédulas
Vamos falar sobre as cédulas de crédito, o conceito, a importância, seus
requisitos instrumentais, ou seja, a maneira como se expressa a vontade do
emitente por meio do instrumento, a “competência” dos registros, os
requisitos negociais – a vontade expressa das partes nos requisitos
instrumentais tem de estar conformada aos requisitos impostos por lei –, e
os efeitos especiais que algumas garantias cedulares têm apresentado.
Preocupei-me em buscar diretamente da lei o conceito de cédulas, já que
somos operadores do Direito. Para nossa surpresa, há uma variedade de
cédulas, cada uma com sua especificidade. O Conselho Superior da
Magistratura, a doutrina, a jurisprudência, e mesmo nós registradores,
costumamos dizer que cédula é sempre uma coisa só. Temos de tomar cuidado
porque são vários tipos de cédulas e leis que as instituíram, e cada uma
delas guardando sua especificidade.
Basicamente, são quatro leis que se referem às cédulas: o decreto-lei 167,
de 14 de fevereiro de 1967, que trata da Cédula de Crédito Rural; o
decreto-lei 413/69, que trata da Cédula de Crédito Industrial, e por
tabela, da Cédula de Crédito Comercial e Cédula de Crédito à Exportação; a
lei 8.929/94, que instituiu a Cédula de Produto Rural; e a lei 10.931/04,
que trata da Cédula de Crédito Bancário e que trouxe muitas transformações
na matéria de cédulas.
Destaquei dois tipos de cédulas que não iremos aprofundar nesta palestra
por conta de suas especificidades que destoam das demais: as Cédulas
Hipotecárias e as Cédulas de Crédito Imobiliário. As cédulas que instituem
garantias reais, e que hoje nos importam, são emitidas pelo devedor sem a
participação do credor, mas essas duas cédulas que não estudaremos trazem
uma peculiaridade comum, são emitidas pelo credor para representar um
crédito já constituído de modo a fazê-lo circular. São cédulas averbadas –
e não registradas – junto ao mesmo Oficial que registrou a garantia real.
A garantia real já está constituída, por exemplo, uma alienação fiduciária
ou uma hipoteca, e desse crédito hipotecário, o credor emite uma cédula
para circulação no mercado financeiro.
Da imensa variedade de cédulas extraí o conceito de que a cédula é um
título de crédito que se expressa sempre na promessa de pagamento, com
exceção da cédula de produto rural, que se expressa numa promessa de
entrega de produtos. No entanto, é um título de crédito impróprio porque
não está submetido integralmente às regras do Direito cambial, que é
subsidiário para a regulamentação das cédulas. As cédulas têm negociação
completa na lei que as institui. Essa lei cria diversas exceções, por isso
é importante reiterar o aviso de sempre se consultar a lei de cédulas para
saber o que ela dispõe.
As cédulas também têm outra especificidade que as diferenciam dos outros
títulos de crédito, elas sempre têm garantia real. Quando não têm garantia
real, elas recebem o nome de Nota de crédito industrial ou Nota de crédito
rural. Infelizmente, existem exceções no sistema, a própria Cédula de
Crédito Bancário pode ser constituída sem garantia real e continua com a
denominação de cédula, mesmo não tendo garantia real. Em regra, se o
legislador fosse mais rigoroso, manteria o padrão de que se for cédula,
tem garantia real, se for nota, não tem garantia real.
As cédulas são um instrumento poderoso a favor do credor para constituir
garantias dotadas de efeitos especiais, como impenhorabilidade e
inalienabilidade. Isso sempre foi feito para proteger determinados setores
da economia, como os financiamentos rurais, o crédito rural, e
posteriormente o crédito industrial e o crédito à exportação. As cédulas
ficavam vinculadas a esse tipo de financiamento, ou seja, só podem ser
utilizadas se dentro dessa linha específica de crédito, até que veio a
cédula de crédito bancário. A atividade bancária é uma atividade
econômica, mas não está vinculada a nenhum setor estrito da economia.
Qualquer linha de financiamento é passível de cédula de crédito bancário.
As outras cédulas estão bem alinhadas conforme o tipo de financiamento
instituído por lei. Em linhas gerais, esse é o conceito de cédulas,
títulos de crédito impróprios idôneos para constituir garantias reais e
vinculadas a determinada linha de financiamento.
Cédula de crédito: segurança do registro e agilidade da circulação
Nosso tema é a cédula de crédito, poderoso instrumento do mercado
financeiro, das atividades econômicas. No entanto, as atividades
econômicas precisam de segurança, o mercado clama por segurança, e somos
nós, registradores e notários, que provemos essa segurança. A segurança
está no registro de imóveis, porém, não adianta o registro imaginar que
está sozinho ou que é o fim em si mesmo. Não que o registro de imóveis
dependa do mercado, mas há uma relação de interdependência, de
colaboração, ou de reciprocidade, que permite que os dois juntos construam
um instrumento eficiente para a sociedade.
O registro de imóveis oferece segurança, mas, às vezes, ela é custosa em
formalidade e tempo. No entanto, a lei compôs de forma bastante
interessante essa informalidade do mercado, sua praticidade e rapidez com
a segurança que o próprio mercado espera das transações, e essa composição
está no registro de imóveis. Isso fica muito claro na matéria de cédulas.
Por exemplo, quando estabelece prazo bem menor para registro ou devolução,
apenas três dias, além de outros requisitos instrumentais como veremos.
Outra coisa importante é que as cédulas têm acesso ao registro
imobiliário. É um título idôneo para gerar um direito real, se cumpridos
os requisitos legais. Fazemos notas devolutivas para cumprir um requisito
legal, para atender aos fins do registro imobiliário e para dar garantia
ao próprio credor e devedor.
Sendo a cédula um título que tem acesso ao registro imobiliário, a
primeira pergunta que se faz é por qual porta ela entra no registro de
imóveis? O artigo 221 da lei 6.015/73, que trata dos títulos com acesso ao
registro, como escrituras públicas, títulos judiciais, também prevê o
instrumento particular, sendo que as cédulas se aproximam mais do
instrumento particular. Ao analisar esse artigo, vemos que o instrumento
particular, para ter acesso ao registro imobiliário, requer assinatura de
duas testemunhas e reconhecimento de firmas.
O título de crédito é um instrumento particular, por isso a literalidade
do artigo 221 nos leva a concluir que é necessário sim exigir a assinatura
das testemunhas e o reconhecimento das firmas. No entanto, esses
requisitos foram dispensados por estarem as cédulas sujeitas ao direito
cambial. A própria corregedoria já decidiu (Decisão da E. Corregedoria
Geral da Justiça de SP 61.371/82, 14/06/1982) que não eram necessários o
reconhecimento de firmas e a assinatura de testemunhas por tratar-se de um
título de crédito que tem previsão de acesso ao registro imobiliário não
só artigo 221, mas também na própria lei que instituiu a cédula. Ademais,
a própria lei, ao elencar o rol de requisitos instrumentais desse título
de crédito, não previu esses requisitos.
Neste ponto cabe uma pergunta: Se o emitente é pessoa jurídica, devemos
exigir prova de representação de quem assina? Fiz uma pesquisa superficial
em diversos cartórios e descobri que cada cartório procede de forma
diferente, há cartórios que exigem e outros não. Na verdade, a lei não
exige expressamente a verificação de prova de representação, portanto não
cabe a nós exigi-la. Pelos mesmos motivos que foi dispensado o
reconhecimento de firma e assinatura de duas testemunhas, também pode ser
dispensada a prova de representação de quem assina. Afinal, não sabemos se
quem assinou é realmente o representante que está na procuração, já que
não estamos diante de nenhum ato notarial que comprove isso. Se for um
fraudador do sistema ele vai assinar uma cédula falsa, portanto a
exigência seria inócua.
Requisitos instrumentais
Cada cédula tem seu rol de requisitos instrumentais, comum às diversas
cédulas, podemos constatar: denominação da cédula, promessa expressa de
pagamento, data e lugar de emissão, assinatura de próprio punho, nome do
credor, cláusula de obrigatoriedade dos seguros dos bens objetos da
garantia, esta prevista apenas na lei que instituiu as cédulas de crédito
industrial. Apresentação da via não-negociável, ou seja, por ser um título
de crédito, a cédula tem capacidade de circular. Como se trata de
instrumento particular, o registro de imóveis fica com uma via original
assinada pelas partes e que leva o carimbo de não-negociável.
Se essa via não levasse o carimbo de não-negociável, lançaria insegurança
jurídica no mercado. O título de crédito, pelo princípio da cartularidade,
representa a própria dívida. Portanto, o registro de imóveis tem de ser
extremamente eficiente ao verificar a presença da expressão via
não-negociável nas vias excedentes. Mesmo que não fosse uma exigência da
lei, o registro de imóveis estaria obrigado a fazer a verificação. Todas
as vias devem estar rubricadas – não há exigência expressa na lei mas é
uma exigência dos bancos – assim, se quatro folhas da cédula estão
rubricadas e uma não está, em nome da segurança e autenticidade, pode o
Oficial exigir que se rubrique a folha, afastando a suspeito de
substituição da folha.
Todas as “partes integrantes” e “anexos” mencionados no texto da cédula
devem ser apresentados, seja pela simples razão de se manter a integridade
do título, seja porque esses partes podem conter dados essenciais para a
qualificação registral. Esses são requisitos instrumentais fundamentais.
Não são burocracia, pois não são inúteis, mas estão conectados com os fins
do registro imobiliário e não emperram o funcionamento do sistema, pois
normalmente são fáceis de serem atendidos.
Atribuição do Registro
Daquela diversidade de cédulas, devemos constatar qual o Oficial a que
está atribuído o registro. Se estivéssemos em matéria jurisdicional,
perguntaríamos qual o registro competente, mas como estamos diante de
matéria administrativa, os mais técnicos dirão que a expressão correta não
é competência mas atribuição. Algumas regras funcionam bem como
orientação, em síntese, devemos responder a três perguntas.
Por qual motivo estamos registrando a cédula, se em razão da própria
cédula ou se em razão de sua garantia.
A segunda pergunta importante é se vamos registrar no local da situação
dos bens ou se vamos registrar no local de domicílio do devedor, ou ainda,
se são necessários ambos os registros. Vale lembrar que o registro em
local equivocado é nulo e não surtirá efeitos. É fundamental observar a
atribuição do registro.
A terceira questão é se o registro deve ser feito no cartório de registro
de imóveis, no registro de títulos e documentos, ou em ambos. Todas essas
respostas estão na lei. (Dec.-Lei 167/67, art. 30. Dec.-Lei 413/69, art.
29 e 30. Lei 6.015/73, art. 167, I, “13 a 15” e art. 178, II. Lei
8.929/94, art. 12. Código Civil, art. 1.361, 1.438, 1.448 e 1.492. Lei
10.931/04, art. 42)
Atribuição em razão da garantia.No caso de hipoteca, o registro é feito no
registro de imóveis, no livro 2, onde está localizado o imóvel hipotecado;
No caso de penhor rural, industrial e mercantil é uma norma que vigora há
muito tempo, deve ser registrado no registro de imóveis, no livro 3, no
local dos bens empenhados; No caso de alienação fiduciária de bens móveis
é registrada no registro de títulos e documentos, no local de domicílio do
devedor.
Muitas instituições financeiras querem registrar a alienação fiduciária de
bem móvel no local de situação do bem alienado, mas o Código Civil e a Lei
de Alienação Fiduciária estabelecem que ela deve ser registrada no local
de domicílio do devedor. Devemos sempre devolver as cédulas que nos são
apresentadas, se não tivermos atribuição para registrá-las.
Já quando pensamos na atribuição do registro em razão da própria cédula.
Basicamente, as regras são as seguintes.
1. Para ter eficácia contra terceiros, toda cédula tem registro no
livro 3, no local onde estão situados os bens dados em garantia.
Exceções: a) a cédula de produto rural tem de ser registrada no domicílio
do emitente; b) a cédula de crédito bancário não tem necessidade de
registro no registro de imóveis para ter efeitos contra terceiros.
2. A cédula rural hipotecária é registrada no livro 2, em razão da
garantia, e no livro 3, em razão da cédula. São dois registros, mas também
são dois motivos.
3. A cédula de crédito industrial com garantia de alienação
fiduciária de bem móvel é registrada no registro de títulos e documentos,
no domicílio do emitente, em razão da garantia; e registra-se no registro
de imóveis, no livro 3, em razão da cédula. Ou seja, para que a cédula
tenha eficácia contra terceiros, a lei exige o registro no registro de
imóveis, no local onde estão situados os bens oferecidos em garantia.
4. As cédulas de crédito bancário com garantia de alienação
fiduciária de bem móvel, em razão da garantia, deve ser registrada no
registro de títulos e documentos, no domicílio do emitente. Ainda que a
lei não tenha exigido o registro da cédula de crédito bancário no local de
situação dos bens, os bancos têm buscado o registro também no local onde
localizados os bens objeto da garantia, porque desejam uma proteção
eficiente para seu crédito.
5. Exemplo. Cédula de Produto Rural emitida em São José do Rio
Preto, oferecendo em garantia safra de café localizado numa fazenda na
comarca de Miguelópolis. O oficial de São José do Rio Preto registra no
livro 3, em razão da cédula, e o oficial de Miguelópolis registra no livro
3, em razão da garantia, ou seja, são dois registros no mesmo livro em
comarcas diferentes. Se fosse cédula rural pignoratícia, prevista no
decreto-lei 167, seria feito um único registro, pois a lei que a rege não
exige o registro no domicílio do emitente, como faz a lei que rege a
cédula de produto rural.
6. Outro exemplo interessante refere-se a uma Cédula Rural
Pignoratícia e Hipotecária em que o penhor está localizado em General
Salgado e a hipoteca em São José do Rio Preto. Ou seja, as garantias da
cédula rural pignoratícia hipotecária estão em comarcas diferentes. O
penhor em General Salgado é registrado lá em razão do penhor. A partir do
momento que se registrou em General Salgado, o registro também vale com
registro em razão da cédula. Agora é necessário registrar em São José do
Rio Preto, no livro 2, em razão da hipoteca. Seria necessário registrar a
cédula novamente no livro 3, em razão da cédula? Em Franca e Patrocínio
Paulista estabelecemos um procedimento padronizado, dispensamos o registro
no livro 3 do cartório em que localizada a hipoteca, se já houver registro
na comarca do bem em que localizado o penhor. O registrador deve ter o
cuidado de verificar se a cédula está registrada no livro 3 e constar seu
número de registro no texto do registro da hipoteca.
Requisitos negociais do penhor
Fazemos a descrição dos bens apenhados pela espécie, qualidade e
quantidade. Essas três expressões vêm do Direito romano. Para identificar
coisas fungíveis deve ser indicada a sua espécie, a qualidade e a
quantidade. Se esses três requisitos não constarem do penhor, faz-se a
devolução solicitando-os. Para especializar o bem oferecido em garantia
também é necessário constar a marca, se houver. Nesse ponto, a lei tem uma
ambigüidade interessante, pois seja a marca (do fabricante) de um trator
ou a marca (física) que se faz no gado, o Oficial deverá exigir que conste
a marca. Tem de constar expressamente o período de produção, por exemplo,
a safra, em que ano foi feita a colheita. Recebi algumas cédulas com a
expressão “safra comercial” e, conversando com as partes, credores e
produtores rurais, foi-me esclarecido que a safra comercial é o período em
que será vendido/comercializado o bem, ora, tal expressão não atende a
exigência legal de constar o período de produção. A especialização do
penhor sempre deve indicar o período de produção, por vezes chamado de
período agrícola, a “safra comercial” também pode ser acrescentada, mas
não é essencial.
Outro requisito interessante diz respeito ao imóvel de localização dos
bens apenhados. Basta a denominação do imóvel, o logradouro, o número e o
município. A lei não exige que se conste o número de matrícula, embora
este seja um ótimo elemento para identificar o imóvel.
Cabe aqui fazermos um parêntesis, a expressão correta para adjetivar os
bens oferecidos em penhor é “empenhados” ou “apenhados”, jamais podemos
usar a expressão “penhorados”, pois esta é específica para os bens objeto
de penhora.
Como proceder se os bens oferecidos em penhor estiverem localizados em
mais de um imóvel, por exemplo, se houver indicação de que se trata de uma
safra localizada em três ou quatro imóveis? Nesse caso, acredito que fere
a especialidade fazer a indicação de três ou quatro imóveis, é necessário
indicar a quantidade do penhor em cada imóvel individualmente. Ainda que
não se dê o número de matrícula, mas apenas qual é o imóvel, qual é a área
e onde está localizado o bem. Nesse sentido, existe decisão expressa do
Conselho Superior da Magistratura, que entende que deve ser indicada a
quantidade localizada em cada imóvel. Isso repercute nos emolumentos, uma
vez que em cada imóvel é um penhor diferente.
Por exemplo, uma safra inteira de café é oferecida em penhor. Teríamos
então um penhor em cada grão do café? Um penhor em cada saca? Não. O
penhor é um só, mas o número de sacas de café não, ou seja, constitui-se
uma universalidade e o penhor é um só sobre essa universalidade. No
entanto, não é possível caracterizar essa universalidade se esses bens
estiverem localizados em distintos imóveis, quebraria a unidade. Por isso,
a decisão do CSM é no sentido de que, havendo penhor em mais de um imóvel,
deve ser indicada a quantidade localizada em cada imóvel (Acórdão CSM/SP –
Ap. Cível 5.967-0, Adamantina – 11-07-1986).
Existe previsão na lei de que conste na cédula expressamente o grau
estabelecido na garantia. Se o registrador recebe um penhor de segundo
grau, ou maior, o cartório deve devolver e solicitar a indicação dos graus
de penhores anteriores. Essa é uma cautela para verificar se o penhor é de
segundo grau, uma vez que foi imposto ao registrador o controle do grau.
Além disso, também é necessária a anuência dos credores de graus
anteriores. Por disposição expressa do decreto, se os credores de penhores
inferiores não forem os mesmos dos penhores de graus maiores, é necessário
colher a anuência deles, que pode ser feita por escrito, na própria cédula
ou, até mesmo em carta de anuência apartada. Neste caso, como não estamos
diante de título de crédito, é prudente exigir a prova de representação.
O oficial não pode registrar um penhor com o mesmo grau. O problema é
saber se se trata do mesmo grau ou não. Se for um produtor rural em cujo
imóvel já há penhor de cem sacas de café, não sabemos quanto de café
existe naquela fazenda, não temos o controle do quanto de bem móvel existe
lá, nem quanto é a capacidade de produzir bens. Assim, quando se tratar de
safra, não temos como verificar a regularidade do grau de penhor, não há
como controlar a disponibilidade. No entanto, o registro de imóveis
oferece segurança. O ideal é pedir ao emitente uma declaração no sentido
de que a fazenda produz mais e que aquele bem oferecido em penhor não é o
mesmo oferecido em penhor que já consta registrado no cartório. Também é
preciso saber se os penhores registrados no cartório são do mesmo bem. Se
forem, terão de ser devolvidos, solicitando-se a indicação do penhor de
segundo grau, ou será preciso pedir a declaração de que os bens não são os
mesmos, se for possível. Ou seja, se a fazenda produz mil sacas de café e
foram dadas em penhor apenas cem, ainda poderiam ser apenhadas novecentas
sacas de café. De modo que temos de confiar na declaração das partes e no
princípio da boa-fé das pessoas que se socorrem do registro de imóveis.
Entretanto, no caso de penhor de uma máquina agrícola, os elementos de
identificação por vezes nos dão a certeza de que se trata do mesmo bem,
como número de chassi, marca e modelo, ou outros elementos, nesta
hipótese, deverá cancelar o penhor de grau anterior ou estipular o penhor
em grau posterior colhendo a anuência dos anteriores.
Não é na constituição da cédula que se prorroga o prazo
O penhor mercantil e industrial não tem prazo fixado em lei. O penhor
agrícola tem prazo de três anos, prorrogados uma única vez por mais três
anos. Já o penhor pecuário o prazo é três anos. Geralmente, o credor, na
própria cédula, já prorroga o prazo por mais três anos, o que não pode
acontecer. Não é no momento da constituição da garantia pela cédula que se
prorroga o prazo, ela não tem prorrogação automática. Assim já decidiu o
Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, Ap. Civ. 233-6/5, Sumaré,
9/2/2005.
Hipoteca constituída pela cédula
A regra geral para se registrar uma hipoteca cedular não guarda nenhum
segredo. Devemos observar as mesmas regras que são utilizadas para a
hipoteca por escritura pública, com as exceções previstas na lei de cada
uma das cédulas. A primeira delas refere-se ao grau da garantia.
Na escritura pública não é obrigatório indicar o grau da garantia, que
deve ser aferido no momento da apresentação no registro de imóveis. Já na
regulamentação das cédulas exigiu-se indicar o grau, e se for de segundo
grau ou maior é necessária a anuência dos credores de graus inferiores.
Nas escrituras públicas, se forem apresentadas duas hipotecas com o mesmo
grau, não é necessário retificar a escritura pública para corrigir o grau,
já que este se afere no protocolo. No caso das cédulas, por disposição
expressa do decreto-lei, ou cancela-se o grau anterior ou retifica-se a
cédula e insere-se o grau posterior.
Também não é possível registrar pulando-se o grau. Se constarem na
matrícula do imóvel duas hipotecas registradas, não se pode apresentar uma
cédula de quarto grau. Se fosse feita por escritura pública, poderíamos
aplicar a regra do artigo 189 da Lei de Registros Públicos, mas, no caso
das cédulas, se o grau não estiver perfeitamente adequado, o mais sensato
é devolver a cédula, solicitando esclarecimento do credor. O artigo 189 da
LRP diz que “apresentado título de segunda hipoteca, com referência
expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo,
aguardará durante 30 (trinta) dias que os interessados na primeira
promovam a inscrição. Esgotado esse prazo, que correrá da data da
prenotação, sem que seja apresentado o título anterior, o segundo será
inscrito e obterá preferência sobre aquele”.
A outra exceção que a cédula impõe para o registro da hipoteca é a
especialidade do imóvel oferecido em garantia. Ou se expressa tudo na
cédula – isto é, a descrição do imóvel, a área, as características, as
confrontações, as benfeitorias –, ou se expressa na cédula um extrato do
imóvel (denominação ou logradouro do imóvel, área, título de propriedade,
sua data e cartório) e faz-se menção de que segue em anexo certidão de
propriedade que faz parte integrante da cédula e contém todos os dados
descritivos do imóvel. Já no aspecto da especialidade subjetiva, os dados
constantes da cédula devem estar coincidentes com o que consta da
matrícula e caso os proprietário não sejam os emitentes, deverão assinar
na qualidade de “intervenientes hipotecantes”, não basta assinar como
avalistas ou como testemunhas.
Efeitos especiais da garantia cedular
São basicamente duas características especiais afetas as garantias
cedulares: a impenhorabilidade dos bens oferecidos em garantia, e a
necessidade de anuência do credor para alienar o bem.
Essa impenhorabilidade tem exceções nos casos em que a penhora estiver
apoiada em execuções trabalhistas, ou se se tratar de penhora em execução
fiscal, ou se a penhora for em execução de débito condominial, devido ao
caráter propter rem dessas obrigações. Sempre que procedermos ao
registro em exceção a impenhorabilidade é prudente, e assim já se
manifestou a Corregedoria, comunicar os envolvidos no processo e,
notadamente, o credor hipotecário.
A impenhorabilidade dos bens objeto de garantia cedular é prevista em lei
especial e subsistiu ao longo dos anos. Por ocasião do Código de Processo
Civil questionou-se se estaria revogada tal impenhorabilidade, já que o
então novo Código teria estabelecido o rol dos bens impenhoráveis e lá
nenhuma referência fez as garantias cedulares, mas tal entendimento não
prevaleceu. A promulgação da Constituição Federal de 1.988 também foi
motivo para atacar a referida impenhorabilidade, pois ofenderia a isonomia
e o princípio de que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas,
mas tal interpretação também não prevaleceu. Atualmente constata-se uma
tendência de limitar essa impenhorabilidade no tempo, estabelecendo que
ela vige até o vencimento da dívida, salvo se o credor noticia na
matrícula medidas de execução de seu crédito.
Para finalizar, um caso prático bem intrigante. Imagine se um Registro nº
03, matrícula nº 1000, de hipoteca cedular. Podemos registrar uma penhora
fiscal desse imóvel ? Sim, porque o crédito fiscal é privilegiado e a
impenhorabilidade da hipoteca cedular seria discutida na via
jurisdicional, não caberia ao registrador verificar isso, portanto,
registra-se a penhora fiscal. Então temos o R.03, referente a hipoteca
cedular e o R.04 referente a penhora fiscal.
Pergunta-se novamente, podemos agora registrar uma arrematação decorrente
do mesmo processo da penhora? Na carta de arrematação, percebemos que não
consta intimação do credor hipotecário. Podemos registrar essa
arrematação? A primeira impressão que temos é de que a existência da
hipoteca cedular requer a anuência do credor para a alienação do bem – e a
arrematação nada mais é do que uma alienação –, seria então necessária a
anuência do credor hipotecário? Pela inteligência do art. 1.501 do Código
Civil e principalmente sua comparação com o art. 826 do Código Civil
revogado, concluímos que é possível registrar essa arrematação, sendo que
a hipoteca não se extingue.
Após registrada a arrematação, imaginemos que esse arrematante quer vender
o bem, ele pode? Em outras palavras, se a pessoa arrematou o bem na
execução fiscal, gravado com hipoteca cedular, e o credor não participou
do processo de execução, podemos registrar a venda realizada pelo
arrematante? Se na arrematação o credor hipotecário for intimado, a
hipoteca fica cancelada por arrematação e é possível registrar uma venda.
No entanto, se o credor hipotecário não for intimado na arrematação a
hipoteca continua valendo, uma vez que a arrematação só cancela a hipoteca
se o credor hipotecário for intimado (art. 1501, CC). O próprio Conselho
Superior da Magistratura já decidiu que não se pode registrar uma venda
realizada pelo arrematante, a não ser que a hipoteca seja cancelada (CSM-SP
– Ap.Civ. 544-6/4 - Santa Isabel - 17/8/2006). Muito obrigado!
*
Marcelo Salaroli de Oliveira é
registrador de imóveis de Patrocínio Paulista, SP. |