Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
reconheceu que a prática de agiotagem, por si só, não impede a execução de
contrato de empréstimo.
Para os ministros, a prática de agiotagem deve ser combatida, mas não é
viável declarar a nulidade do contrato de empréstimo se o mutuário foi
efetivamente beneficiado pela parte legal do negócio.
Assim, quem recebe devidamente o valor do empréstimo não pode se esquivar de
honrar sua obrigação de pagar o valor recebido, acrescido dos juros legais,
com a exclusão apenas do montante indevido conforme prevê a Lei da Usura
(Decreto 22.626/33).
Agiotagem
O autor do recurso negado é um cidadão do Rio de Janeiro fez um empréstimo
de R$ 70 mil junto a uma empresa que realizava operações financeiras sem
autorização do Banco Central. Mediante contrato simulado, para não figurar a
cobrança de juros acima do legalmente permitido, pessoas físicas que
substituíram a empresa no contrato registraram que a quantia emprestada foi
de R$ 98,2 mil, com juros moratórios de 1% ao mês, totalizando
aproximadamente R$104 mil.
Diante da inadimplência no pagamento do empréstimo, os credores entraram com
ação de execução do contrato, que tinha hipoteca de imóvel como garantia. O
devedor, então, decidiu recorrer à justiça com pedido de nulidade da
execução, pela prática de agiotagem.
Esse acréscimo no valor do empréstimo efetivo – que passou de R$ 70 mil para
R$ 98 mil – mascarou a cobrança de juros de 8,11% ao mês, configurando a
prática de usura, conforme reconheceu a Justiça do Rio de Janeiro.
O juízo de primeira instância concluiu pela nulidade do negócio jurídico e
extinguiu a execução. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entretanto,
reformou a sentença. No acórdão, a agiotagem foi reconhecida, mas a execução
foi mantida com a readequação da dívida, que efetivamente era de R$ 70 mil,
e dos juros aplicados.
Nulidade relativa
O devedor recorreu ao STJ pedindo que a sentença de primeiro grau fosse
restabelecida. O ministro Raul Araújo, relator, lembrou em seu voto que na
época em que foi feito o empréstimo estava em vigor o Código Civil de 1916,
que incluía a simulação no rol das nulidades relativas, sendo possível o
aproveitamento do negócio jurídico em sua parte válida.
Diante da comprovação do empréstimo, pelas instâncias ordinárias, com o
devido repasse do valor pelos credores ao devedor, o ministro Raul Araújo
entendeu que a decisão do tribunal estadual deveria ser mantida, uma vez que
o devedor foi beneficiado pela parte legal do contrato.
“Se o mutuário recebeu devidamente o valor do empréstimo, não se pode
esquivar, na condição de devedor, de honrar sua obrigação de pagamento do
valor efetivamente ajustado, acrescido dos juros legais, mas desde que
excluído o montante indevido, cobrado a título usurário”, disse o relator.
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REsp 1046418 |