Graciano Pinheiro de Siqueira
O recente Decreto nº 52.658,
de 23 de janeiro de 2.008, a exemplo do que já tinha feito o Decreto
52.228, de 05 de outubro de 2.007, introduziu medidas de desburocratização
na recepção de documentos no âmbito da administração direta, autárquica e
fundacional do Estado de São Paulo, e, dentre elas, a dispensa do
reconhecimento de firmas.
É bem verdade que, embora o Decreto de 2.007 se aplique também ao Registro
Civil das Pessoas Jurídicas (vide, v.g., artigo 11, parágrafo 3º e artigo
12), prevê o mesmo que o registro no CADEMP – Cadastro Integrado de
Empresas Paulistas (art. 2º, I), não será condicionado a reconhecimento de
firmas, de modo geral, na esfera da administração direta, autárquica e
fundacional, e, especificamente, apenas nos atos destinados a registro na
Junta Comercial (art. 19, V), não fazendo, portanto, nesse aspecto,
qualquer alusão ao RCPJ.
Aliás, essa dispensa de reconhecimento de assinaturas, nos casos da Junta
Comercial, era de todo desnecessária, na medida em que o Decreto nº
1.800/96, que regulamentou a Lei nº 8.934/94, que dispõe sobre o Registro
Público de Empresas Mercantis e atividades afins, já faz previsão, em seu
artigo 39, de tal desobrigação.
No tocante ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, tenho defendido o
posicionamento de que o reconhecimento de firmas, notadamente no caso das
sociedades simples limitadas, já poderia estar sendo liberado desde o
advento da Lei nº 10.406/02 (Código Civil), em razão da regra contida no
seu artigo 1.150, que estabelece, em suma, que o RCPJ deverá
obedecer às normas fixadas para o Registro Público de Empresas Mercantis
(Junta Comercial), quais sejam, em nível federal, a Lei nº 8.934/94 e o
Decreto nº 1.800/96, e agora, em nível estadual, os Decretos nºs 52.228/07
e 52.658/08, todas anteriormente mencionadas, se a sociedade simples
adotar um dos tipos de sociedade empresária. Vale lembrar que a limitada é
um desses tipos (99% das sociedades simples são limitadas).
Ademais, como regra geral, não há, no ordenamento jurídico civil pátrio,
norma (lei) impondo o reconhecimento de firmas. Tanto é assim que o art.
221 do Código Civil estabelece que o instrumento particular, que é a forma
mais comum dos documentos apresentados a registro/averbação perante os
órgãos de registros públicos, feito e assinado ou somente assinado por
quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as
obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como
os da cessão não se operam, a respeito de terceiros, antes do registro
naqueles órgãos. Note-se que nem mesmo a assinatura de testemunhas,
prevista no artigo 135 do Código Civil revogado, é exigida na legislação
em vigor.
No caso específico do Estado de São Paulo, os registradores do RCPJ estão
atrelados às Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, as quais
não vêm sendo atualizadas com a rapidez necessária a fim de acompanhar as
mudanças legislativas ocorridas, daí continuarem a pedir o reconhecimento
de assinaturas, nos atos constitutivos e posteriores modificações de
pessoas jurídicas, com base no item 11 do Capítulo XVIII das citadas
Normas. Entretanto, se é verdade que a obediência a tais normas técnicas
se deve ao disposto no artigo 30, XIV da Lei nº 8.935/94, sob pena de
punição, também a inobservância das prescrições legais é considerada como
infração disciplinar sujeita a penalidades (artigo 31, I do Código Civil).
Assim, fica o registrador em situação delicada - entre a cruz e a espada,
questionando o que deve, efetivamente, ter prioridade: a norma ou a lei?
O certo é que, em que pese o respeito a normas, ainda que emanadas de
órgão correicional, não podem estas prevalecer sobre normas legais (lei,
em sentido formal).
Do exposto, somos da opinião que os registradores do RCPJ (não só os de
São Paulo) poderiam estar dispensando o reconhecimento de firmas nos
contratos sociais e nas suas alterações, das sociedades simples,
especialmente quando escolherem o tipo limitada.
O autor: Graciano Pinheiro de Siqueira é Substituto do 4º Registro de
Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital de São Paulo,
especialista em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP.