A necessária regulamentação
da compensação da Área de Reserva Legal, defendida em reuniões e ações por
promotores de Justiça de defesa do meio ambiente, levou o procurador-geral
de Justiça, Jarbas Soares Júnior, a propor uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI), em face da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais e outros, questionando parte das legislações que dispõem sobre
políticas florestal e de proteção à biodiversidade no Estado. Por maioria,
15 votos a dois, a Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG),
em sessão realizada nessa quarta-feira, 27 de agosto, julgou procedente a
ADI.
De acordo com a inicial, os dispositivos da Lei tratavam com desmedida
benevolência o tema da compensação da reserva legal. Além de permitir a
criação dessa área fora do ecossistema em que se verificou o dano, a Lei
facultava a aquisição de título em quantidade correspondente à área de
reserva legal a ser reconstituída. E, dessa forma, a inexistência de
reserva legal no Estado de Minas Gerais poderia ser compensada com área
localizada em até outro Estado da Federação integrante ou não da mesma
bacia ou ainda por meio da aquisição de título.
A decisão do Tribunal de Justiça, que declara inconstitucional os incisos
V, VI e VII do art. 17 da Lei Estadual n.º 14.309/2002, bem como dos
incisos V e VI e do § 6º do art. 19 do Decreto Estadual n.º 43.710/2004,
põe fim a uma prática que contribuía para que um espaço territorial fosse
completamente devastado, com perdas irreparáveis ao meio ambiente.
No acórdão do TJMG, o desembargador Herculano Rodrigues, em seu voto,
afirma que as referidas normas estaduais extrapolam a competência
concorrente do Estado, prevista no artigo 10, da Constituição Estadual,
uma vez que “a legislação federal que disciplina a matéria já determina
que a recomposição da reserva legal nos imóveis rurais, implementada
mediante compensação, somente é possível se se der por outra área
equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao
mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma micro-bacia”.
O desembargador Wander Marotta acompanhou o voto e fez as seguintes
considerações a respeito do instituto da reserva legal: “se o Estado
permitir que a reserva legal seja averbada em região diversa da que foi
devastada o instituto perde a finalidade e fica esvaziado de conteúdo.
Além de a lei estadual em exame permitir que o meio ambiente de um dado
espaço territorial seja completamente devastado, a autorização para que a
reserva legal seja instituída em outra região, pode vir a impedir o
desenvolvimento econômico de locais com terras menos férteis.
Ele cita como exemplo o triângulo mineiro, que tem terras valiosas e
produtivas. “Os empresários vão fatalmente adquirir as terras da região já
desenvolvida economicamente, e instituir segundo a lei estadual, áreas de
reserva no Norte de Minas, região menos desenvolvida e que terá o seu
próprio desenvolvimento econômico inviabilizado, caso todos os
proprietários de terras no triângulo resolvam averbar, ali, as suas áreas
de reserva legal”, argumenta o desembargador Wander Marotta.
O desembargador conclui que “a Lei estadual questionada é, por tudo isto,
uma lei com reflexos terríveis e perversos. Mais uma vez, contrariando
tudo o que se sabe de economicidade, além da própria ideologia da
Constituição (art. 170, VI), as regiões mais pobres do Estado serão
prejudicadas”.
Entenda o caso: Em 15 de junho de 2005 houve, em São Paulo, uma reunião de
representantes do Ministério Público de todo o Brasil. O então Coordenador
do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa do Meio Ambiente
de Minas Gerais (CAOMA), Rodrigo Cançado Anaya Rojas, representou o
Ministério Público mineiro. Entre as deliberações feitas na reunião,
constou a elaboração de representação ao Conselho Nacional de Procuradores
Gerais e aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados para providências
no sentido de se propor ações questionando a constitucionalidade das
legislações que excepcionam intervenções em Áreas de Preservação
Permanente (APP), quais sejam, Lei estadual nº 11.206/95, de Pernambuco;
Lei Municipal nº 16.930/03, da cidade de Recife-(PE); Lei estadual nº
14.309/02, de Minas Gerais e Decreto Estadual nº 43.710/04, de Minas
Gerais”.
O CAOMA resolveu aprofundar o exame da matéria e ofereceu ao
procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, uma representação
acerca da inconstitucionalidade dos incisos V, VI e VII, do art. 17 da Lei
Estadual n.14.309/02. Conclui-se ainda que a questão relativa à
compensação da área de reserva legal foi tratada em normas editadas nas
esferas federal e estadual.
Em 9 de janeiro de 2006, foi editada a Portaria n. 9, do Instituto
Estadual de Florestas (IEF), que estabelece procedimentos para a
compensação da Reserva Legal quando da sua recomposição na forma de
Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN ou Reserva Particular de
Recomposição Ambiental – RPRA, em condomínio.
Em 7 de março de 2006, outra reunião do Ministério Público mineiro com o
IEF discutiu os dispositivos referidos da Lei Estadual n. 14.309/02.
Presentes Rodrigo Cançado Anaya Rojas, o promotor de Justiça Alex
Fernandes Santiago, coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do
Rio São Francisco, o promotor de Justiça de Meio Ambiente da Comarca de
Araguari, Sebastião Naves de Resende Filho, eo diretor-geral do Instituto
Estadual de Florestas, Humberto Candeias Cavalcanti, além de técnicos
daquela autarquia.
Na ocasião, os membros do Ministério Público manifestaram a preocupação
com a possibilidade da compensação das áreas de reserva legal fora da
bacia hidrográfica, em desrespeito ao previsto no Código Florestal.
Ressaltaram ainda que a norma estadual desrespeita o princípio da máxima
coincidência possível, que consistente, no caso, na compensação na mesma
micro-bacia ou bacia hidrográfica e em área mais próxima possível da
propriedade desprovida de reserva legal, sendo, portanto,
inconstitucional.
Outro fato determinante e que contribuiu para a propositura da ADI, pelo
procurador-geral Justiça refere-se a iniciativa da Promotoria de Justiça
de Meio Ambiente da comarca de Uberlândia, que obteve, por meio do
controle difuso, em ação civil pública, decisão favorável que reconheceu
incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 17, incisos V, VI e VII da
Lei Estadual n. 14.309/02.
Jarbas Soares Júnior argumentou na ADI que a solução mais adequada para o
restabelecimento da ordem jurídica se encontra no controle concentrado de
constitucionalidade, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade da
Lei, frente à Constituição do Estado, no Tribunal de Justiça.
Site do Ministério Público do
Estado de Minas Gerais