QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
Apelação nº 0000394-29.2010.8.19.0009
Juízo da Comarca de Bom Jardim
Apelante: Beatriz Brum Pinheiro
Apelado: Secretário de Fazenda do Município de Bom Jardim
Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA
RELATÓRIO
Apelação interposta em face de sentença que denegou a ordem pleiteada em
Mandado de Segurança e que visava afastar a incidência do ISSQN sobre o
preço do serviço notarial e/ou registral, bem como a exigência, por parte
do Fisco Municipal, da apresentação de livros e informações sigilosas e
outros documentos fiscais cuja competência tributária pertença a outros
entes.
A liminar foi concedida por este Órgão Julgador, nos termos do Acórdão
proferido no agravo de instrumento nº 0016844-74.2010.8.19.0000,
suspendendo-se o ato impugnado (fls. 169/170).
A sentença adota os seguintes fundamentos: (a) a toda evidencia, não quis
o legislador manter o critério privilegiado de alíquotas fixas aos
serviços prestados de forma pessoal, não havendo qualquer ressalva na
lista pertinente quanto àqueles prestados pelos Oficiais Registradores e
Tabeliães; (b) houve a revogação tácita do § 1º do art. 9º do Decreto
406/98, por força do inteiro disciplinamento da matéria na lei posterior (LC
116/2003), gerando incompatibilidade entre a norma de exceção e ao atual
sistema de tributação; (c) ainda que não se considere a aludida revogação,
não se vislumbra na atividade desempenhada pela impetrante a pessoalidade
inerente a outras profissões como médicos e advogados; (d) ainda que
pessoal a responsabilidade do delegatário, os serviços desempenhados na
serventia não são executados por ele de forma pessoal.
Alega a impetrante, em resumo, que: (a) a atividade notarial e a registral
são fiscalizadas pelo Poder Judiciário por determinação constitucional,
não podendo sofrer outro tipo de inspeção, mormente por parte do Fisco
Municipal, sendo a sentença, neste ponto, citra-petita; (b) os serviços
notariais e de registros são eminentemente públicos, remunerados por meio
de taxa; (c) o art. 9º do Decreto-Lei 406/68 sofreu alterações mas não foi
revogado, estabelecendo o seu parágrafo primeiro a aplicação de alíquota
fixa quando o serviço for prestado de forma pessoal, sendo esta a
inequívoca natureza daqueles prestados pelos notários e registradores; (d)
a faculdade da contratação de escreventes auxiliares não afasta a
característica de trabalho pessoal; (e) a Corregedoria Geral da Justiça já
se pronunciou diversas vezes acerca da inexigibilidade de exibição de
livros próprios, exclusivos da fiscalização judiciária aos Fiscais da
Municipalidade, onde ratificou-se a ausência de personalidade jurídica
própria dos serviços extrajudiciais, bem o exercício da atividade em
questão em nome próprio pelo Titular de Serventia; (f) diversos são os
precedentes jurisprudenciais no que tange ao reconhecimento do caráter
pessoal do serviço em questão, afastando-se, consequentemente, a
incidência do tributo em percentual sobre o preço do serviço, com a
aplicação de alíquota fixa, em valor único (g) cabível, na hipótese, a
atribuição de efeito suspensivo ao apelo, como tutela antecipada recursal.
A autoridade impetrada, em contrarrazões, prestigia o julgado, aduzindo,
em resumo: (a) em momento algum foi solicitada a apresentação de livros e
notas fiscais mas, tao somente, a relação dos serviços prestados, para a
incidência do ISSQN e taxa de fiscalização, procedimentos adotados para
todos os cartórios extrajudiciais; (b) pacífico o entendimento do Supremo
Tribunal Federal no que tange à incidência do ISSQN das atividades
notariais e registrais sobre o preço do serviço; (c) a previsão legal do
ISSQN encontra-se no subitem 21 da Lei Complementar 56/2003 que alterou a
Lei Municipal nº 21/1976 e a cobrança da TFLIF encontra suporte no art.
67, § 1º, item I da Lei Municipal 21/1976 e nos arts. 1ºs das Leis
889/2002 e 1052/2005.
O Ministério Público oficiante em 1ª instância manifesta-se em fls. 258
pelo conhecimento e desprovimento do recurso, reiterando promoção de fls.
160/160v., no que tange à carência de alegado direito líquido e certo.
A Procuradoria de Justiça, em douto parecer de fls. 261/268, cujo
relatório integra o presente, opina pelo conhecimento e desprovimento do
recurso.
Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2011.
DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DE SOUZA
Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ISSQN. ATIVIDADES NOTARIAIS E DE
REGISTRO. TRIBUTAÇÃO. PESSOALIDADE DO SERVIÇO RECONHECIDA. REGIME ESPECIAL
DIFERENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1- Atualmente, não mais se discute acerca da obrigatoriedade do pagamento
do ISSQN, incidente sobre os serviços de registros públicos, cartorários e
notariais, posto que decidida pelo Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento da ADI 3.089/2008-DF, que produz eficácia contra todos e possui
efeito vinculante (CR, art. 102, § 2").
2- O regime instituído pelo art. 9º , caput e § 1º do Decreto-Lei 406/98
não foi revogado tacitamente pela Lei Complementar n° 116/03 que, em seu
art. 10, tratou de especificar aqueles que efetivamente foram abolidos,
sem, no entanto, fazer qualquer menção ao referido dispositivo.
3- Ainda que alguns atos inerentes ao desempenho da função possam ser
praticados por prepostos, estes estão sob a conta e risco do Titular da
Serventia que é pessoa natural, habilitada em concurso público e não se
amolda ao conceito de empresário estabelecido no art. 966 do Código Civil,
respondendo pessoalmente por qualquer dano causado a terceiros.
4- Neste aspecto, o recolhimento do ISS deve respeitar o regime especial
diferenciado para os Delegatários de Serventias Extrajudiciais, mormente
para se evitar a sobrecarga tributária desta categoria profissional.
5- Nessas circunstâncias, a base de cálculo do ISSQN sobre serviços
notariais e de registros públicos deve ser aquela estabelecida na forma do
art. 9", § 1", do Decreto-lei n." 406/68.
6- Ordem concedida.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº
0000394-29.2010.8.19.0009, originários do Juízo da Comarca de Bom
Jardim, em que é apelante Beatriz Brum Pinheiro e é apelado o
Secretário de Fazenda do Município de Bom Jardim.
Acordam os Desembargadores que compõem a Quinta Câmara Cível do
Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em dar provimento
ao recurso para determinar o recolhimento do ISSQN na forma do art. 9º, §
1º, do Decreto-lei 406/68, mediante alíquota fixa, excluindo-se da base de
cálculo o rendimento bruto da serventia, afastando-se ainda a
exigibilidade da exibição de documentos e livros próprios exclusivos da
fiscalização judiciária, restringindo-se a atuação do Fisco Municipal aos
tributos de sua competência, observados os termos do presente decisum.
¶
Preliminarmente, cumpre ressaltar que, de fato, a liminar concedida foi
implicitamente cassada pela sentença que denegou a segurança e, ainda que
o apelo tenha sido recebido no duplo efeito, este não alcança a liminar de
modo a revalidá-la, o que, por sua vez, também encontra óbice na Súmula
405 do STF.
Outrossim, a apreciação, neste momento, de todas as questões discutidas na
presente ação mandamental, induz a perda do objeto do pleito
antecipatório.
No que tange ao objeto principal deste mandamus, razão assiste à
impetrante.
Em que pese os doutos fundamentos esposados na sentença, os quais,
reconheça-se, são partilhados por parte considerável da doutrina e
jurisprudência, filiamo-nos à corrente oposta e não menos prestigiada.
Atualmente, não mais se discute acerca da obrigatoriedade do pagamento do
ISSQN, incidente sobre os serviços de registros públicos, cartorários e
notariais, posto que decidida pelo Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento da ADI 3.089/2008-DF, que produz eficácia contra todos, possui
efeito vinculante (CR, art. 102, § 2") e foi assim ementada:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21
E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO
SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS
PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de
Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à
Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de
registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e
236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão
somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a
tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art.
150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços
públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As
pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação,
porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com
intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da
Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços
confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma
garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e
não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo,
serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente
remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços
públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação
Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.
(Grifamos)
Contudo, a decisão do Pretório Excelso nada decidiu acerca da base de
cálculo e da alíquota a serem adotadas na espécie tributária em questão, o
que vem a ser o cerne da controvérsia na presente ação mandamental, posto
que, em relação ao fato gerador, dúvidas não restam, consoante o disposto
no item 21.1 da lista anexa à Lei Complementar 116/03: "Serviços de
registros públicos, cartórios e notariais".
Assim, bem examinados os autos, após o devido processo legal, verifica-se
que a exigência desse tributo deve, de fato, realizar-se por valor fixo,
consoante já assentado em análise perfunctória da questão, quando da
concessão da medida liminar.
Com efeito, o diploma legal mencionado anteriormente dispõe expressamente
que a base de cálculo é o preço do serviço (art. 7º).
Entretanto, o Decreto-Lei nº 406/98, estabelece que a base de cálculo do
imposto é o preço do serviço e que, em se tratando de prestação de
serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o
imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em
função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não
compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio
trabalho " (art. 9º , caput e § 1º).
Ressalta-se que a Suprema Corte, em reiteradas decisões, reconheceu a
recepção pela Carta Magna em vigor do art. 9º, do Decreto-lei n° 406/68,
valendo invocar o enunciado da Súmula n° 663 daquela Corte.
Louvando-se os doutos argumentos em contrário, entendemos também que o
regime instituído pelo dispositivo supra não foi revogado tacitamente pela
Lei Complementar n° 116/03 que, em seu art. 10, tratou de especificar
aqueles que efetivamente foram abolidos, sem, no entanto, fazer qualquer
menção ao art. 9º do Decreto 406/98.
Ademais, não se vislumbra contradição entre normas quando ausente o
antagonismo entre os seus enunciados, o que é exatamente a hipótese
vertente, na medida em que o § 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68
diferencia a tributação dos serviços prestados sob a forma de trabalho
pessoal do contribuinte, enquanto o art. 7º da Lei Complementar nº 116/03
nada prescreve a respeito do assunto.
Confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
TRIBUTÁRIO PROCESSUAL CIVIL ISS ART. 9º, DO DECRETO-LEI 406/68 ADVENTO
DA LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003 REVOGAÇÃO NÃO-OCORRÊNCIA DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. Inexiste incompatibilidade entre os dispositivos da Lei Complementar
116/2003 e os §§ 1º e 3º, do art. 9º, do Decreto-lei n. 406/68. A
contrariedade capaz de produzir a revogação de lei anterior por lei
posterior, ainda que tratando de matérias semelhantes, há de ser absoluta
e não meramente dedutiva.
2. O legislador pátrio externou a vontade indiscutível, no sentido de
demonstrar quais os dispositivos legais do Decreto-lei n. 406/68, a serem
revogados, dos quais não se encontra o art. 9º e seus parágrafos
3. A divergência jurisprudencial não pode ser conhecida, porquanto foi
colacionado acórdão paradigma alusivo ao não-cabimento da alíquota fixa
delineada no art. 9º, do Decreto-lei 406/68, na hipótese de sociedade de
caráter empresarial, diante da análise do seu contrato social.
4. O acórdão combatido não enfrentou tal matéria, apenas assegurou o
direito à referida alíquota fixa de ISS, sem, contudo, deter sobre a
natureza empresarial da sociedade formada pelos recorridos.
5. Não há similitude fática e jurídica apta a ensejar o conhecimento do
recurso, em face do confronto da tese adotada no acórdão hostilizado e na
apresentada no aresto colacionado, nos termos do art. 255, § 2º do RISTJ,
a fim de evidenciar a necessidade da uniformização jurisprudencial
preceituada na Constituição Federal de 1988. Recurso especial conhecido em
parte e improvido. REsp 897471 / ES - RECURSO ESPECIAL 2006/0235154-0 -
Relator(a) Ministro HUMBERTO MARTINS (1130) - Data do Julgamento
20/03/2007 - Data da Publicação/Fonte DJ 30/03/2007 p. 303. (Grifamos)
Vejamos também o magistério de Maria Helena Diniz, in Lei de Introdução ao
Código Civil Brasileiro Interpretada. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002,
p.75/76:
"A mera justaposição de disposições legais, gerais ou especiais, a normas
existentes não terá o condão de afetá-las. Assim sendo, lei nova que vier
a contemplar disposição geral ou especial, a par das já existentes, não
revogará, nem alterará a lei anterior. Se a nova lei apenas estabelecer
disposições especiais ou gerais, sem conflitar com a antiga, não a
revogará. A disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a
especial, senão quando a ela se referir alterando-a explícita ou
implicitamente. Para que haja revogação será preciso que a disposição
nova, geral ou especial, modifique expressa ou insitamente a antiga,
dispondo sobre a mesma matéria diversamente. Logo, lei nova geral revoga a
geral anterior, se com ela conflitar. A norma geral não revoga a especial,
nem a nova especial revoga a geral, podendo com ela coexistir (...)."
Superada esta questão, cumpre-nos agora enfrentar a questão atinente à
natureza dos serviços prestados pelos Notários e Registradores.
Como é sabido, a Constituição da República de 1988 delegou a particulares
a execução dos serviços notariais e de registros, mediante a realização de
concurso público (art. 236).
E, como se verá a seguir, esta outorga, conferida a uma pessoa natural, se
dá de forma permanente e em caráter pessoal.
De efeito, nem mesmo a possibilidade de contratação de empregados para
auxílio no desempenho das funções tem o condão de descaracterizar tal
natureza, na medida em que é o Titular da Serventia quem responde
pessoalmente pelos danos que ele próprio ou seus prepostos causarem a
terceiros, conforme dicção do art. 22 da Lei 8.935/94.
Cabe, por oportuno, trazer à colação recente jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça sobre o tema:
O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a
responsabilidade pessoal do titular da serventia.
No caso de dano decorrente de má prestação dos serviços notariais, somente
o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva".
REsp n° 545.613/MG (4a Turma, Relator Ministro César Asfor Rocha, DJ de
29/6/2007). (Grifos nossos).
No mesmo norte o posicionamento desta Corte:
ACAO DE INDENIZACAO SERVENTIA EXTRAJUDICIAL
ILEGITIMIDADE PASSIVA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. CARTÓRIO
NOTARIAL E REGISTRAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O cartório não tem
personalidade jurídica e por isto, não tem capacidade processual para
figurar no pólo passivo, embora o notário responsável o possa. Em que pese
a atividade do notário, seja exercida por delegação do Poder Público e sob
a fiscalização deste, é de caráter privado. Sendo assim, a
responsabilidade daquele é pessoal, individual, pelos próprios atos ou
pelos atos de seus prepostos e, em conseqüência, não abrange os atos de
seus antecessores. RECURSO DESPROVIDO. 0003549-73.2003.8.19.0045
(2004.001.18747) -DES. JORGE LUIZ HABIB - Julgamento: 14/09/2004 - DECIMA
OITAVA CAMARA CIVEL. (Grifamos)
Por derradeiro e mais importante, o reconhecimento pelo Supremo Tribunal
Federal do caráter sui generis do Serviço notarial e registral, de
responsabilidade exclusiva do próprio delegatário:
(...)II - Regime jurídico dos serviços notariais e de registro: a)
trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de
atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares
mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da
concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição
como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade
material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a
delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma
forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair
sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto
que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em
tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar
delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação
em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo
licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do
contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço
público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a
exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do
Poder Executivo (...)f) as atividades notariais e de registro não se
inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no
círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a
normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. III - Taxa em
razão do poder de polícia: a Lei mato-grossense nº 8.033/2003 instituiu
taxa em razão do exercício do poder de polícia. Poder que assiste aos
órgãos diretivos do Judiciário, notadamente no plano da vigilância,
orientação e correição da atividade em causa, a teor do § 1º do art. 236
da Carta-cidadã (...) ADI 3151/MT - MATO GROSSO- AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO - Julgamento:
08/06/2005 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno. (Grifamos).
Releva ainda salientar que a legislação previdenciária considera os
oficiais e notários contribuintes individuais (art.9o, § 15, VII do
Decreto n° 3.048/99) e o Regulamento do Imposto de Renda os equipara a
profissionais liberais autônomos (art. 45, IV e 106, I, Decreto nº
3.000/1999).
Assim, perfeitamente aplicável o entendimento sufragado pelo Superior
Tribunal de Justiça no precedente adiante ementado:
TRIBUTÁRIO. ISS. ALÍQUOTA FIXA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. 1. A
tributação fixa do ISS (art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/1968) aplica-se
apenas às sociedades uniprofissionais integradas por profissionais que
atuam com responsabilidade pessoal. As entidades empresariais sem
responsabilidade pessoal, como é a hipótese presente, submetem-se à
tributação normal (ISS sobre o preço dos serviços). 2. Agravo Regimental
não provido. AgRg no REsp 807205/RS - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL 2006/0004035-5- Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132)- Órgão
Julgador T2 - SEGUNDA TURMA -DJe 11/03/2009. (Sem negrito no original)
E nem se diga que tal entendimento afronta o princípio da capacidade
contributiva. Muito pelo contrário.
A prevalecer a tese consagrada no decisum impugnado, observar-se-ia
excessiva oneração do contribuinte, além de bitributação, posto que a base
de cálculo que se pretende empregar já é utilizada pela União para
arrecadação do Imposto de Renda.
Como é cediço, sobre a remuneração do Notário e Registrador, após as
deduções legais, vg, a parte devida ao Estado, FETERJ, FUMPERJ, além das
contribuições previdenciárias e outros encargos, ainda incide o Imposto de
Renda.
Confiramos alguns precedentes recentes da Corte Paulista sobre o tema:
ISSQN - SERVIÇOS NOTARIAIS - INCIDÊNCIA - BASE DE CALCULO -TRABALHO
PESSOAL - ART. 9", § 1", DO DECRETO-LEI N." 406/68 -APLICABILIDADE. A
controvérsia acerca da incidência do ISSQN sobre os serviços notariais
está superada pelo julgamento da ADI n." 3089, pelo C. STF, que produz
eficácia contra todos e efeitos vinculantes - art. 102, § 2", da CF. A
base de cálculo do ISSQN sobre serviços notariais e de registros públicos
não deve ser o preço do serviço (art. 7", "caput", da Lei Complementar n."
116/03), mas aquela estabelecida na forma do art. 9", § 1", do Decreto-lei
n." 406/68. RECURSO IMPROVIDO. 0009901-17.2008.8.26.0291. Apelação -
Relator(a): Carlos Giarusso Santos Comarca: Jaboticabal - Órgão julgador:
18ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 05/08/2010.
No mesmo sentido, a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECOLHIMENTO DE ISSQN - SERVIÇOS CARTORÁRIOS -
ALÍQUOTA FIXA. O tabelião ou oficial de registro prestam serviço sob a
forma de trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço tem direito ao
regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre
toda a importância recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo
o serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que administra.
Recolhimento do imposto na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº
406/68. 2762627-47.2009.8.13.0701 - Des.(a) CARREIRA MACHADO DJ
02/02/2010.
Confira-se o posicionamento de abalizada doutrina sobre o tema:
"A opção por um, ou outro regime pressupõe a análise de como esses
serviços são prestados. Considere-se, inicialmente, o teor, do art. 236 da
Constituição: 'Os serviços notariais e de registro são exercidos em
caráter privado por delegação do Poder Público. A este acresça-se o
disposto no art. 3º da Lei 8.935/94, verbis: Notário, ou tabelião, e
oficial de registro ou registrador, são profissionais do direito, dotados
de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de
registro e o disposto no art. 22 dessa mesma Lei, relativo à
responsabilidade personalíssima desses profissionais pelos danos que eles
e seus prepostos possam causar a terceiros. Corroboram o caráter pessoal
desses serviços, as normas relativas ao imposto sobre a renda e às
contribuições sociais. (...). (ISS na Constituição e na Lei; BARRETO,
Aires F., 3ª edição, São Paulo: Dialética, 2009, pág. 402).
Conclui o renomado jurista, na obra já citada:
"Diante disso, a interpretação entrelaçada e harmônica desses preceitos,
acrescida do fato de que também o patrimônio (bens móveis e imóveis onde
são prestados os serviços) pertence a esses profissionais isoladamente
considerados, não integrando o patrimônio nem de cartórios nem de
serventias conduz, indisputavelmente, a um só resultado: a modalidade de
tributação só pode ser aquela prevista no §1° do art. 9º do Decreto-lei
406/68, qual seja a da prestação dos serviços sob a forma de trabalho
pessoal do próprio contribuinte" (pág. 402)
Assim, concluímos que o delegatário de serviço extrajudicial, pessoa
natural, habilitada, através de concurso público, após aferição de
conhecimentos específicos, notadamente jurídicos, tem responsabilidade
pessoal pelos atos delegado, não se amoldando ao conceito de empresário
estabelecido no art. 966 do Código Civil.
Com efeito, ainda que alguns atos inerentes ao desempenho da função possam
ser praticados por prepostos, estes estão sob a conta e risco do Titular
que não pode se eximir da responsabilidade pelo atuar de seus
subordinados, razão pela qual o recolhimento do ISS deve respeitar o
regime especial diferenciado para os prestadores de serviço desta
natureza.
Desta forma, os Notários e Registradores fazem jus a regime especial de
recolhimento do ISSQN, com alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a
importância recebida a título de remuneração pela totalidade do serviço
prestado, evitando-se a sobrecarga tributária da categoria profissional em
comento.
Em suma, a base de cálculo do ISSQN sobre serviços notariais e de
registros públicos não deve ser o preço do serviço (art. 7", "caput", da
Lei Complementar n." 116/03), mas aquela estabelecida na forma do art. 9",
§ 1", do Decreto-lei n." 406/68.
Nesse aspecto, a exigência do apelado efetivamente desarmoniza-se com o
ordenamento positivo que regula especificamente a matéria.
Nesse contexto, a invalidade da exigência tributária na forma realizada, o
respectivo pagamento ou inscrição na dívida ativa configura lesão ao
direito líquido e certo da apelante.
Em sendo assim, sem prejuízo da fiscalização de eventual operação
irregular, presente o requisito que autorize a concessão da ordem
pleiteada, impõe-se o seu deferimento.
Por derradeiro, cumpre registrar que a fiscalização dos serviços
extrajudiciais prestados pelos delegatários é privativa do Poder
Judiciário, nos termos do art. 236 § 1º da C.R e do art. 17, § 3º, 40 e 42
do CODJERJ.
Por tal razão, incabível qualquer exigibilidade por parte do Fisco
Municipal no que tange à exibição de documentos e livros próprios
exclusivos da fiscalização judiciária, restringindo-se a inspeção daquele
órgão fazendário aos tributos da competência tributária do Município.
Por estes motivos, concede-se a segurança, para determinar o recolhimento
do ISSQN na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-lei 406/68, mediante
alíquota fixa, excluindo-se da base de cálculo o rendimento bruto da
serventia, afastando-se ainda a exigibilidade da exibição de documentos e
livros próprios exclusivos da fiscalização judiciária, restringindo-se a
atuação do Fisco Municipal aos tributos de sua competência, observados os
termos do presente decisum.
Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2011.
DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DE SOUZA
Relator
Fonte : Assessoria de Imprensa
Data Publicação : 17/08/2011 |