Responsabilidades e obrigações dos titulares
dos cartórios são proporcionais ao faturamento
A crise econômica em contraponto aos sonhos de estabilidade, salários
diferenciados e benefícios exclusivos ampliou a concorrência pelas vagas
ofertadas em concursos públicos.
Dentre os bacharéis em Direito, recém-formados ou já atuantes (e porque
não dizer na sociedade em geral), a outorga de delegação para um cartório
extrajudicial se tornou sinônimo de ingresso em um mundo de altos ganhos e
pouco trabalho.
Esse mito, entretanto, decorre de reiterada divulgação distorcida da
realidade dos cartórios extrajudiciais, que passa a falsa ideia de que
todos os ofícios extrajudiciais são extremamente rentáveis e pouco
trabalhosos.
A verdade, contudo, é bem diferente e para quem cogita ingressar na
atividade, é importante conhecê-la para não se frustrar. Também e
especialmente para se preparar adequadamente para o exercício da
atividade.
Se sua prioridade para escolha da nova profissão é a remuneração, no que
diz respeito aos cartórios o primeiro ponto a ser esclarecido é que os que
têm uma renda diferenciada são minoria. O segundo é que a renda de cada
cartório decorre exclusivamente dos atos que pratica (não há qualquer
contribuição do Estado no seu orçamento).
Assim, o fato de alguns cartórios estarem localizados em regiões
economicamente mais privilegiadas, os faz terem uma quantidade de trabalho
muito superior aos demais. Logo, seus titulares são responsáveis por um
fluxo intenso de serviço e por isso realizam um maior número de atos.
Consequentemente produzem um faturamento maior do que os cartórios
localizados em regiões com uma economia mais tímida. Terceiro, da
arrecadação dos cartórios, em média (nacional) 46% são destinados, por
exemplo, ao Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública,
Fazenda Estadual, Fundo de compensação de atos gratuitos do registro civil
de pessoas naturais, dentre outros.
O que resta, então, é destinado ao custeio da atividade desempenhada, ou
seja, locação do prédio do cartório, pagamento dos funcionários,
benefícios e encargos trabalhistas, insumos (água, luz, telefonia,
internet, material de escritório, tonner, papéis e selos de segurança, etc),
softwares de gestão de processos internos e outros necessários para edição
de textos, por exemplo, microfilmagem e digitalização de documentos,
manutenção de maquinário (ar condicionado, computadores, servidores,
impressoras, scanners), enfim, tudo o que uma empresa precisa para
funcionar adequadamente e dar condições adequadas de trabalho à sua equipe
e aos seus usuários.
Após a dedução das despesas, contabilize a incidência de ISS e do imposto
de renda (se você não estiver na faixa de isenção e de até 27,5%, se você
atingir faixa respectiva). Não acabou. Há despesas com a atividade que
você não poderá lançar no Livro Caixa, então elas sairão da sua renda,
após o desconto do IR.
Quarto: considere que a maior parte dos cartórios do Brasil é deficitária
e que apenas os Registros Civis de Pessoas Naturais podem receber repasses
de fundos de compensação pelos atos gratuitos que praticam, por força de
lei (assentos de nascimento e óbito, e as respectivas primeiras certidões,
e dos casamentos àqueles que se declaram pobres).
Quinto: cartórios faturam quando a economia vai bem, ou seja, se a
economia vai mal, faturam menos e menos recolhem aos fundos de
compensação. Assim, nas crises econômicas as compensações das gratuidades
também sofrem.
Sexto: tabeliães e registradores não tem férias, 1/3 sobre férias, décimo
terceiro, licença prêmio, licença saúde, licença gestante, sexta parte,
vale-refeição, vale-transporte, auxílio de qualquer natureza e a
aposentadoria é a comum, do INSS.
Sendo ou não a remuneração a sua prioridade, é importante averiguar se
está presente em seu espírito o desejo de ter a satisfação de desempenhar
uma função pública de extrema importância para a sociedade, porque é o
extrajudicial que proporciona os pilares, os fundamentos da segurança
jurídica para os atos da vida civil.
Função e não serviço, porque se trata de uma atividade pública, de
essência jurídica, que envolve o exercício de algumas das facetas do Poder
do Estado. Por isso essa atividade deve ser desempenhada com eficiência e
essa é a razão pela qual ela é delegada a particulares aprovados em
concursos públicos (ou seja, o Judiciário seleciona os melhores, dentre os
interessados, para colocá-los à disposição da população). Também por isso
os seus exercentes são fiscalizados pelo Poder Judiciário.
As responsabilidades e obrigações dos titulares dos cartórios são
proporcionais ao faturamento. Considere que o “produto” fornecido pelos
cartórios é a segurança jurídica, que se traduz em previsibilidade,
produção de efeitos desejados, autenticidade dos atos e publicidade (esta
ponderada com a privacidade do cidadão). Esse é o pacote que os cartórios
oferecem à população em cada uma das atividades que desempenham. Quando um
registrador ou tabelião emite uma certidão, por exemplo, o cidadão tem
confiança e fé de que as informações que constam naquele documento são
verídicas e fiáveis. O cidadão, a população e todo o sistema nacional. O
mesmo se diga em relação a cada ato que praticam, como registros,
escrituras públicas, atas notariais, notificações, intimações, etc.
Para gerar essa confiança, é indispensável zelar para que cada ato
praticado o seja em acordo com os requisitos previstos em lei e com a
estrita observância dos princípios da segurança jurídica pertinentes a
cada uma das áreas da atividade extrajudicial. Nesse ponto, na prática,
você lidará com toda a legislação civil, comercial, registral e notarial.
As compatibilizará com normas do Direito administrativo, processual e
tributário. E não se esqueça dos dispositivos penais.
O cumprimento dos prazos e a prática dos atos na conformidade da lei
impõem um conhecimento acentuado também em gestão (ou seja, não basta ser
formado em Direito, ou ser especializado em Direito Notarial e Registral).
Para ser um bom registrador ou tabelião é preciso administrar a equipe da
melhor forma, com a oferta de programas de desenvolvimento individual e da
equipe, com objetivo de capacitar continuamente os colaboradores. É
essencial a manutenção e o constante aperfeiçoamento de estrutura adequada
para o desempenho da atividade. Móveis e equipamentos adequados e seguros
para que a população possa ser bem atendida e os colaboradores possam
trabalhar com conforto.
A manutenção e guarda de todo o acervo documental e digital de cada
cartório é imprescindível, e requer cuidado extremo para conservação dos
atos praticados, aí se compreendendo os backups, inclusive remotos e em
microfilmes.
O contraponto da independência jurídica e da autonomia financeira e
administrativa de registradores e tabeliães é a responsabilidade civil,
direta e subjetiva: respondem com seu patrimônio pelos danos que causarem
por culpa ou dolo aos usuários.
Há ainda os aspectos administrativo e tributário. Tabeliães e
registradores fornecem um sem número de informações gratuitas aos órgãos
públicos e ao Poder Judiciário. Há uma série considerável de
responsabilidades tributárias decorrentes da fiscalização do recolhimento
pelas partes dos tributos incidentes sobre os atos que praticam, o
recolhimento das contribuições sociais e impostos da equipe, além do
repasse de cerca de 46% do faturamento como acima mencionado, decorrente
do recolhimento de taxas, além dos impostos pertinentes à atividade em si
considerada.
Assim, ser registrador e tabelião significa entregar, de modo eficiente,
segurança jurídica à população, compatibilizando os valores pagos pelos
usuários pelos atos que pratica com as exigências legais e de gestão à sua
necessidade legítima de um resultado financeiro positivo no final do mês.
Por esses motivos, passar no concurso é só a etapa mais simples do
exercício de uma delegação. As dificuldades começam a partir do início da
atividade com a demanda por uma atualização diária, as novidades
cotidianas, eventuais ações trabalhistas (porque não basta você ser
correto…) e o preconceito decorrente da falta de informação. Este é o
desafio. Se você o aceitar, passar no concurso e assumir uma delegação
notarial e de registro, seja muito bem-vindo. Queremos pessoas com
conhecimento, competentes e comprometidas com a eficiência e o constante
aprimoramento do sistema extrajudicial. Boa sorte!
Patricia André de Camargo Ferraz – Registradora em Diadema-SP. Bacharel em
Direito pela USP. Mestre em Direito Público pela PUC-SP e Diretora de
Comunicação da ANOREGBR – Associação de Notários e Registradores do Brasil
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